quinta-feira, 23 de maio de 2019

"Não darei recados para o presidente. Vou me oferecer para o diálogo", diz Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB




Neste mês, o arcebispo de Belo Horizonte, Walmor Oliveira de Azevedo, tornou-se o 13º presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A escolha, feita por cerca de 70% dos 296 bispos de todo país, deixou para trás o forte candidato ao cargo, o cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. Com doutorado em Teologia Bíblica, dom Walmor também integra duas congregações de peso no Vaticano – para as Igrejas Orientais e a da Doutrina da Fé. A eleição do arcebispo representa uma Igreja mais preocupada com a volta às raízes da fé do que com posições políticas, papel que calcou a história da CNBB.
O senhor é considerado um bispo de centro-esquerda. O que isso significa? Não sou de direita ou de esquerda nem de centro. Tampouco progressista ou conservador. A Igreja não pode se pautar em ideologias. Me autodefino como aquele que quer voltar às fontes do Evangelho. É dessa postura que vem o equilíbrio de que tanto precisamos nesses tempos de polarização. A polarização separa e isola.
A CNBB já teve influência política e social como poucas associações religiosas no Brasil. Ela não deve ter mais esse papel? A CNBB tem de se reaproximar do Evangelho. Voltar ao Evangelho é revestir-se de uma sabedoria que não vem de si mesmo, mas da sabedoria de Deus. Dessa forma passamos a compreender a vida de forma diferente: amando os inimigos, indo ao encontro daqueles que sofrem, sendo solidários, perdoando. Essa deve ser a essência da CNBB - não ser do partido A ou B. A CNBB não é um clube de amigos e tampouco uma ONG ou um partido. É a congregação de todos os bispos do Brasil com a força da Igreja. A força política da CNBB e da Igreja é ajudar a construir uma sociedade justa e fraterna.
O católico deve se afastar da política? Isso é outra coisa. Os fiéis precisam se envolver mais com a política. Mas sempre pautados pela moralidade inegociável e a serviço do outro.
Metade dos católicos votou em Jair Bolsonaro, um presidente que fez da liberação do porte de armas um dos principais motes de sua campanha. Não é paradoxal um católico usar uma arma? A arma, não só para o católico, mas para todos os cristãos, deve ser o amor. O cristão tem de pegar naquilo que promove a vida. O nosso caminho é o da paz, da construção de uma sociedade pacífica. Mas os católicos são livres para fazer escolhas. Precisamos olhar o contexto complexo da sociedade brasileira. O contexto atual mostrou nossas dificuldades políticas. Uma escolha feita, há um desafio enorme para dar um passo à frente.
É de praxe o novo presidente da CNBB se encontrar com o presidente da República logo após a eleição. Qual é a sua expectativa para esse encontro? Vamos nos encontrar muito em breve. Quero ouvi-lo e poder compartilhar com ele a força do Evangelho. Não darei recados. O que desejo de coração aberto é me oferecer para o diálogo. Isso é importante para todos os lados, mesmo que haja diferenças entre eles. Ninguém é dono da verdade. A verdade é Jesus Cristo. O exercício da Presidência, de um cargo público, independentemente da escolha religiosa, tem que ser baseado sempre na abertura ao diálogo e na moralidade. O objetivo tem que ser o bem do povo brasileiro.
Em sua opinião, o presidente é um bom representante da moralidade? Nenhum de nós representa a moralidade. A sociedade brasileira, incluindo os cristãos, tem mostrado vergonhosamente que, sob o ponto de vista moral, tem um longo e urgente caminho a percorrer. Todos nós temos de ser mais coerentes com a fé que professamos, o Deus ao qual nos referimos. Esse é o grande desafio. Somos todos pecadores. Temos que construir um caminho oferecendo o que temos de melhor. Ter opções diferentes e conflitos de escolhas faz parte de uma sociedade pluralista. Mas quando alguém diz que Deus está acima de tudo, está se comprometendo a colocar o amor, a justiça e a verdade acima de tudo.
Os institutos de pesquisa indicam que em 2032 o número de evangélicos irá superar o de católicos no país. A Igreja Católica errou? Não diria que a Igreja errou. Ela tem sido profundamente desafiada a ter novas respostas na complexidade e na rapidez das mudanças culturais da sociedade. A Igreja não pode se preocupar com números. Os números mostram muita coisa, claro. Mas o mais importante está além deles.
Por que o número de evangélicos tem crescido tanto? As estatísticas mostram o crescimento de evangélicos, mas também de grupos católicos. Acredito mais no trânsito religioso do que no crescimento em uma só religião.
A Igreja se afastou do fiel? Temos uma capilaridade, mantemos serviços sobretudo com os pobres e sofredores. Mas temos um desafio, como diz o papa Francisco, que é o de chegar às periferias espirituais e geográficas.

A Renovação Carismática foi um movimento que, apesar de ter arregimentado fiéis, não é vista com bons olhos por muitos na cúpula da Igreja. Qual é a sua opinião sobre eles? O caminho evangelizador da Igreja é encontrar nos movimentos eclesiais uma grande força. Eles congregam pessoas. Trata-se de uma grande força e todos são muito bem-vindos. Mas não podem ter uma conotação pessoal. Ou seja, quando a pessoa aparece mais que o Evangelho. Eles devem ser pautados nas raízes da fé e da tradição. A fé não deve ser confundida com sentimentalismos e isso vale para toda a Igreja. Os padres cantores, por exemplo, têm o desafio de não se tornarem meramente artistas. Se são evangelizadores, que o sejam. Que usem seus carismas e disposição e não tornem um projeto algo meramente pessoal. Temos de estar a serviço da Igreja.
Os discursos e as ações do papa Francisco têm causado polêmicas dentro e fora da Igreja como pouco se viu na história moderna da instituição. O que o senhor pensa disso? O papa é profundamente enraizado na riqueza inegociável da tradição da Igreja. A tradição é um patrimônio. No contexto atual de muitas mudanças, corremos sempre o risco de interpretações inadequadas. Ele inclusive. Não estamos num tempo monolítico. Mas num tempo de pluralidade, que contempla opiniões diversas. Portanto, o papa é atingido por isso. A Igreja tem uma reserva de fé e de princípios morais e éticos que são intocáveis. Não podemos negociar ponto algum. Não podemos falar de matrimônio de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, porque é um sacramento entre homem e mulher. Mas a Igreja é misericordiosa e não faz a acepção de pessoas. Não alimenta preconceitos.
O papa Francisco tem exposto e combatido duramente casos de abusos sexuais na Igreja. A Igreja brasileira tem seguido esse caminho? É importante lembrar que a porcentagem de crimes cometidos no clero é muito menor do que acontece na sociedade em geral, dentro das famílias, inclusive. Estamos fazendo um Vade mecum, sobre isso. Um passo a passo naquilo que é importante sobre as vítimas e no que compete à punição canônica e àquilo que a sociedade civil tem de fazer. Independentemente de qualquer coisa, a tolerância é zero.

Adriana Dias Lopes, Veja