quarta-feira, 22 de maio de 2019

“O que mobilizou a rede e deu a vitória ao Bolsonaro foi a rejeição ao sistema apodrecido da política nacional", diz Graziano

Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo
O engenheiro agrônomo Xico Graziano, de 66 anos, que deixou o PSDB para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, sentiu na pele a ira dos grupos ligados ao escritor Olavo de Carvalho. Ao defender no Twitter a necessidade de o presidente negociar com o Congresso para aprovar a reforma da Previdência e outras medidas de impacto, Graziano virou alvo da “patrulha ideológica” virtual dos olavistas, que enxergam em qualquer composição política o velho “toma lá, dá cá”. Nesta entrevista ao Estado, ele critica o que chama de “seita direitista” e diz que, apesar dos ataques que sofreu, continua a apoiar o governo.
Em 2018, o senhor deixou o PSDB, apoiou o presidente Jair Bolsonaro nas eleições e foi cotado para ministro do Meio Ambiente. Mas, nos últimos dias, passou a fazer críticas a bolsonaristas nas redes sociais. O senhor se arrependeu do apoio a Bolsonaro?
Não estou arrependido de nada. A leitura não é essa. Estou procurando mostrar o meu desalinhamento de um grupo de radicais ligados ao escritor Olavo de Carvalho, que participou da campanha e está com Bolsonaro. Quis marcar uma posição porque começou a ficar uma coisa claramente fascista. A sensação é de que nós trocamos uma quadrilha vermelha por uma seita direitista, que está interessada em atacar o globalismo e em fazer uma revolução cultural ao contrário, para combater o que havia antes.
O que despertou a sua reação contra os olavistas?
Quando publiquei alguns comentários no Twitter defendendo a necessidade de o Bolsonaro fazer política, negociar, porque a arte da política é saber negociar, sem que isso signifique necessariamente corromper, levei um pau danado desses caras – e não aceitei a pancada que me deram. Eles falaram que não dava para negociar com esses políticos, que tinha de fechar o Congresso e o Supremo. Que negócio é esse? Na democracia, você tem de fortalecer os Poderes e não reduzi-los a pó. Eu sei muito bem quais são os defeitos dos Poderes, mas achei a reação exagerada. Como aprovar a reforma da Previdência e outras coisas sem negociar com o Congresso? Lá tem Centrão, PT, PSOL, PSDB, DEM. É assim mesmo. Agora, parece que estão querendo dar o troco na esquerda. O troco já foi dado, com a vitória contra tudo e contra todos na eleição.
O senhor considera que foi vítima de um “linchamento virtual”?
Não me senti linchado, mas fui xingado. Eles não serão capazes de me linchar, porque já apanhei muito na vida e estou escaldado. Esses linchamentos que acontecem nas redes são tão pouco expressivos do que pensa a opinião pública que não dá para perder muito tempo com isso. O que eles dizem para você? “Você não é da nossa seita.” Não sou mesmo. Sou contra as seitas. Odeio seitas políticas. O PT quis criar uma seita. Todo mundo era obrigado a achar isso ou aquilo. É preciso ter pensamento crítico, liberdade de opinião. Às vezes, o melhor a fazer é dar risada.
Qual sua opinião sobre o escritor Olavo de Carvalho e como vê a influência dele no governo?
Não entendo muito o Olavo de Carvalho. Confesso que nunca prestei atenção nele e em suas posições. Mas vejo que a influência dele sobre os filhos do Bolsonaro, o Carlos e o Eduardo, é muito grande. Com o presidente, nem tanto, pelo que posso observar. O Bolsonaro é o presidente da República, tem de liderar o País. Como é que lidera um País sem conversar, sem mostrar tolerância? As pessoas que querem ajudar têm de ir mais nessa linha. O PSL é uma confusão generalizada. Há pessoas neófitas em política que, em vez de aprender com quem ajudou a eleger Bolsonaro, ficam pegando no pé da gente, tacando pedras em mim. Depois de tudo o que fiz para ajudar o Bolsonaro ainda fico apanhando desses bobocas.
Várias personalidades que apoiaram Bolsonaro na campanha, como o músico Lobão, a deputada Janaína Paschoal, o empresário Flavio Rocha, o economista Rodrigo Constantino, e grupos como o MBL também têm criticado o radicalismo de Olavo e seus pupilos. Na sua visão, o radicalismo desse grupo está provocando um racha na direita?
Não sou entendido em direita. Juro. Fujo dessa armadilha de pensar como direita ou como esquerda. O Lobão, por exemplo, nunca foi um cara de direita. Eu nunca fui um cara de direita. Mas, como ele, apoiei o Bolsonaro, e ainda apoio. Existe um mundo maior do que direita e esquerda. O mundo contemporâneo não cabe mais nessas caixas. Tem outros valores que importam para mim e provavelmente para o Lobão. O (ex-presidente) Fernando Henrique fala que você pode ser de esquerda ou de direita, mas tem de ser decente. A questão é que tanto no Brasil quanto em outros países, os políticos perderam credibilidade. O mundo da política pegou fama de ser corrupto – e não foi à toa. Política virou negócio. Eu apoiei o Bolsonaro não por causa de esquerda ou de direita, mas porque não queria a volta do PT ao poder. Muita gente que votou nele não estava nem aí com o Olavo de Carvalho. Votou porque era a forma de derrotar o PT. O nosso sistema político está falido e o Bolsonaro ganhou a eleição por causa disso. Agora, não sei se ele será capaz de colocar outro sistema no lugar ou se vai ajudar a construir um novo sistema político que eu não sei qual é.
