terça-feira, 30 de julho de 2019

"A investidura na Procuradoria-Geral da República", por Luciano Anderson de Souza

Luciano Anderson de Souza. FOTO: DIVULGAÇÃO
Como sabido, a Constituição de 1988 estabelece em seu art. 128 que o Ministério Público da União compreende, sem nível de hierarquização, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O § 1.º do mesmo dispositivo, a seu turno, fixa que o Ministério Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para período de dois anos, permitida a recondução.
Consoante o texto constitucional, nota-se, claramente, que a investidura do procurador-geral da República reveste-se de caráter político limitado, o qual envolve o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Neste influxo, o Presidente da República aponta o escolhido dentre aqueles indivíduos com idade mínima de trinta e cinco anos que pertencem a uma das quatro áreas, sendo sua seleção referendada ou não pelo Senado Federal, cuja apreciação é também exclusivamente política.
Diz-se que a escolha é política vez que não se cuida de um certame vinculado a estreitas balizas – como um concurso público -, sendo similar, por exemplo, à indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal. Natural, por conseguinte, que o chefe do Executivo aponte quadros aproximados à sua visão de mundo e às suas escolhas políticas. Não obstante, note-se, a designação não se reveste de mero capricho, devendo, dentre os pertencentes a uma das áreas da carreira ministerial, com já alguma experiência de vida, ser referendada pelo Legislativo. Por isso, a escolha política desvela-se limitada.
Ocorre que não faz parte dessa limitação a seleção de integrantes exclusivamente pertencentes ao Ministério Público Federal (MPF), por mais relevante que seja essa instituição. Primeiramente, porque não foi isso que estabeleceu a Carta, que expressamente se refere a todas as quatro áreas do Parquet, ampliando o leque de possibilidades. Desse modo, não revela qualquer sentido lógico uma interpretação enviesada do teor constitucional.
Demais disso, forçoso explicitar que o constituinte fez muito bem em não limitar a escolha a integrantes do MPF, o que não representa demérito algum para esse importante órgão. Fato é que as demais áreas possuem, somadas, mais agentes públicos, sem hierarquia inferior entre si, e com atribuições igualmente importantes na conformação republicana. Essa ponderação valorativa foi levada a efeito pelo constituinte, sabedor, por exemplo, que um integrante do Ministério Público Militar ou do Distrito Federal apura ilícitos tanto quanto um Procurador do MPF.
Ainda, a Constituição de 1988 não faz menção a listas, mormente tríplices, para seleção presidencial, muito menos limitada a integrantes de uma só das quatro áreas do Ministério Público da União. Aliás, contrariamente ao que se sinaliza para alguns, referidas listas não se denotam, por si mesmas, como um bom caminho de escolha. O procurador-geral da República não é líder sindical, escolhido pelas bases da categoria consoante critérios corporativos. Seu cargo é maior do que isso, motivo pelo qual sua definição, como afirmado, perpassa por ponderações políticas para um cargo altamente político. Por tudo isso, reitere-se, é natural e esperado que seja escolhido consoante as diretrizes do governante, crivadas pelo Legislativo.
Diante do exposto, conclui-se que nada obsta que o presidente da República possa investir, após confirmação legislativa, para procurador-geral da República qualquer procurador da União, seja do Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar ou do Distrito Federal, ignorando lista sugestiva de uma só dessas áreas, que se pretende imposta em nome de uma “tradição” recente ao arrepio da lei, apenas aparentemente democrática. Inclusive, democracia pressupõe alternância de poder.
Luciano Anderson de Souza, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)

O Estado de São Paulo