segunda-feira, 29 de julho de 2019

Rebelião deixa ao menos 57 mortos em presídio no interior do Pará

Ao menos 57 presos morreram —sendo 16 decapitados— na manhã desta segunda-feira (29) no Centro de Recuperação Regional de Altamira, unidade prisional no sudoeste do Pará.
Esta é a segunda maior rebelião com mortos do ano. Em maio, uma sequência de ataques nos presídios do Amazonas deixou ao menos 55 mortos.
Segundo o Sistema Penitenciário do Pará (Susipe), a rebelião começou por volta das 7h, durante o café da manhã. 
O motivo do massacre é uma disputa entre duas facções criminosas pelo controle da unidade prisional de Altamira, segundo o governo do Pará. 
O Comando Classe A (CCA) é adversário da facção carioca Comando Vermelho (CV), quem vem se expandindo no Norte por meio de alianças regionais e da perda de poder na região do Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo do massacre do Ano Novo de 2017 nos presídios de Manaus.
Sempre de acordo com a versão oficial, membros do CCA colocaram fogo na cela de um pavilhão controlado pelo CV. A maioria das 57 mortes ocorreu por asfixia, e outros 16 internos foram decapitados.
"Foi um ato dirigido. Os presos chegaram a fazer dois agentes reféns, mas logo foram libertados, porque o objetivo era mostrar que se tratava de um acerto de contas entre as duas facções, e não um protesto ou rebelião dirigido ao sistema prisional", afirmou o superintendente do Susipe, Jarbas Vasconcelos, em nota à imprensa.
A PM conseguiu conter a rebelião e faz ao longo do dia uma vistoria para recontar os detentos e avaliar os danos à unidade.
O Centro de Recuperação Regional de Altamira já havia sido palco de uma rebelião em setembro do ano passado, que terminou com sete pessoas mortas.
Segundo o professor da pós-graduação em segurança pública da Universidade Federal do Pará Edson Ramos, os presídios "são barris de pólvora, devido a superlotação, número reduzido de agentes, bloqueio de celular falho".
Ainda assim, o sistema de inteligência da polícia têm conseguido coibir esse tipo de motim no estado, diz Ramos. "Eles têm mudado o horário de almoço, de visita, de transferência e separado os presos", afirma o professor, que é associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Casos como o desta segunda-feira, diz, "são fora da curva, de grupos rivais tentando disputar poder dentro do sistema carcerário, mostrando um ar de crueldade", afirma, em relação às decapitações.

PÉSSIMAS CONDIÇÕES

Relatório do CNJ mostrou que a unidade tem condições classificadas como "péssimas". Além de superlotada —343 cumpriam pena no local, mais que o dobro da sua capacidade, de 163 vagas—, inspeção do conselho detectou que "o quantitativo de agentes é reduzido frente ao número de internos custodiados".
O CNJ também constatou que a penitenciária não tem bloqueador de celulares, enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho ou salas de aula. 
O Pará, quarto estado mais violento do país, vem registrando o avanço das milícias, fenômeno que só encontra paralelo no Rio. 
Reportagem recente da Folha mostrou que em nenhum outro estado brasileiro organizações criminosas comandadas por policiais e ex-policiais estão tão organizadas, estruturadas e dominam áreas tão vastas. 
Segundo investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do estado, os milicianos dominam o transporte alternativo em várias regiões, a venda de gás em diferentes favelas, a oferta de serviços de TV a cabo, a venda e transporte de produtos contrabandeados e serviços de segurança. Além disso, controlam parcela considerável do tráfico de drogas local, rivalizando com as facções criminosas.

TRANSFERÊNCIA NEGADA

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No fim de maio, familiares de presos protestaram na frente da unidade com cartazes para pedir a transferência de integrantes de facções do local. 
 
As celas são divididas entre custodiados sentenciados, provisórios e internos em situação de conflitos de convivência, afirma a Susipe.
À época, a pasta negou as transferências e afirmou que estava "acompanhando em tempo real todo o movimento da massa carcerária".
Na manhã desta segunda, clima é de desespero das famílias que esperam por notícia.
Equipes das polícias Civil e Militar dão apoio aos agentes prisionais e aos peritos do IML, que atuam na contagem dos internos, e vistoria das celas. “Eu só quero a lista, só isso, eu só quero saber se meu marido tá vivo, só isso”, disse Rosângela da Costa, mãe de um preso.
Segundo familiares, eles receberam ligação de detentos e a justificativa foi que atearam fogo nas celas com a intenção de matar internos de uma facção rival.
Vasconcelos confirmou que irá até Altamira acompanhando uma equipe de segurança e carro com câmeras frias para fazer o transporte dos 57 corpos até à capital do estado, Belém, onde deverão passar por perícia no Instituto de Perícias Científicas Renato Chaves.

MASSACRE EM PRESÍDIOS

O caso de Altamira remete a 2017, quando uma sequência de ataques em unidades prisionais deixou 126 presos mortos no Amazonas, em Roraima e no Rio Grande do Norte.
No Ano Novo de 2017, Manaus protagonizou a morte de 59 detentos no Compaj —até então, o maior massacre de presos desde o Carandiru, em 1992.
Naquele mesmo ano, a crise prisional se estendeu para outros estados. Quatro dias depois da chacina nas unidades prisionais do Amazonas, 33 presos foram assassinados no maior presídio de Roraima, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.  
Também no início de 2017, um motim deixou pelo menos 26 mortos, decapitados ou carbonizados, na penitenciária de Alcaçuz, em Nísia Floresta, a maior do Rio Grande do Norte.

Folha de São Paulo