quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

"Russos repetem na Europa operação que ajudou Trump", editorial de O Globo

Ação de hackers e espiões eletrônicos e a divulgação de notícias falsas representam uma grave ameaça aos processos eleitorais da UE


Aconfirmação pelos órgãos de inteligência americanos de que agentes russos tentaram influenciar o resultado das eleições americanas provocou um acalorado debate nos EUA.

Donald Trump nega ter sido beneficiado pela ação do Kremlin e reage, ao seu estilo histriônico, atacando os mensageiros, ou seja, a comunidade de inteligência americana e a imprensa. Para ele, o assunto não passa de “choro de perdedor” e uma forma desonesta de rejeitar o resultado do pleito. E aliados republicanos no Congresso resistem a apoiar o pedido de uma investigação formal.

O presidente Vladimir Putin também refuta a acusação de ter patrocinado a ação de hackers, mas as evidências apontam para endereços obscuros em Moscou. Segundo investigações de agências como o FBI (a polícia federal americana), esses espiões invadiram as contas de e-mail de Hillary Clinton e assessores mais próximos. Também atuaram na proliferação de notícias falsas por meio de blogs, sites sensacionalistas e redes sociais, como Facebook e Twitter.

Enquanto as informações falsas mobilizaram esses portais eletrônicos desde o início do processo eleitoral, os dados sensíveis hackeados de computadores e celulares da candidata democrata e aliados foram divulgados em momentos estratégicos da campanha, especialmente a poucos dias da eleição, sem que houvesse tempo hábil para desmentidos ou esclarecimentos.

O problema não se restringe aos EUA. O governo russo foi acusado publicamente por autoridades europeias de agir da mesma forma, em apoio a líderes com posições convergentes com o estilo nacional-populista de Putin. Além de grave, a situação é urgente, já que este ano haverá eleições presidenciais em Alemanha, França e Holanda, países cruciais para o futuro da UE, e todos com fortes candidatos extremistas e eurocéticos. São políticos como a francesa Marine Le Pen, da Frente Nacional, que defendem o fim da UE em prol de uma ilusão nacional-populista.

Reportagem do “New York Times”, divulgada esta semana, revelou que já há uma onda de notícias falsas, algumas delas beirando o surrealismo, como, por exemplo, o apoio do governo sueco ao Estado Islâmico. A Comissão Europeia criou um grupo de especialistas — o East Stratcom — para lidar com “a presente campanha de desinformação da Rússia”. 

Em 16 meses, a equipe desmentiu 2.500 histórias, a maioria delas com links na Rússia.

A guerra de informações no campo político não é algo novo, mas o uso de meios eletrônicos e da internet por hackers e espiões potencializou seu efeito desestabilizador, como se viu nos EUA. Trata-se de uma tática em relação à qual a Rússia de Putin tem mostrado uma beligerante proficiência, favorecendo forças populistas que ameaçam a ordem democrática do Ocidente. É importante, portanto, criar mecanismos para neutralizar mais esta ameaça.