quarta-feira, 31 de maio de 2017

STF julga regra do foro privilegiado e pode mandar parte da Lava-Jato para outros juízes


O plenário do Supremo Tribunal Federal - Jorge William / Agência O Globo/2-2-2017


Carolina Brígido e André de Souza - O Globo



O Supremo Tribunal Federal (STF) terá a chance de tomar uma decisão para diminuir consideravelmente o número de ações que abriga. Está marcado para esta quarta-feira o julgamento sobre o foro privilegiado. Ao menos seis dos onze ministros são favoráveis à restrição da regra. Se a mudança proposta for aprovada, pelo menos onze dos 76 inquéritos abertos no mês passado a partir da delação da Odebrecht deixarão o STF, diminuindo o tamanho da Lava-Jato na mais alta corte do país.

Levantamento feito pelo GLOBO mostra que, dos 76 inquéritos da Odebrecht, 27 tratam de políticos suspeitos de terem usado recursos de caixa dois. Desses, onze contêm indícios contra políticos que teriam cometido o crime entre 2010 e 2014, quando não tinham cargo que justificasse o julgamento no STF. Portanto, essas investigações tendem a descer para outras instâncias. Apenas 15 desses inquéritos ficariam no STF, se houver a mudança da regra do foro. Um dos inquéritos está sob sigilo e, portanto, não há informações disponíveis sobre a data do suposto crime.

Apesar de haver maioria pela restrição na regra do foro, há uma minoria no STF trabalhando nos bastidores para adiar essa decisão. No mês passado, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional sobre o foro, dando um recado claro à corte de que, se o Congresso Nacional está trabalhando no assunto, o ideal seria o Judiciário aguardar a decisão final dos parlamentares. A proposta ainda precisa ser submetida à Câmara.

A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, pautou o julgamento sobre a regra do foro depois que as delações da Odebrecht foram transformadas em inquéritos. Ela não deve tirar o caso de pauta. Mas há ministros se preparando para pedir vista quando o julgamento começar. Isso adiaria a decisão do STF e abriria espaço para o Congresso legislar sobre o assunto da forma que considerar mais adequada, no prazo que julgar necessário.

Com a transferência de foro de grande parte dos processos da Lava-Jato, o STF teria mais condições de examinar os casos remanescentes com maior cautela, sem correr o risco de ser atropelado pelo excesso de ações. Com muitos processos em apenas um foro, aumenta a chance de haver prescrição dos crimes antes mesmo do julgamento. Isso porque, segundo análise de ministros, se a mudança na regra do foro não for aprovada, o tribunal não estrutura para conduzir tantos processos penais em tempo hábil.

As regras de prescrição estão expressas no Código Penal. Por exemplo: quem responde a inquérito apenas por caixa dois, cuja pena é de até cinco anos de prisão, pode ser beneficiado pela prescrição 12 anos depois do fato. Esse prazo é reduzido à metade se o investigado tem mais de 70 anos.

A Constituição Federal define o STF como foro para processar e julgar as principais autoridades do país: senadores, deputados federais, ministros de Estado, ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e o presidente da República. No processo que será julgado, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu que o foro privilegiado seja aplicado apenas a autoridades que cometeram crimes durante o mandato, relativo ao cargo específico ocupado. Atualmente, o foro especial vale para qualquer crime atribuído a autoridades, independentemente de quando foi cometido e do tipo de crime praticado.

Há no STF 27 inquéritos contra políticos suspeitos de terem usado recursos de caixa dois, dos quais 15 devem permanecer no tribunal. Em dois casos, os supostos crimes ocorreram durante o exercício do atual mandato. Os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Vanessa Graziottin (PCdoB-AM), cujos mandatos são de oito anos, estão no cargo desde 2011. Os delatores da Odebrecht apontaram que houve uso de caixa dois na campanha de Cássio ao governo da Paraíba em 2014, e de Vanessa à prefeitura de Manaus em 2012.

Há ainda 13 inquéritos em que os investigados já ocupavam cargos com foro na época do suposto caixa dois, mas hoje estão em outro mandato. No grupo, estão 10 deputados reeleitos: Décio Lima (PT-SC), Celso Russomanno (PRB-SP), Jutahy Júnior (PSDB-BA), Marco Maia (PT-RS), Maria do Rosário (PT-RS), Nelson Pellegrino (PT-BA), Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Paulo Henrique Lustosa (PP-CE), Vander Loubet (PT-MS) e Vicentinho (PT-SP). Há ainda uma senadora reeleita: Kátia Abreu (PMDB-TO). Os crimes teriam ocorrido entre 2006 e 2014.

Completam a lista dois parlamentares que trocaram de cargo. A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) era deputada em 2010, quando teria ocorrido o crime de caixa dois. No mesmo ano, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) era senador.

Há ainda 11 inquéritos baseados na delação da Odebrecht em que os investigados supostamente cometeram o crime de caixa dois quando não tinham cargo que justificasse o julgamento no STF. Assim, essas investigações tendem a descer para outras instâncias. 

Estão na lista os deputados federais Antonio Brito (PSD-BA), Arthur Maia (PPS-BA), Cacá Leão (PP-BA), Daniel Vilela (PMDB-GO), João Paulo Papa (PSDB-SP), Mário Negromonte Júnior (PP-BA), Rodrigo Garcia (DEM-SP), os senadores Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Jorge Viana (PT-AC) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), e o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços Marcos Pereira (PRB).

Os supostos crimes cometidos por eles ocorreram entre 2010 e 2014, quando não ocupavam nenhum cargo, ou possuíam postos que não dão direito a julgamento no STF. 

Entre os cargos que eles exerciam na época estão: deputado estadual, prefeito, vice-governador e secretário estadual.

Por fim, há o inquérito contra o deputado Beto Mansur (PRB-SP), que está sob sigilo e sobre o qual há poucas informações. Ele é acusado de ter recebido caixa dois em razão da influência que exercia em Santos (SP), cidade da qual foi prefeito entre 1997 e 2004. Mas não há detalhes sobre quando teriam ocorrido os pagamentos não declarados à Justiça Eleitoral.