quarta-feira, 1 de maio de 2019

Com falta de crianças, escola da Coreia do Sul matricula avós analfabetas

GANGJIN, COREIA DO SUL - Todas as manhãs, no caminho até a escola, a aluna do primeiro ano Hwang Wol-Geum viaja de ônibus com três parentes: um deles é do ensino infantil, outro está no terceiro ano e o mais velho está no quinto ano. A senhora Hwang tem 70 anos - e seus colegas são seus netos. Ela lembra de ter chorado quando viu as amigas indo para a escola seis décadas atrás. Enquanto outras aprendiam a ler, ela ficou em casa, cuidando da criação de porcos e dos irmãos mais novos.
Posteriormente, ela criou seis filhos, mandando todos para a escola. Mas sempre a entristeceu o fato de não poder fazer coisas que outras mães faziam. “O que eu mais sonhava era escrever cartas para meus filhos”, disse a sra. Hwang. Ela recebeu uma ajuda inesperada este ano.
Com as matrículas em baixa nas escolas rurais como a Escola Infantil Daegu, foram recrutados alunos mais velhos. Hwang Wol-geum, primeira à esquerda, nunca aprendeu a ler.
Com as matrículas em baixa nas escolas rurais como a Escola Infantil Daegu, 
foram recrutados alunos mais velhos. Hwang Wol-geum, primeira à esquerda, 
nunca aprendeu a ler. Foto: Chang W. Lee/The New York Times

A taxa de natalidade na Coreia do Sul vem caindo acentuadamente nas décadas mais recentes, ficando abaixo de um filho por mulher no ano passado. As regiões rurais são mais afetadas: os bebês se tornaram raros conforme os jovens casais migram em massa para as cidades em busca de empregos com salários melhores. A Escola Infantil Daegu, no distrito de Hwang, viu uma queda no número de alunos. Quando o filho mais novo dela, Chae Kyong-deok, 42 anos, frequentou a escola nos anos 1980, havia 90 alunos por ano. Agora, são apenas 22 alunos no total.
Este ano, a calamidade alcançou o distrito. “Procuramos nos vilarejos alguma criança para matricular no primeiro ano", disse a diretora Lee Ju-young. “Não encontramos nenhuma.” Assim, desesperados para salvar a escola de 96 anos, a diretora Lee e os moradores locais tiveram uma ideia: matricular os moradores mais velhos interessados em aprender a ler e escrever. Hwang e sete outras mulheres, com idades entre 56 e 80 anos, se interessaram.
Para os jovens que desejam permanecer na área, o futuro da sua cidade dependia da continuidade da escola. “Quem iria formar uma família aqui se não houvesse escola?” indagou Noh Soon-ah, 40 anos, cujo marido - um dos filhos de Hwang - largou o trabalho em uma cidade grande e se mudou para cá com a família cinco anos atrás para assumir a administração do negócio agrícola dos pais.
Hwang começou a frequentar as aulas em março. Como acontece com muitos alunos do primeiro ano em seu primeiro dia de escola, Hwang chorou. Mas, no caso dela, foram lágrimas de alegria. “Não podia acreditar no que estava acontecendo comigo", disse ela. “Sempre sonhei em andar com uma mochila escolar nas costas.”
O filho dela, Kyong-deok, celebrou a nova fase da mãe. “Ela se tornou uma pessoa muito mais feliz depois que começou a ir à escola. Está sempre sorrindo agora". Na sala de aula do primeiro ano, Hwang e duas outras avós acompanhavam as 14 consoantes e 10 vogais do alfabeto coreano enquanto a professora, Jo Yoon-Jeong, 24 anos, escrevia os caracteres um a um na lousa. 

Com o lápis na mão, elas anotaram as palavras de um ditado, como “tia", “pescador” e “guaxinim”, com sua caligrafia lenta e desajeitada. “Estão ansiosas para aprender”, disse a professora Jo. “Acho que são as únicas alunas que pedem mais lição de casa.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Choe Sang-Hun, The New York Times