Relatos de executivos e ex-executivos da JBS e Odebrecht
mostram que ‘elite’ de partidos recebeu até R$ 1,2 bilhão
em propina ou caixa 1
Entre as centenas de políticos envolvidos nos processos da Operação Lava Jato há uma “elite” de 42 nomes que apareceram nas duas maiores delações reveladas pela Justiça até agora: as da Odebrecht e da JBS. Na lista dos citados por sócios e executivos tanto da empreiteira quanto do conglomerado do setor de carnes estão o presidente Michel Temer e seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de ministros, ex-ministros, governadores e ex-governadores, entre outros.
Os integrantes desse clube de elite teriam recebido, em conjunto, cerca de R$ 1,2 bilhãoem propinas e contribuições oficiais de campanha, segundo os depoimentos dos delatores. O dinheiro teria sido usado pelas empresas para comprar influência ou como contrapartida por benesses recebidas do setor público.
No ranking dos valores recebidos, quem se destaca é o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, mencionado nas duas delações como intermediário de doações em caixa 2 para campanhas eleitorais do PT e influente para intermediar operações com fundos de pensão e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Os depoimentos em que Mantega é citado o relacionam a quase R$ 450 milhões em repasses. Nessa conta estão incluídos os US$ 150 milhões – convertidos em reais pela cotação da época – que o ex-ministro teria operado em nome de Lula e Dilma em contas no exterior, de acordo com o relato de Joesley Batista, um dos donos da JBS.
O nome de Mantega também apareceu envolvido em supostos crimes no relato de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da maior empreiteira do País. Segundo ele, o ex-ministro “azeitou” um esquema para garantir que a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, aprovasse a compra de uma torre comercial e shopping center em São Paulo da Odebrecht Realizações. O negócio foi fechado em 2012. Em resposta, Mantega disse que a delação de Odebrecht é uma peça de ficção.
Rio e Minas. O segundo nome de maior destaque nas delações, em termos de valores implicados, é o do ex-governador do Rio Sergio Cabral (PMDB). Ele teria recebido cerca de R$ 125 milhões, sendo R$ 98 milhões da Odebrecht.
A seguir, com cerca de R$ 96 milhões associados a seu nome, aparece o tucano Aécio Neves, senador afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão das investigações sobre a JBS, ex-governador de Minas e ex-candidato a presidente. Com base nos depoimentos dos executivos da Odebrecht, foram abertos cinco inquéritos no STF para investigá-lo – o que o tornou recordista em investigações ao lado do senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Na delação da JBS, Aécio é citado em pagamentos de propina disfarçados em operações imobiliárias e de compra de espaço publicitário. O tucano também aparece em uma gravação, feita por Joesley, na qual pediu R$ 2 milhões para pagar sua defesa em processos da Lava Jato. Ao acertar os detalhes de quem buscaria o dinheiro, o senador afirma: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”. A seguir, indica um primo para fazer a coleta dos recursos.
Atual ocupante da cadeira presidencial, Temer é o personagem de maior peso político a aparecer nas delações. Dois episódios citados nas duas delações tiveram como palco o Palácio do Jaburu, residência oficial dos vice-presidentes. O primeiro foi um jantar no qual Marcelo Odebrecht teria acertado apoio financeiro ao PMDB nas eleições de 2014. O segundo, em março deste ano, foi o diálogo entre Temer e Joesley, gravado pelo empresário, e que mergulhou o governo em sua maior crise.
Defesa. Em nota ao Estado, o Palácio do Planalto informou que presidente Michel Temer já esclareceu que sua relação com as empresas Odebrecht e JBS foi “sempre institucional”. “As eventuais doações de campanha feitas por esses grupos ao PMDB ocorreram de forma oficial e foram declaradas à Justiça”, diz o texto.
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que sua vida já foi devassada pela Operação Lava Jato com quebra de sigilos bancário, fiscal e contábil e nenhum valor ilícito foi encontrado, evidenciando que o petista é inocente.
“Sua inocência também foi confirmada pelo depoimento de mais de uma centena de testemunhas já ouvidas – com o compromisso de dizer a verdade – que jamais confirmaram qualquer acusação contra o ex-presidente.” Sobre as afirmações de Joesley Batista, a defesa afirma que “não decorrem de qualquer contato com o ex-presidente, mas sim de supostos diálogos com terceiros, que nem sequer foram comprovados”.
A presidente cassada Dilma Rousseff afirma, por meio de sua assessoria, que “jamais tratou ou solicitou de qualquer empresário, nem de terceiros doações, pagamentos ou financiamentos ilegais para as campanhas eleitorais, tanto em 2010 quanto em 2014, fosse para si ou quaisquer outros candidatos”.
A assessoria do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) não atendeu aos contatos da reportagem. Em vídeo divulgado nas redes sociais nesta semana, o tucano afirmou: “não fiz dinheiro na vida pública”.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) chamou de “mentirosos” os diálogos relatados pelo delator da JBS e afirmou que, ao contrário do que afirmam delatores da Odebrecht, “não participou de negociações sobre emendas legislativas para favorecer empresas públicas ou privadas. E não autorizou o uso do seu nome em supostas negociações”.
Os demais citados negam as acusações. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do ex-ministro Guido Mantega.