sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Por que os americanos estão menos interessados pelos filmes do Oscar?


Alberto E. Rodriguez/Getty Images
6.fev.2017 - Os 163 indicados ao Oscar 2017 reunidos para a tradicional foto de grupo depois de almoço no hotel Beverly HiltonImagem: Alberto E. Rodriguez/Getty Images


James Cimino
Colaboração para o UOL, em Los Angeles

Tente adivinhar quantos dos nove filmes indicados ao Oscar deste ano estão entre as dez maiores bilheterias de 2016? Acertou quem disse nenhum.
E se você pedir aos americanos para citarem pelo menos um título dos indicados ao prêmio da Academia, apenas quatro a cada dez pessoas saberá dizer, segundo uma pesquisa encomendada pela revista "The Hollywood Reporter" ao instituto National Research Group.
No mercado americano, o filme mais visto entre os indicados foi "Estrelas Além do Tempo", com uma bilheteria de US$ 145 milhões, na 18ª posição. O favorito ao prêmio de melhor filme, "La La Land", está em 20º, com US$ 135 milhões. Enquanto isso "Moonlight", o favorito da crítica, está em 102º, com meros US$ 20 milhões.
A sondagem foi feita em fevereiro deste ano e teve um recorte totalmente político: foram ouvidos 400 eleitores de Donald Trump e 400 eleitores de Hillary Clinton. A ideia era avaliar qual o grau de desconexão entre Hollywood e seu público, especialmente em uma temporada de premiações em que o discurso anti-Trump foi mais importante que os próprios vencedores.
Os dados revelam curiosidades como, por exemplo, apenas 26% dos republicanos pesquisados sabem que "La La Land" concorre a melhor filme, contra 39% dos democratas. Quando o filme questionado é "Moonlight", o índice cai para 16% de democratas e 9% de republicanos. O menos lembrado, no entanto, foi "A Qualquer Custo", esquecido por 95% dos integrantes dos dois grupos --um raro ponto de concordância.
E falando em discurso, a pesquisa revela ainda qual o comportamento de cada grupo quando um ator como Meryl Streep, no Globo de Ouro, ou Bryan Cranston, no SAG Awards, resolve falar da atual política americana. Dentre os simpatizantes do novo presidente, 66% afirmaram desligar a TV quando isso acontece, enquanto 43% dos defensores da ex-secretária de Estado gostam e ainda querem mais críticas a Donald Trump.

Drama é para a TV

Mas não é só a política e a bilheteria que indicam essa falta de harmonia entre público e artistas. É preciso analisar como, nos últimos anos, o hábito de ir ao cinema mudou. Quatro anos atrás, os diretores George Lucas e Steven Spielberg previram a "implosão" do mercado cinematográfico. Segundo eles, ir ao cinema se tornaria algo como ir a um musical da Broadway: um evento caro e que as pessoas só irão se for realmente um espetáculo visual.
É o que acontece hoje. A produtora da série "Legion", do canal FX, Lauren Shuler Donner, explicou que os estúdios atualmente investem apenas nas franquias e nas animações porque são elas que dão lucro. Para ela, histórias dramáticas vão muito melhor e dão muito mais retorno na TV. "Os filmes indicados ao Oscar são todos feitos por produtoras independentes", ela garante.
Não à toa, a Academia tem sido vista pelo grande público como "elitista". O apresentador do Oscar desse ano, Jimmy Kimmel, disse em entrevista à revista "Variety" que lamenta a falta de produções como "Deadpool" entre os indicados a melhores filmes.
Dono de um dos talk-shows de maior sucesso na rede ABC, Kimmel sabe do que está falando. A reportagem da "Variety" diz que, dentre os motivos pelos quais ele foi escolhido como apresentador da cerimônia está o fato de saber viralizar vídeos como ninguém. Ou seja, Kimmel está em sintonia com um público que a Academia parece querer conquistar --o público das redes sociais--, mas com o qual seus filmes têm pouco apelo.
Tanto é verdade que a sondagem da "Hollywood Reporter" trouxe um outro ponto de convergência entre os pesquisados: o filme mais assistido para 56% dos pró-Clinton e para 43% dos pró-Trump foi exatamente "Deadpool".

Trailers

O Google também fez um mapeamento das preferências cinematográficas com a mesma pegada política, mas desta vez usando dados geográficos e o número de visualizações de trailers no Youtube por filme.
"La La Land", "Manchester À Beira-Mar" e "A Chegada" foram muito melhor em redutos eleitorais de Hillary Clinton, como as costas Oeste e Leste --mesmo porque esses filmes têm como locações, respectivamente, Los Angeles, os estados da Nova Inglaterra e Oregon.
Já "Até o Último Homem", de Mel Gibson, que mistura temática de guerra e religião, foi muito melhor entre eleitores de Donald Trump em áreas das Montanhas Rochosas, no estado da Vírginia, onde o herói do filme nasceu, e nos estados de Wisconsin e Michigan. "A Qualquer Custo", cuja história acontece no Texas, foi muito bem naquele estado, além de Mississipi e Wyoming --todos deram vitória a Donald Trump.
E os filmes resposta à hashtag #OscarSoWhite, do ano passado, "Estrelas Além do Tempo", "Moonlight" e "Um Limite Entre Nós", obviamente foram muito bem em estados cuja população afro-americana é grande, como Carolina do Norte de Sul, Virgínia, Kansas, Nebraska e Illinois.
Mas o sucesso destes filmes não se restringiu apenas ao público negro. "Moonlight", por exemplo, foi muito bem, segundo a pesquisa do Google, nos estados do Nordeste americano, assim como "Um Limite Entre Nós".