quarta-feira, 22 de maio de 2019

"Absurdos de ativistas pelo aborto prejudicam a própria causa", por Vilma Gryzinski

Não vamos discutir aqui se, quando e como o aborto deve ou não ser permitido e legal. Este assunto complexo exige um espaço específico.
Vamos tratar das manifestações mais extremas que estão acontecendo nos Estados Unidos desde que o senado estadual do Alabama aprovou uma lei que restringe o aborto em todas as circunstâncias, incluindo as habituais e minoritárias exceções de estupro, incesto e vida da mãe.
Outros estados de população mais conservadora, como Georgia e Missouri, também estão limitando o aborto com projetos como o da “batida do coração”. A partir do momento em que pode ser ouvida no ultrassom, geralmente por volta das seis semanas de gestação, o feto fica protegido.
Atenção: são projetos aprovados pelos representantes eleitos pela maioria da população. Se exageraram, deixaram os eleitores insatisfeitos ou estão querendo aparecer, forçando um novo julgamento na Corte Suprema, cuja decisão de 1973 abriu caminho à legalização, serão punidos pelas urnas.
Tratamos aqui das manifestações em favor do aborto como um dos aspectos mais importantes da “guerra cultural”, a disputa entre esquerda e direita no campo do comportamento.
O assassino desequilibrado Scott Roeder, que matou o médico abortista George Tiller em 2009, prejudicou enormemente os ativistas contra o aborto, geralmente católicos ou de algumas igrejas evangélicas.
Diagnosticado com esquizofrenia e identificado com as alas mais extremas das milícias antigoverno, um fenômeno americano único, Roeder insuflou os pró-aborto a estender o rótulo de malucos defensores do “homicídio justificado” aos pacíficos manifestantes que rezam diante das clínicas onde o procedimento é realizado.
Agora, acontece o contrário. Mulheres agressivas gritam palavrões na cara de outras mulheres que são da ala pela vida (os abortistas também respondem ao rótulo mais positivo de pela escolha).
“P*** ignorante” e “Barbie pró-vida, vá se f****”, foram algumas das gentilezas gritadas para a diretora de uma organização antiaborto, que levava uma faixa e um sorriso beatífico durante a manifestação que reuniu cerca de 400 mulheres em Washignton.
Nessa manifestação, foi fotografada a militante Kristin Mink, que já teve direito até a artigo no Guardian quando viu o agora ex-secretário do Meio Ambiente, Scott Pruitt, num restaurante, e leu uma lista de reclamações. Kristin levava o filho no colo, como fez no novo protesto, alegando que o bebê só nasceu porque ela tinha feito um aborto anterior – uma maluquice total.
No Alabama, o deputado estadual John Rogers fez declarações inacreditáveis durante o debate da nova lei.
“Algumas crianças são indesejadas, então a gente mata elas agora ou deixa para matar depois”, disse ele. “Trazemos essas crianças ao mundo sem que sejam desejadas, sem amor, e acabamos por mandá-las à cadeira elétrica. Então, é matar agora ou matar mais tarde.”
Detalhe: 25 pessoas foram executadas em 2018 nos estados americanos onde persiste a pena de morte (duas por eletrocução, o resto por injeção letal). No mesmo período, foram registrados 842 855 abortos.
O deputado John Rogers possivelmente estava querendo enfatizar como a pena de morte é aplicada em proporção desigual a criminosos da minoria negra (24% dos executados em 2018, numa população total de 13%).
A desproporção é muito maior no caso da interrupção voluntária da gravidez: 36% dos abortos são praticados por mulheres negras.
A atriz Alyssa Milano entrou no mesmo pantanal ao dizer que a lei será “catastrófica” para “mulheres de cor, mulheres marginalizadas, mulheres de comunidades de baixa renda”, incapazes de viajar a um outro estado para conseguir “um atendimento reprodutivo seguro”.
O raciocínio contrário pode ser feito: quanto menos mulheres negras e pobres tiverem filhos, melhor (aliás, foi esse o princípio da criadora do Planned Parenthood, a maior rede de abortos dos Estados Unidos).
Alyssa é a autora da brilhante ideia de uma greve do sexo enquanto a lei antiaborto do Alabama não mudar. Ou seja, para ela vale o antifeminista conceito de que sexo é um favor que as mulheres fazem aos homens em troca de alguma coisa.
Mais doido ainda é o ator Jim Carey, um brilhante humorista que virou militante da própria insanidade. Quase diariamente ele posta cartuns com agressões físicas de extrema violência contra  Donald Trump.
Abriu uma exceção agora: fez um desenho em que a governadora do Alabama, Kay Ivey, professora e educadora de cabelos brancos e 74 anos, aparece como um feto sendo abortado.
O desenho é realista, com uma cânula de sucção começando a sugar o cérebro da governadora. “Se você vai interromper uma gravidez, deveria fazer isso antes que algum feto se torne governadora do Alabama”, escreveu o ator.
“Obrigada pelo retrato verdadeiramente preciso (e portanto horripilante) do aborto, seccionando o cérebro de uma pessoa porque ela é inconveniente para você”, respondeu Liz Wheeler, apresentadora do canal a cabo ultraconservador OAN.
Outro gol inacreditavelmente contra foi o de Brian Sims, deputado estadual da Pensilvânia. O deputado gay, como ele mesmo se apresenta, postou vários vídeos inacreditáveis. Num deles,  assedia e ofende uma senhora que reza um terço silenciosamente em frente a uma clínica de aborto. A mulher é chamada de “racista”, “nojenta” e “velha branca”.
Em outro vídeo, ele oferece 100 dólares a quem identificar as três adolescentes, acompanhadas pela mãe de duas delas, que também rezam na rua como ato contra o que ele chama de “direito constitucional” sem restrições ao aborto.
Brian Sims depois se desculpou não pelas agressões, mas por desrespeitar as orientações da Planned Parenthood e causar um efeito contrário: centenas de pessoas participaram de uma manifestação contra o aborto no local onde as adolescentes foram ofendidas.
Segundo pesquisa Gallup do ano passado, os próprios americanos que não se envolvem em manifestações contra ou a favor têm sentimentos contraditórios a respeito do aborto.
São 45% que querem a permanência da decisão da Suprema Corte no famoso caso Roe X Wade, permitindo que “a mulher e seus médicos” decidam até que o feto atinja o estado de viabilidade e capacidade de sentir dor , definido na época como seis meses de gestação.
Ao mesmo tempo, 60% acham que o aborto só deve ser permitido no primeiro trimestre. As “três exceções” – estupro, incesto, vida da mãe – têm o apoio de 80%.
É claro que a questão envolve inúmeras complexidades e contradições. Uma mulher que desiste de fazer um aborto por algum motivo pode transformar-se em mãe leoa para o resto da vida, da mesma maneira que uma que sonha com a maternidade pode interromper uma gestação com a pessoa errada ou no momento errado.
Poucas provavelmente vão celebrar com o governador de Nova York, Andrew Cuomo, que mandou acender uma iluminação cor-de-rosa no One World Trade Center para comemorar a aprovação de uma lei estadual que permite o aborto até o momento do parto.
E as que celebram não ajudam muito a própria causa.

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