quarta-feira, 31 de maio de 2017

"Em defesa das instituições"

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, SÉRGIO FERRAZ E ADILSON ABREU DALLARI - Folha de São Paulo


Estamos vivendo horas de densa obscuridade moral, política, jurídica e institucional.

Das trevas morais e políticas nada é necessário aduzir ao que a realidade brasileira nos apresenta cotidianamente. Fixemo-nos, então, nas duas outras modalidades aqui referenciadas.

Pode parecer clichê ou lugar-comum, porém é esta a nossa constatação diária: instalou-se entre nós a invasiva vigilância de novas espécies do "Big Brother" orwelliano.

O direito à privacidade é reiteradamente desprezado pelo Ministério Público Federal. Afirme-se: não pretendemos arranhar, de leve sequer, as prerrogativas constitucionais e a independência funcional dessa nobre instituição.

Tão ampla gama de poderes deveria atrair a contrapartida da responsabilidade -o que, infelizmente, não tem sido observado pelo MPF, sobretudo por seu máximo dirigente, o procurador-geral da República.

Muitas vezes, é triste dizê-lo, tudo se dá com o aval do Judiciário, inclusive em suas mais altas instâncias. A ânsia pela pretensa exuberância de atuação suplanta valores básicos da democracia, como a presunção de inocência e o sigilo da fonte jornalística.

Testemunhamos, estarrecidos, uma sucessão de atos desataviados, exibicionistas e ruinosos, cujo desfecho, embora imprevisível, dificilmente deixará de ser funesto.

O chefe do Ministério Público, sem o cuidado mínimo de periciar uma gravação de péssima qualidade, pediu a abertura de inquérito contra um presidente da República. Na referida gravação, contudo, só se compreende uma ou outra palavra do presidente, inteiramente afastada de qualquer inserção num contexto lógico ou significativo.

O que é pior: nossa mais elevada corte, sem qualquer validação cabal de tão precária prova, acolheu o pedido ministerial.

Igualmente muito grave é o fato de a corporação máxima da advocacia, relevante canal da sociedade civil, defender, com surpreendente e inexplicável celeridade, o impeachment do presidente. E já anuncia, em desacordo à Constituição, a possibilidade de pugnar por nova eleição direta no caso de vacância do cargo.

Surpreende, ainda, que poderosa organização midiática passe a ecoar e a difundir pelo país, sem qualquer preocupação com os deletérios efeitos daí decorrentes, toda essa leviana atoarda.

Os signatários deste artigo não dispõem de poderio que se oponha a essa sinfonia disfuncional. Mas têm, sim, autoridade pessoal, social, acadêmica e institucional.
Com esses elementos, conclamam a cidadania à responsabilidade, ao patriotismo, à vigilância e à resistência ordeira contra desmandos e desleixos aqui apontados.

Proclamam que, tendo agora lançado veemente alerta, poderão sempre dizer, até o fim dos tempos, que presenciaram as aleivosias dardejadas e não esquecerão os nomes de seus perpetradores -para quem, por incrível que pareça, a ira contra o eventual e passageiro detentor do Poder Executivo justifica que ele seja afastado de seu posto, mesmo ao custo de mais instabilidade política e do retardo na recuperação da economia.

Que o bom senso e a interpretação não emocional da Constituição voltem a iluminar as mais altas autoridades do país, para o bem desta sofrida nação.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie. É presidente do Colégio dos Ex-Presidentes do Instituto dos Advogados de São Paulo
SÉRGIO FERRAZ, ex-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, é consultor jurídico
ADILSON ABREU DALLARI, professor titular de direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é membro da Associação Paulista de Direito Administrativo