Nos anos 1980, o termo “patrulha ideológica” surgiu para designar grupos de esquerda que não aceitavam divergências. Hoje, o senhor acredita que ele poderia ser aplicado também à direita?
É patrulha, sem dúvida. Patrulha ideológica de sinal trocado. Agora, é um pessoal sem muita expressão. A gente se impressiona porque tem um pouco de força nas redes sociais. Mas por quanto essa direita “porra louca” foi responsável pela eleição do Bolsonaro? Uns 20%? Digamos que sim. Os outros 80% vieram de gente como eu, preocupada com segurança pública, que acredita que o capitão vai colocar ordem nisso aí. Não teve nada a ver com ideologia.
Ao usar as redes sociais o próprio presidente e seus filhos, parecem se dirigir principalmente ao grupo mais ideológico, ligado a Olavo de Carvalho. Eles próprios acabam alimentando isso. O presidente já atribuiu várias vezes sua vitória nas eleições a essa ação nas redes sociais, liderada em boa medida por esse grupo. Como o senhor vê essa questão?
Por esse grupo eu não sei, mas pelo Carlos Bolsonaro com certeza. Eu trabalho com a área digital, monitoro as redes, e acredito que o trabalho do Carlos foi fundamental para o Bolsonaro. Uns dois anos antes da eleição eu apresentei um relatório de rede para o Fernando Henrique e falei: “O Bolsonaro está caminhando para ganhar a eleição”. Ninguém acreditava nisso, ele não acreditou, porque era muito difícil de acontecer. Mas já dava para perceber um engajamento de um grupo de pessoas com a candidatura do Bolsonaro. Não pelo lado do anti-globalismo, dessas teses mais filosóficas da direita, mas pelo fato de ele ser um cara correto e que ia derrubar o sistema. Isso que engajou a rede. A rede não se engajou pelas teses da direita fascista, olavista, sei lá como é que chama esse negócio. Foi pelo fato de que “tem um cara que é capitão, que é deputado, que é contra tudo e contra todos e nós vamos derrubar todo mundo”. O que mobilizou a rede e deu a vitória ao Bolsonaro não foi o olavismo. Foi a rejeição ao sistema apodrecido da política nacional – e o Carlos foi um craque no comando das redes do pai. Digo isso como quem entende do assunto. Não estou falando do ponto de vista político, mas tecnicamente. Aí o Bolsonaro tomou posse como presidente da República, mas.não houve uma percepção clara de que a situação mudou. A operação de rede e tudo o mais tinha de ser um pouco diferente, porque ninguém lidera um País discutindo globalismo, fazendo guerra cultural. O povo precisa de emprego, a economia precisa virar. Aquela operação que foi montada se esgotou na própria eleição. Depois teria de ser montada uma nova estratégia para governo e até agora não vi isso acontecer.
De acordo com muitos analistas, as crises ocorridas nesses cinco meses de governo se devem principalmente à ação de Olavo de Carvalho e de seus pupilos. O senhor concorda?
Não acho que esse seja o problema. Acredito que se dá muito valor a isso. O problema maior é que o Bolsonaro ganhou a eleição sozinho, numa baita crise da economia. Imaginar que ele poderia botar tudo para funcionar em dois ou três meses não tem muita lógica. Você não tem dinheiro para executar o orçamento, há um monte de obra parada e o governo tem de fazer cortes de gastos e decidir como corta. Então, não estranho que o governo esteja devagar. Face às circunstâncias que levaram o Bolsonaro ao poder, ainda é muito cedo para avaliar o governo. Agora, se daqui a um ano as coisas não estiverem andando, você poderá dizer que o governo tem um problema de gestão. Tem muita gente nova no governo. O Bolsonaro não foi governador, prefeito. Boa parte da força do governo se deve ao núcleo militar. São estrategistas, que tem uma formação adequada. Aí, de repente, vem esse pessoal da seita atacando e querendo derrubar os militares, dizendo que são aliados dos comunistas. Isso é uma loucura. Não tem a menor lógica.
Na semana passada, um post republicado pelo presidente nas redes, sugerindo dificuldades que o governo estaria sofrendo em função da reação das corporações, deixou muita gente preocupada. Isso não foi algo significativo?
