domingo, 21 de maio de 2017

40 anos sem Carlos Lacerda, jornalista e governador

Sandro Macedo - O Globo


‘Demolidor de presidentes’, atacou Vargas e JK, apoiou golpe de 64 e foi cassado. Governador da Guanabara, que morreu há 40 anos, fez túneis e Parque do Flamengo

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Carlos Frederico Werneck de Lacerda recebeu este nome em homenagem aos pensadores Karl Marx e Friedrich Engels. Nascido em 30 de abril de 1914, no Rio de Janeiro, embora tenha sido registrado em Vassouras, no interior fluminense, Lacerda acabou ganhando a alcunha de "demolidor de presidentes", por ter sido um feroz opositor de chefes de governo, o mais implacável opositor de Getúlio Vargas. Outro apelido dado por seus desafetos era "O corvo". Suas tentativas de derrubar Vargas tiveram início em 1931, quando se juntou a outros comunistas para planejar marchas de desempregados no Rio e em Santos, nas quais ocorreriam saques ao comércio, mas foram descobertos e a ação acabou não ocorrendo. Também participou da chamada Intentona Comunista, em novembro de 1935, uma frente ampla antifascista organizada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), que incluía ainda socialistas e liberais, e que terminou com a prisão de mais de 10 mil pessoas.

Filho do escritor e político Maurício de Lacerda e de Olga Caminhoá Werneck, foi vereador, deputado federal e governador do antigo estado da Guanabara. A caminhada política de Carlos Lacerda teve início ao ingressar, em 1929, na Faculdade de Direito, da atual UFRJ. Nessa época, destacou-se como orador e, ativo participante do movimento estudantil de esquerda, se envolveu em atividades políticas, abandonando o curso de Direito em 1932 e tornando-se militante do Partido Comunista. Assim, dava continuidade à tradição familiar: seu avô paterno, Sebastião Lacerda, que foi ministro de Indústria, Viação e Obras do governo de Prudente de Morais e, depois, ministro do Supremo Tribunal Federal, e o pai militavam no PCB. No entanto, em 1939, resolveu abandonar o partido, passando a considerar o movimento proletário como uma das mais nocivas formas de governo.

Em 1938, começou a escrever para jornais e seu rompimento com os comunistas aconteceu oficialmente ao publicar artigo na revista "Observador Econômico e Financeiro", tendo sido acusado de ser traidor do Partido Comunista. Lacerda filiou-se, em 1945, à União Democrática Nacional (UDN). Segundo informações do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), Lacerda apoiou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes na disputa eleitoral, naquele ano, em que perdeu a Presidência para o general Eurico Gaspar Dutra, "ao mesmo tempo que, como redator do "Diário Carioca", moveu violenta campanha contra o candidato do PCB às eleições presidenciais — o engenheiro Iedo Fiúza, ex-prefeito de Petrópolis (RJ)". Na ocasião, escreveu um trabalho panfletário intitulado "O rato Fiúza". Em janeiro de 1947, elegeu-se vereador e passou a usar a tribuna para defender suas ideias e atacar seus adversários em discursos veementes. Em 1949, fundou o jornal carioca "Tribuna da Imprensa", com o qual pôde combater seus adversários com mais vigor.

Lacerda foi coordenador da campanha que objetivava impedir a candidatura de Vargas à Presidência, em 1950. Após a vitória de Getúlio, usou largamente as páginas da "Tribuna", contribuindo para o agravamento da crise no governo, que acabou levando Vargas a se matar, em 24 agosto de 1954. Um atentado a Lacerda, que teria sido planejado por Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, e Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente, em 5 de agosto, precipitou os acontecimentos. O jornalista levou um tiro no pé, mas o major Rubens Vaz, que se ofereceu para fazer sua guarda pessoal, morreu. Com o suicídio de Vargas, Carlos Lacerda e seus companheiros deixaram o país por algum tempo, temendo a revolta da população.

