quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Como a ciência explica a "besta do leste" que congelou a Europa?

Larissa Leiros Baroni, UOL


  • Climate Reanalyzer / University of Maine
    Mapa mostra partes da Europa com temperaturas abaixo da média; já regiões árticas apresentam temperaturas acima da média
    Mapa mostra partes da Europa com temperaturas abaixo da média; já regiões árticas apresentam temperaturas acima da média
A onda de frio que tomou conta da Europa tem um culpado --que, por sinal, é bastante comum. O nome dele é vórtice polar, segundo o Centro Nacional de Ciência Atmosférica do Reino Unido. Mas o que isso significa?
Esse vórtice polar, segundo José Carlos Figueiredo, meteorologista do Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), é um fenômeno climático permanente que ocorre na troposfera (intermediária e superior) e na estratosfera próximos aos polos. Nada mais é que um ciclone que se mantém em diferentes temperaturas e velocidade.
"Geralmente enfraquecem quando a temperatura de -40ºC sobe para cerca de -25ºC. E esse enfraquecimento favorece a sua segregação em uma ou duas massas de ar, que são empurradas pelo vento para o continente mais próximo --e o alvo dessa vez foi a Europa", diz Figueiredo. Segundo ele, o fenômeno não é raro, mas sua periodicidade e intensidade ainda são desconhecidas.
O resultado tem sido sentido na pele pelos europeus, que chegaram a enfrentar temperaturas que variam de -5ºC a -24ºC. Em Roma, na Itália, uma fina camada de neve cobriu as ruas pela primeira vez desde 2012.
A onda de frio intenso foi apelidada pela imprensa britânica como "besta do leste" --já que a massa de ar frio foi trazida pelos fortes ventos da Sibéria e da Escandinávia. O nome não é reconhecido pela literatura científica.

La Niña em ação

Mas o intenso frio da Europa, segundo Ricardo de Camargo, professor de meteorologia da IAG/USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo), também pode ser um reflexo da junção de dois outros fenômenos chamados de Oscilação do Atlântico Norte e La Niña --que são alterações significativas de curta duração (de 2 meses a um ano) na distribuição da temperatura da superfície da água do mar, com efeitos profundos no clima.
"Oscilações que podem ser positivas (no caso, o El Niño) ou negativas. Por isso, podem ocasionar frios intensos --como esse vivido na Europa-- ou até calor excessivo como o do verão europeu de 2005", afirma Camargo. "Às vezes, os efeitos dos dois fenômenos se somam, mas pode ser também que se anulem. Ou seja, um pode estar na fase negativa e o outro na positiva, provocando um equilíbrio. Mas se os dois estão na fase negativa, geram frios intensos. Ou ainda muito calor, quando há a sobreposição dos fenômenos na fase positiva."
Foi o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos no início do ano, diz Camargo, ao se referir à violenta nevasca que atingiu a costa leste do país norte-americano, que deixou ao menos 16 mortos e mais de 8 milhões de pessoas em alerta. "E como previsto lá nos anos de 1990 --quando os fenômenos do El Niño e da La Niña começaram a ser estudados-- os eventos extremos iam ficar cada vez mais frequente com o aquecimento global." 
E, ao contrário do que muitos possam imaginar, o aquecimento global não está ligado apenas ao calor intenso. "Mesmo com o aquecimento da Terra, a massa de ar frio não deixa de existir. O efeito só deixa o sistema maluco diante da missão de redistribuir o excesso de energia, provocando calores e frios intensos", afirma o professor da IAG/USP.
* Colaborou Fernando Cymbaluk