L.Adolfo - 28.out.2006/Folhapress | |
Ricardo Saud, o homem da mala da JBS, durante evento na cidade mineira de Uberaba em outubro de 2006 |
BELA MEGALE
CAMILA MATTOSO
MARINA DIAS
Folha de São Paulo
Aquele ano, de eleições majoritárias, foi um dos mais movimentados na carreira do lobista. Seu papel era operacionalizar os pagamentos da JBS a políticos, fossem por meio de doações eleitorais declaradas ou caixa dois.
Os donos do frigorífico temiam que Saud configurasse um arquivo vivo e viam nele um potencial delator.
CAMILA MATTOSO
MARINA DIAS
Folha de São Paulo
Sentado à mesa do restaurante Figueira da Vila, em Brasília, Ricardo Saud gostava de repetir que era o dono da maior bancada do Congresso. A políticos que ocupavam cadeiras ao seu redor, o lobista da J&F (dona da JBS, uma das maiores processadoras de carne do mundo) vangloriava-se que a maior bancada da Câmara e do Senado não era a do PMDB, PSDB ou PT. Era a dele.
Ao contrário de empresas como a Odebrecht, que autorizava vários funcionários a acertar pagamentos ilícitos com políticos, a J&F concentrava a função em um único personagem: Saud.
Com tanta responsabilidade e acesso ao poder, passou a ser chamado de "Ricardinho" e se tornou organizador de eventos para parlamentares regados a vinhos caros e carne Friboi, marca da JBS.
Um deles aconteceu em 2014 na casa do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Correligionários de Renan, os senadores Eduardo Braga (AM) e Vital do Rêgo (PB) também participaram da festa.
Aquele ano, de eleições majoritárias, foi um dos mais movimentados na carreira do lobista. Seu papel era operacionalizar os pagamentos da JBS a políticos, fossem por meio de doações eleitorais declaradas ou caixa dois.
Mas não era só isso.
Saud era também o responsável por levar os recados dos irmãos Joesley e Wesley Batista à cúpula dos partidos.
Uma das missões, dada em 2014, foi tentar convencer o presidente do PP, Ciro Nogueira, a mudar de lado, abandonando Dilma Rousseff (PT) para apoiar a chapa de Aécio Neves (PSDB) ao Palácio do Planalto.
Em um jantar às vésperas da convenção do PP, Saud entregou a Ciro um pedaço de papel em branco. Pediu para que o senador indicasse o valor que queria da JBS para apoiar o tucano. Ciro, que nega a história, recusou a oferta, segundo a Folha apurou.
SONHO MEU
O universo político sempre seduziu Saud. Nascido em Uberaba (MG), formou-se em Tecnologia em Gestão de Agronegócio, foi secretário de turismo e tentou se viabilizar como candidato a prefeito da cidade. Não deu certo.
Em 2011, trabalhou para chegar a Brasília. Indicado pelo PP, ocupou uma diretoria no Ministério da Agricultura, na gestão de Wagner Rossi (PMDB-SP), durante o governo de Dilma Rousseff.
Foi ele, inclusive, um dos protagonistas da demissão do ministro. Saud era ligado à empresa Ourofino, que emprestou um jatinho a Rossi. A companhia, porém, havia obtido autorização do ministério para comercializar uma vacina, passaporte para sua entrada num mercado que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano no Brasil.
O conflito de interesses derrubou Rossi e, consequentemente, Saud. A partir daí, passou a trabalhar com exclusividade para o grupo J&F.
No fim de 2015, porém, os políticos deram falta de Saud. Ele desapareceu de Brasília. Com os avanços da Operação Lava Jato, foi desligado da J&F e enviado para passar um tempo no exterior.
Os donos do frigorífico temiam que Saud configurasse um arquivo vivo e viam nele um potencial delator.
A volta do lobista, que foi readmitido no grupo, deu-se quando a empresa já avaliava fazer um acordo de delação com a Procuradoria.
A colaboração começou a ser estudada após a prisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em outubro de 2016. Joesley diz ter dado dinheiro à família do ex-presidente da Câmara com objetivo de evitar que este fizesse acusações contra a empresa relacionadas ao pagamento de propina para liberação de recursos.
Com a mudança, caiu por terra o sonho de Saud, que se filiou ao Solidariedade pouco antes de deixar o país para nova tentativa na política.
Sem chances de voltar a atuar em Brasília e com medo das consequências das revelações feitas por ele e seus chefes e donos da J&F, Joesley e Wesley Batista, Saud se programou para deixar o Brasil novamente.
Um mês depois de fechar o acordo de delação, que inclui ainda os chefes e outros quatro executivos (Valdir Boni, Francisco de Assis e Silva, Florisvaldo Oliveira e Demilton de Castro), Saud organizou seu casamento às pressas. No fim de tarde do dia 3 de maio, telefonou para a namorada e avisou que se casariam dali a três horas.
"Ponha o champanhe pra gelar igual você queria, que vamos fazer aí [em casa] às 21h. Só que é você quem vai ter que comprar". A conversa está nos áudios interceptados pela PF.
Casados, teriam facilidade para obter os vistos de permanência fora do Brasil. A comemoração foi discreta, diferente das fartas festas que fazia nos tempos de "Ricardinho".