segunda-feira, 29 de maio de 2017

"Estancando a sangria da Lava Jato", por Helio Telho Corrêa Filho


Procurador da República Hélio Telho. Foto: Ministério Público Federal

O Estado de São Paulo

A boa notícia é que a Operação Lava Jato, mais do que desnudar outrora inimagináveis esquemas de corrupção, destruiu algumas das maiores organizações criminosas que sugaram bilhões de reais do dinheiro pago a duras penas por você, contribuinte brasileiro. A má notícia é que a Lava Jato só arranhou a superfície do crime do colarinho branco organizado, atingindo apenas a ponta do iceberg.
A principal arma que os procuradores da República da Lava Jato usaram para obter os expressivos resultados até agora exibidos foram os acordos de colaboração premiada. Esses acordos permitiram quebrar o elo de lealdade e o pacto de silêncio existente entre os bandidos do colarinho branco, que mantinham em pé os pilares dessas organizações criminosas, fazendo-as implodir.
A colaboração premiada funciona assim: dá-se a um dos membros da organização criminosa uma pena muito menor do que ele merece e receberia, ou até mesmo isenção total de pena. Em troca, ele fornece as informações e as provas necessárias para solapar as estruturas do crime organizado. Quem colabora primeiro, leva mais benefícios do que quem paga para ver. O recado da lei é: “quem chega na frente bebe água limpa”. Isso estimula uma corrida por delações, criando-se um ambiente de instabilidade e insegurança muito grande no seio das organizações criminosas, tornando mais fácil e rápida a sua destruição.
O que leva um criminoso a optar pela colaboração premiada é uma conjugação de fatores. O principal deles é a certeza de que seria rápida e severamente punido pelos crimes que cometeu. Não menos importante é a garantia de que se ele cumprir a sua parte do acordo, o sistema de Justiça cumprirá a parte dela.
Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou sua jurisprudência, para voltar a aceitar que o condenado em segunda instância iniciasse o cumprimento da pena de prisão sem que fosse necessário aguardar o trânsito em julgado da condenação, a possibilidade de rápida e severa punição se tornou um risco concreto, o que estimulou inúmeros membros de várias organizações criminosas a procurarem o Ministério Público Federal para oferecerem valiosa colaboração, capaz de implodi-las.
Rever essa jurisprudência, como propõe o ministro Gilmar Mendes, será uma grande derrota do país na guerra contra as organizações criminosas que continuam a sangrar os cofres públicos, porque dará ao criminoso do colarinho branco uma alternativa eventualmente mais vantajosa do que colaborar, que é a de recorrer indefinidamente, aproveitando-se das brechas do nosso generoso sistema recursal, da habilidade de seus advogados e do dinheiro que lhe permite financiar infindáveis batalhas judiciais.
Mas não é só. Não satisfeito, o ministro Gilmar Mendes quer ainda que o plenário do STF reveja a decisão do ministro Edson Fachin que homologou o acordo de colaboração premiada dos irmãos Batista, da JBS/Friboi. Muito além de corrigir os supostamente generosos benefícios concedidos aos referidos colaboradores, a iniciativa do ministro Gilmar Mendes será um golpe fatal no instituto da colaboração premiada, porque introduzirá na equação a variável da insegurança, da incerteza e da desconfiança. Afinal, ninguém em sã consciência confessará crimes graves, entregará caminhões de provas, com a promessa de que receberá benefícios legais em troca, se não tiver garantias de que receberá aquilo que lhe foi acordado e homologado.
A mensagem que o STF passará é a de que a homologação judicial do acordo de colaboração premiada não vale nada. Não garante coisa alguma. Daí em diante, o colaborador que confessar e entregar provas o fará por sua própria conta e risco, sem nenhuma garantia de que os benefícios que lhe foram prometidos em troca serão de fato entregues. O recado da lei já será outro: “deixe quieto. Fique na sua, que é melhor para você”. Assim, a colaboração premiada deixará de ser uma alternativa interessante para o membro da organização criminosa, que optará por manter o pacto de silêncio e deixar intacto o elo de lealdade que o une aos seus comparsas.
O resultado prático de ambas as propostas do ministro Gilmar Mendes será a morte e o enterro das possibilidades de se obter novos acordos de colaboração premiada, inclusive e principalmente no âmbito da Operação Lava Jato, e o desejo do ilustre senador gravado em conversa com um colaborador premiado, de estancar a sangria da Lava Jato, será enfim atendido.
Se quisermos nos livrar do iceberg todo, não podemos nos dar ao luxo de atirar o instituto da colaboração premiada na lata do lixo.
*Helio Telho Corrêa Filho, procurador da República e coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás