terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

"A chance de mudar nas mãos do eleitor", por Eduardo Gussem

O Globo

Errar é humano, mas se a borracha acaba antes do lápis, passamos dos limites, diria o pensador irlandês George Bernard Shaw.


O caos se instalou no Rio de Janeiro. São roubos de mercadoria em pleno dia, balas perdidas, fuzis, granadas e áreas inteiras dominadas por facções criminosas e milícias, que ocupam os vácuos deixados pela ausência do poder público. Como chegamos a essa situação? Shaw diria que erramos mais do que acertamos, abusando do uso da borracha.

O decreto de intervenção na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro acende o alerta de que chegamos ao limite e nos oferece uma oportunidade para reescrever nossa história. É inegável que estamos vivendo um momento de grandes avanços legislativos, com o instituto da colaboração premiada, previsto na nova Lei de Combate às Organizações Criminosas, e com a crescente atuação dos órgãos de combate à corrupção. Também alcançamos maior transparência na gestão pública com a Lei de Acesso à Informação, que permite aos cidadãos assumir cada vez mais o protagonismo na fiscalização da vida pública; contudo, evidentemente, muito ainda precisa ser feito.

O Rio de Janeiro tem sido pródigo em gestões ineficientes, corruptas, obscuras e repletas de medidas temerárias. No exercício das funções políticas, existem regras a serem observadas, sob o risco de sanções administrativas, cíveis e/ou criminais. E o gestor deve, sempre e incondicionalmente, buscar o interesse público e o bem comum como metas principais. Ao contrário do que nossas estruturas estatais viciadas possam fazer crer, a legitimidade dada pelo voto popular não confere aos mandatários eleitos um cheque em branco. Sua atuação está restrita à observância rigorosa dos princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), expressos no artigo 37 da Constituição Federal. Assim sendo, sempre que praticados desvios, cada mau gestor deverá ser punido juridicamente e, acima de tudo, receber sua sentença das urnas.

Com a aproximação do novo processo eleitoral, temos a chance da mudança pelas mãos da sociedade civil, que nunca teve tanto acesso aos dados públicos. Desde 2011, quando o Brasil foi um dos oito signatários iniciais do Open Government Partnership — cujas diretrizes são transparência, integridade, participação popular e inovação e tecnologia —, uma iniciativa internacional para difundir práticas de transparência na administração pública, grandes foram os avanços no âmbito dos dados abertos, os quais se tornaram mais acessíveis graças às novas ferramentas de tecnologia da informação. Hoje, cada cidadão pode atuar como verdadeiro fiscal dos poderes estatais.

Esses são tempos colaborativos, efetivamente democráticos; momento em que poderes públicos e sociedade civil precisam reunir forças para reconstruir o Estado e a dignidade de seus habitantes. Precisamos superar as inúmeras razões que fundamentam a necessária e drástica intervenção pela qual passamos neste ano eleitoral, para que alcancemos a tão almejada paz. Um desejo simples, mas que aprendemos a valorizar da forma mais sofrida. Se a borracha está chegando ao fim, é certo que, neste ano eleitoral, o lápis, quase intacto, está nas mãos de cada cidadão.

Eduardo Gussem é procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro