| Juca Varella 5.out.2014/Folhapress | |
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| José Serra e o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, votam em 2014 |
IGOR GIELOW - Folha de São Paulo
A saída de José Serra do Itamaraty, pasta na qual operou mudança radical de orientação política, altera a composição de forças que disputam a candidatura a presidente pelo PSDB em 2018.
O novamente senador foi o primeiro entusiasta da adesão dos tucanos ao governo ainda interino de Michel Temer (PMDB), levando consigo o presidente da legenda, o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Antes adversários internos, ambos se uniram para fazer frente à crescente articulação do governador Geraldo Alckmin (SP) para postular à vaga de presidenciável pelo partido em 2018.
Alckmin manteve uma posição de distância segura do Planalto, acentuada com a saída de seu único nome do primeiro escalão, o agora ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Com a saída de Serra do governo, Aécio perde musculatura para repetir a candidatura de 2014, uma vez que, como chanceler, o tucano era figura de proa na amarração partidária entre PSDB e PMDB.
No Senado, Serra poderá ajudar a tocar a pauta econômica do governo, da qual ressentia estar afastado pelas várias tarefas do Itamaraty. Como disse um adversário, com a devida malícia, isso não necessariamente será bom para a equipe econômica de Henrique Meirelles e para o equilíbrio entre os aliados.
BALANÇO
Em seus nove meses de gestão, incluindo sob a interinidade de Temer até o impeachment de Dilma Rousseff em setembro, Serra deu um cavalo de pau na gestão da política externa brasileira.
Após 13 anos sob governo petistas e fortemente influenciada pela longa gestão de Celso Amorim (2003-2010), a pasta era ponta de lança das ambições internacionais de Luiz Inácio Lula da Silva e apoiadora de primeira hora dos regimes ideologicamente próximos ao PT.
Para seus defensores, o destaque externo obtido pelo Brasil naquele momento, surfando a onda econômica mundial favorável, provava o sucesso da empreitada.
A situação havia mudado sob Dilma, cujo desprezo pela política externa paradoxalmente devolveu pragmatismo ao controle do ministério. Além disso, a complexidade da realidade mundial pós-crise de 2008 reduziu a margem de exposição externa do Brasil.
Serra, logo de saída, reverteu a chave dos anos do PT. Comprou briga com todos os então parceiros da visão petista de diplomacia.
Primeiro, teve de lidar com países como a Bolívia, que acusaram o processo de impeachment de Dilma de ser um golpe. Depois, progressivamente convenceu aliados no Mercosul a isolar a Venezuela, cujo governo de Nicolás Maduro vive um conflito agônico com sua oposição no qual direitos civis estão longe de ser garantidos.
A Venezuela acabou tendo seus direitos suspensos no bloco comercial em dezembro. Para críticos, tanto no PT quanto dentro da diplomacia, Serra abandonou o princípio de isonomia tradicional do Itamaraty e o politizou com sinais trocados aos da gestão petista. Não conseguiu, simbolicamente, que seu indicado para o posto em Havana fosse sequer considerado pela ditadura comunista de Cuba.
Outra guinada importante foi o reforço na área de comércio exterior, com a absorção pelo Itamaraty de órgãos como a Apex (Agência de Promoção às Exportações) e a secretaria executiva da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Serra sempre deixou claro que via a diplomacia também como um braço da ação econômica do governo.
Em relação aos EUA sob Donald Trump, grande novidade da política mundial, Serra manteve uma posição de ceticismo. Primeiro, durante a campanha americana, disse que a eleição do republicano seria "um pesadelo". Depois, foi o primeiro chanceler latino-americano a criticar em nota a proposta do presidente já empossado de construir um muro na fronteira com o México.
Isso não o impediu de ter uma conversa que considerou boa com Rex Tillerson, secretário de Estado de Trump, na semana passada na Alemanha. Na mesma rodada de encontros, à margem da reunião do G20, foi convidado pela Rússia a visitar o país e discutir um reforço institucional dos Brics (grupo que reúne os dois países, China, Índia e África do Sul).
Seu sucessor terá de lidar com essas questões e definir se manterá o rumo serrista na política.
FUTURO
As mudanças, não consensuais dentro do ministério, e a intensa articulação política de Serra nos bastidores lhe valeram insinuações de que trabalhava visando a eleição de 2018.
Sua aliança tática com Aécio, contudo, indicava que o sonho da Presidência, que buscou nas campanhas de 2002 e 2010, estava em segundo plano por ora. No esquema atual, trabalharia por uma candidatura do mineiro e tentaria disputar o governo de São Paulo.
Isso esbarra duplamente em Alckmin, com quem sempre teve uma relação de desconfiança mútua. Primeiro, o governador quer ser presidenciável. Segundo, nenhum tucano será candidato ao Palácio dos Bandeirantes sem o beneplácito de Alckmin, salvo rupturas radicais, o que obrigaria novas composições ainda inauditas.
Todas essas maquinações estão sob a espada de Dâmocles personificada na Lava Jato. Aécio é o mais citado dos três grãos-tucanos na operação, Serra e Alckmin ganharam referências ainda a serem detalhadas por parte de delatores. Todos negam quaisquer irregularidades.
No caso do ex-chanceler, a acusação de que recebeu R$ 23 milhões da Odebrecht no exterior era considerada grave por aliados, não menos porque ele ocupava um posto de destaque na gestão Temer. Se viesse a ser denunciado, teria de licenciar-se do cargo, embora a usual demora dos trâmites da Procuradoria-Geral da República praticamente assegura que isso não aconteceria até o fim de 2018. Além disso, na bancada do Senado o impacto eventual de denúncias seria diluído até pelo fato de que boa parte de seus colegas está no mesmo barco, em situação mais complicada.
Há, por fim, a questão da saúde. Os últimos meses foram de constantes dores devido aos problemas de coluna. Mesmo os tradicionais e-mails disparados na madrugada pelo então ministro tiveram o fluxo reduzido, dado que a posição sentada lhe é muito incômoda. Aos 74 anos, Serra afirma que irá concentrar-se para curar o problema nos próximos meses.
