quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"Brasil opta por cautela, mas velocidade de Trump obrigará tomada de posição", por Igor Gielow

Carlo Allegri - 25.ago.2016/Reuters
Stephen Bannon CEO of Republican presidential nominee Donald Trump's campaign is pictured during a round table with the Republican Leadership Initiative at Trump Tower in the Manhattan borough of New York, U.S., August 25, 2016. REUTERS/Carlo Allegri ORG XMIT: CRA109
Stephen Bannon, estrategista-chefe da Casa Branca, em foto de agosto, durante a campanha de Trump
Folha de São Paulo

O governo de Donald Trump tem pouquíssimos dias, mas já conseguiu entronizar uma guerra cultural que parece ecoar com anabolizantes as divisões estimuladas por Richard Nixon nos anos 1960 e 70.

Tal e qual o outro republicano na Casa Branca, Trump traz para o cargo que talvez mais responsabilidade exija no mundo um misto de fé cega em convicções contraditórias e personalismo voluntarista. Não parece restar meio-termo: é ame-o ou deixe-o (a alusão não é gratuita).

Num ambiente de volatilidade amplificada pela interconexão virtual do mundo, em duas semanas parece que os EUA se transformaram numa Alemanha de 1938. Menos, gente, menos.

Para começar, a ridícula ordem anti-imigração seletiva está sendo enfrentada na Justiça, e parece líquido que a Suprema Corte dará a palavra final. As famosas ordens executivas não são intocáveis, ao contrário. Se ao fim não houve juízes em Berlim, espera-se outra realidade em Washington.

Tão importante quanto, do ponto de vista dos famosos freios e contrapesos da democracia americana, é a reação interna a Trump.

Primeiro, a renúncia de funcionários importantes da cúpula diplomática do país. 

Depois, a resistência da interina do Departamento de Justiça a avalizar o banimento de imigrantes islâmicos. Ela foi demitida, mas sua voz foi ouvida. Por fim, considerando o país uma grande corporação, empresas de peso têm reclamado.

Aqui e ali gente mais séria fala de impeachment e outros mais sonhadores citam uma suposta incapacidade mental. O mercado que ganhou uma grana especulando com ideias de desregulamentação econômica de Trump agora faz mumunha -até porque alguém ganhará com isso também.

Isso tudo é suficiente para algum otimismo? Talvez, mas há uma pororoca de eventos alarmantes em curso.

O principal deles é a ascensão de Stephen Bannon, o hidrofóbico chefe de site de extrema-direita transformado em estrategista-chefe da Casa Branca. Nesta semana, ele foi elevado a membro seleto Comitê de Segurança Nacional, um grupo que define questões de estratégia militar e segurança interna.

Ele chegou dando ordens e suspendendo a gravação e transcrição dos encontros do comitê. Coisa boa não há de sair disso, como a possível reativação de centros de detenção e tortura da CIA indica.

Muito pior, ele pode querer fazer como o chefe e cumprir o que já disse: que é como Lênin, e busca a destruição de todo o "sistema".

A influência dele sobre o chefe é sugerida como enorme pela imprensa americana, dando aqui o desconto de que ele é o sujeito que a mandou "calar a boca", mas é soturno pensar como ele reagiria a uma crise que envolvesse a possibilidade de ação militar contra outro país.

E o Brasil com isso? Aturdido como o resto do mundo, o país fita o abismo que Trump cava em torno de si desde que tornou-se o presidente americano com um misto de horror e cautela.

Por motivos óbvios, o Itamaraty tem sido econômico nas palavras. Àqueles que esperam uma nota incendiária a cada passo que Trump dá, ficou a frustração de uma comedida demonstração de "preocupação" com o anúncio da construção do bizarro muro na fronteira mexicana.

Com o avanço do embate da questão imigratória, era de se esperar que o Brasil se manifestasse, pela afinidade natural com o tema (somos exportadores de imigrantes) e porque ele diz respeito à pedra fundamental dos direitos humanos. Ainda há tempo.

Claro que as viúvas do desastroso Brasil Grande da era Lula vão apontar "vira-latismo" ou algo do gênero. Mas a realidade é mais complexa: ainda é cedo para ser assertivo sem arriscar a defesa dos interesses brasileiros.

Se for para apostar, contudo, diria que a velocidade dos fatos vai tornar obrigatório um posicionamento mais assertivo. Ou enfrentar o abismo olhando de volta para o Brasil, para usar o clichê de Nietzsche.
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O Congresso elege nesta semana sua velha-nova direção. Com exceções de manual, como a eleição de Severino Cavalcanti na Câmara em 2005, esses pleitos costumam chegar à véspera com cartas bem marcadas.

No evento deste 2017, o denominador comum é a certeza entre todos os envolvidos de que qualquer resultado de composição de Mesas estará sub judice até que caia o sigilo da delação da Odebrecht.