Acho que ele republicou uma coisa que estava todo mundo falando sobre ele. Não sei se foi uma coisa premeditada. Ouvi gente falando que ele fez isso para criar uma cortina de fumaça por causa das investigações relacionadas ao Flávio Bolsonaro. Achei uma elucubração exagerada. O que está escrito ali todo mundo sabe. O País está quase ingovernável. Tem gente dizendo que talvez o presidente da República não devesse dar vazão a isso ou que ele quis dar recado para alguém, para o (deputado) Rodrigo Maia (presidente da Câmara). Também disseram que era algo mais ou menos parecido com o que Jânio Quadros fez. É um exagero. O Jânio era um alcoólatra na Presidência da República, um louco total. Falava direito com o povo, mas e daí? Não pensava nada, não tinha propósito para o País. Você pode até criticar o Bolsonaro, mas ele tem propósito. Tem gente que não gosta dele por causa dos propósitos dele, porque ele é muito conservador, dar tiro em bandido, essas coisas. Mas não acho que ele seja doido.
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) fala que o presidente deveria amar os seus filhos, mas se afastar deles no governo e também do Olavo de Carvalho. O senhor acha que isso pode facilitar a vida do presidente no governo?
Primeiro, acho que a Janaína deveria tomar um chá de humildade. Faz bem. Ela me parece dar mais conselhos do que deveria, por arrogância. Agora, com essa história que a gente conhece dele com os filhos, como é que você vai dizer para separar? Não tem muita lógica isso. Eu converso com meus filhos. Não acho que é por aí. Ela está errando o foco. O problema é mais grave. Há uma questão difícil. O presidente precisa aprovar umas coisas no Congresso e isso não está acontecendo. O governo não está se relacionando bem com o Congresso. Então, não é assim. Nestes dias a Janaína disse que quem apoiou o Rodrigo Maia para presidência da Câmara foi o PSL e perguntou por que não lançou outro candidato. Ela saiu candidata à presidência da Assembleia Legislativa em São Paulo e teve quanto votos? Não adianta. Em política tem de fazer composição. Na Alemanha, no Brasil, no mundo inteiro. Acho muita ousadia dela dar esses conselhos para o presidente da República.
O senhor está otimista em relação aos próximos meses? Considerando tudo isso que a gente está falando, qual a sua expectativa?
Eu penso muito sobre isso. De tudo o que nós conversamos, é a pergunta mais difícil de responder. Cabeça fria, tirando todos os vieses, vai dar certo ou não vai dar certo e quando dá para saber? O pessoal está falando em impeachment, isso não tem cabimento. Não vai acontecer nada disso. Mas eu me foco na questão da gestão pública. Minha formação é essa. Fui político também, mas pouco importa. Fui um político irrelevante. Face às condições da vitória, vai demorar um pouco para engrenar. Acho que nós temos que ter uma tolerância com o presidente. Precisa dar um ano para o novo governo. Precisa acertar a educação, que está uma coisa que você não sabe o que vai acontecer. Não estou discutindo a ideologia de quem está lá. Precisa funcionar. O governo é eleito para governar. Quanto tempo vai levar para o governo começar a funcionar nas várias áreas? Acredito que temos de deixar caminhar mais um tempo ainda. Eu era otimista com a derrubada da quadrilha que tomou conta da política no Brasil, o PT e seus comparsas, todos indo para a cadeia. Conseguimos. O mais importante nós fizemos. Agora, o governo tem de funcionar. E o Bolsonaro acho que está passando pelo aprendizado de botar um governo para funcionar nas condições brasileiras, com orçamento superrestrito, com déficit fiscal até não sei quando, economia patinando. Eu tenho uma boa dose de tolerância com o governo por causa disso, pensando em dificuldades próprias de gestão.
O senhor não acha que o Congresso está querendo assumir o protagonismo?
Não, já estive no Congresso, com duas eleições para deputado federal. Acho que o Congresso tem de ter altivez, porque é um dos Poderes da República. O Congresso está querendo mostrar a sua força. Faz parte do jogo da República. Então, se você trata mal o Congresso, ele reage. Tem de tratar bem. Isso significa corrupção? Não. Agora, dar cargos para indicações políticas também não está errado. Quando fui secretário de Estado em São Paulo, duas vezes, eu nomeei pessoas indicadas por deputados. Não me arrependi de nenhuma. Pessoas ótimas, me ajudaram muito. Então, acho que o Congresso está querendo mostrar um pouco mais, dizendo “olha nós somos parceiros do poder”. E a tendência do governo, da forma como se elegeu, contra tudo e contra todos, assumiu uma postura do tipo “agora mando eu, vocês que se danem. Não dá certo. Já ganhou a eleição, já aconteceu a virada fundamental, agora para governar precisa encontrar os mecanismos corretos para fazer isso.  Nós temos um problema da Constituição de 1988. Nós criamos uma espécie de um monstro político: um governo presidencialista com um Congresso muito forte. Aí vem esse presidencialismo de coalização, de cooptação, de corrupção. No sistema parlamentarista é assim. O partido foi teu adversário e você negocia para ele compor o governo. O último país que fez isso foi a Alemanha, de forma até surpreendente, com duas forças antagônicas, a União Democrata Cristã e o Partido Social Democrata – e está funcionando.

José Fucs, O Estado de São Paulo