domingo, 28 de maio de 2017

"Rombo na Previdência é problema global; no Brasil, reforma patina", por Clóvis Rossi


Folha de São Paulo


O buraco na Previdência não é uma invenção do governo Michel Temer. É uma bomba de tempo global, exposta em números alarmantes por estudo do Fórum Econômico Mundial que acaba de ser divulgado.

O estudo não trata do Brasil e, sim, dos seis países que têm os maiores sistemas de aposentadoria do planeta (Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Holanda, Canadá e Austrália) e dos dois com as maiores populações (China e Índia).

O buraco nesses oito países chegaria, até 2050, a apocalípticos US$ 400 trilhões, "cinco vezes o tamanho atual da economia mundial", segundo o relatório do fórum.

Embora não faça parte do estudo, é óbvio que também no Brasil há um buraco que precisa ser coberto mais cedo do que tarde. É, talvez, a única coisa com a qual estão de acordo críticos e defensores da reforma proposta pelo governo Temer.

Vale, pois, examinar até que ponto as medidas sugeridas no estudo do fórum coincidem ou não com as que o Congresso está examinando.

A filosofia básica do estudo está completamente fora de cogitação no Brasil: garantir aposentadoria para cada pessoa equivalente a 70% de sua renda pré-aposentadoria. É coisa de outro planeta.

Uma das cinco prioridades elencadas, contudo, coincide com o projeto brasileiro (aumento da idade de aposentadoria). O estudo diz que "em países nos quais as futuras gerações terão expectativa de vida acima dos 100 anos, como EUA, Reino Unido, Canadá e Japão, uma idade de aposentadoria de ao menos 70 deveria ser a norma até 2050".

Não parece ser um despropósito, portanto, aumentar a idade no Brasil para algo em torno dos 65 anos.

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Mas a reforma brasileira patina, para dizer o mínimo, nas quatro seguintes prioridades apontadas pelo estudo.

1 – Tornar mais fácil poupar (para a aposentadoria). No Brasil, exceto para a classe média, poupar para qualquer finalidade é perto de inalcançável, considerados os baixos salários.

2 – Respaldar esforços para a alfabetização financeira, começando nas escolas e tendo como alvo grupos vulneráveis. O objetivo é aumentar a percepção da importância de poupar.

Vale a observação anterior: mesmo quem tem consciência da importância de poupar pode não ter como fazê-lo.

3 – Uma comunicação clara dos objetivos de cada pilar do sistema nacional de pensões e dos benefícios que serão concedidos.

A ideia é fazer com que cada cidadão entenda o que pode esperar do sistema oficial e/ou outros, de forma a saber se e quanto precisa poupar ele próprio.
A reforma Temer ou falha claramente nessa comunicação ou a proposta é tão ruim que é melhor mesmo embaçá-la.

4 – Disponibilizar dados agregados e padronizados do sistema de aposentadoria para dar a cada cidadão um retrato completo de sua posição financeira.

O estudo cita a Dinamarca como modelo, mas aí a comparação seria covarde. Seja como for, o estudo do fórum é um bom roteiro para que, num futuro talvez próximo, se faça uma reforma mais definitiva e menos polêmica.