quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

"Matéria putrefata", por Ruy Castro

Folha de São Paulo


Por que temos de pagar tal preço por tanta beleza? Há na avenida Atlântica, em Copacabana, na altura do Posto 5, entre as ruas Sá Ferreira e Souza Lima, uma construção que abriga uma estação elevatória de esgoto da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). Em dias quentes, como os deste verão, os gases provenientes da decomposição de matéria orgânica bombeada pela estação se desprendem e o mau cheiro toma aquela quadra da praia. É assim há 40 anos, motivo pelo qual o carioca, não é de hoje, apelidou essa construção de Monumento ao Cocô.

É como se o fedor fizesse parte da paisagem, tanto quanto os hotéis e restaurantes que povoam o quarteirão e, estranhamente, não parecem ter seu movimento afetado. Mas, um dia, em 2009, alguém se incomodou e prometeu acabar com o cheiro: o então governador Sérgio Cabral, em seu terceiro ano de mandato.

Cabral chamou os engenheiros, contratou estudos e anunciou os planos. Um sistema de controle iria encapsular os gases e encaminhá-los a um processo de lavagem química que passaria, primeiro, por um sistema alcalino, depois, por hipoclorito e, finalmente, pelo carvão ativado. Ao fim do trabalho, a elevatória estaria purificada e não só não cheiraria mais a cocô, como passaria a despejar essências de jasmim e eucalipto.

O trabalho começou e, de fato, a coisa melhorou. Eu próprio passei a respirar fundo diante do Monumento, celebrando a vitória do homem sobre o cocô. Mas, em pouco tempo, a fedentina voltou –discreta a princípio, depois, avassaladora. É como estamos até hoje.

É irônico. A fonte do mau cheiro é uma elevatória da Cedae —a mesma Cedae que agora precisou ser privatizada para ajudar a salvar o Estado do Rio da falência, provocada, entre outras, pela corrupção e pela matéria orgânica putrefata do governo de Sérgio Cabral.