Eleito deputado federal no pleito de outubro de 1954, Lacerda obteve a maior votação do Distrito Federal, feito que repetiu quatro anos depois. Na época, o jornalista também alliou-se a militares e à direita da UDN em duas tentativas de golpe contra Juscelino Kubitschek e seu vice, João Goulart. Durante a campanha eleitoral presidencial de 1955, ele publicou um documento que ficaria conhecido como "Carta Brandi". Atribuída ao deputado peronista argentino Antonio Jesús Brandi, ela teria sido enviada a Jango e fazia citações a contrabando de armas e à organização de uma república sindicalista na América Latina a partir da liderança de Brasil e Argentina, mas investigações comprovaram que tudo não passava de uma farsa. Em 1º de novembro de 1955, O GLOBO publicou os trâmites sobre o inquérito da carta. Após uma segunda tentativa frustrada de golpe em JK, exilou-se em Cuba, ainda sob o governo do ditador Fulgêncio Batista, Estados Unidos e Portugal. Ao voltar, Lacerda reassumiu seu mandato de deputado federal e continuou a combater Juscelino e a construção de Brasília. Anos depois, no exílio, o presidente diria a Lacerda que jamais permitiu o seu acesso à TV por temer que seus ataques pudessem derrubá-lo.

Com a transferência da capital do país para Brasília e a transformação do antigo Distrito Federal no Estado da Guanabara (correspondente ao atual município do Rio), Lacerda resolveu se candidatar a governador. Embora aparecesse como favorito em pesquisas informais, como a publicada no GLOBO em 19 de setembro de 1960, o jornalista ganhou as eleições, realizadas em 3 de outubro, com uma pequena margem. Entre as obras, de seu governo destacam-se a Estação de Tratamento de Água do Guandu, a construção dos túneis Santa Bárbara e Rebouças, os conjuntos habitacionais Cidade de Deus e Vila Kennedy, para abrigar moradores removidos de favelas, e o Parque do Flamengo. Lotta Macedo Soares conseguiu convencê-lo a abandonar a ideia inicial de fazer uma via expressa à beira-mar no aterro surgido após a derrubada do Morro de Santo Antônio, no Centro. Também criou a Universidade do Estado da Guanabara, atual Uerj, em 1961, mesmo ano em que vende a "Tribuna", por dificuldades financeiras.

Em 1964, Lacerda foi um dos líderes civis do golpe militar, mas, ao perceber que a intervenção não seria breve, tirou seu apoio à ditadura. Em 1965, começou a articular o Partido da Renovação Democrática e, no ano seguinte, realizou encontros com antigos adversários políticos. Junto com Juscelino, exilado e cassado, assinou o manifesto de lançamento da Frente Ampla, que contaria ainda com o apoio de Jango, também no exílio e com os direitos políticos cassados, numa tentativa de recuperar a normalidade política do país, em que as manifestações públicas da sociedade contra o regime se tornavam cada vez mais fortes. O regime não tardou a reagir. Em 1967, sua presença na TV foi proibida. 

Com a decretação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, Carlos Lacerda e outros políticos tiveram os direitos políticos cassados por dez anos. Preso, ficou na mesma cela do ator Mário Lago, antigo companheiro comunista e com quem não falava há anos. Cansado e desgastado com a ditadura militar, volta a se dedicar ao jornalismo, tornando-se correspondente de "O Estado de S.Paulo" e "Jornal da Tarde" na Europa e na África.

Paralelamente à carreira de político, Carlos Lacerda escreveu, entre outros livros, "O caminho da liberdade" (1957), "O poder das ideias" (1963), "O Brasil entre a verdade e a mentira" (1965), "Paixão e ciúme" (1966), "O cão negro" (1971), "Em vez" (1977) e "A casa do meu avô: pensamentos, palavras e obras" (1977). Também fundou, em 1965, a Editora Nova Fronteira, que publicou importantes nomes da literatura nacional e estrangeira, além do best-seller "Dicionário Aurélio", de Aurélio Buarque de Hollanda. "Depoimento" (1978) e "Discursos parlamentares" (1982) foram compilados e publicados após a sua morte.

Internado na Clínica São Vicente, na Gávea, no dia 20 de maio de 1977, para tratar de uma gripe e um processo de desidratação, Lacerda morreu na madrugada do dia 21, aos 63 anos, de infarto. Era casado com Letícia, com quem teve três filhos, Maria Cristina Lacerda, Sergio Lacerda e Sebastião Lacerda.

* com edição de Matilde Silveira
Oratória. Lacerda, governador da Guanabara de 1960 a 1965, é aclamado em São Paulo na inauguração do Banco do Estado da Guanabara
Oratória. Lacerda, governador da Guanabara de 1960 a 1965, é aclamado em São Paulo na inauguração do Banco do Estado da Guanabara 14/04/1964 / Agência O Globo


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