O professor Rubens Figueiredo, bacharel e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), protagoniza esta semana a série Nêumanne Entrevista no blog, lamentando o protagonismo de Lula na atual campanha eleitoral. Para ele, “um cidadão que não pode disputar a eleição não poderia, por consequência, dar apoio a ninguém. Está impedido por lei de disputar a eleição, preso, mas aparece nas rádios e TVs o dia inteiro e tem grandes chances de eleger um apaniguado? Qual a lógica disso?”. Em relação a Jair Bolsonaro, do PSL, o “anti-Lula” da eleição, comentou que seus eleitores “não suportam a incompetência e a corrupção da esquerda, o governo dos amigos, têm ojeriza aos rios de dinheiro canalizados para sindicatos e ONGs, rejeitam a apologia da diversidade, a exaltação dos direitos humanos, as cotas à frente do mérito, o elogio às famílias que não são formadas por heterossexuais, e por aí vai. O discurso de Bolsonaro cala fundo ao heterossexual, empregado, pai de família, batalhador e que não aguenta mais a violência. Por isso sua popularidade”. O especialista em marketing político também diagnosticou a crise profunda pela qual passa o Brasil como resultado do esgotamento de duas agendas. Uma, a do modelo social-democrata, para ele, “se materializa no generosíssimo volume de benefícios sociais inscritos na Constituição de 88. Esse modelo não para em pé”. A outra é a intervencionista-desenvolvimentista, que, segundo ele, “fracassou miseravelmente”. Pois, esclareceu, “gerou desajustes na economia que levaremos anos para ajustar.”
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em Ciência Política pela mesma instituição, Rubens Figueiredo é diretor do Cepac – Pesquisa e Comunicação S/C Ltda. É ainda consultor da Fundação Espaço Democrático e integrante de Coselhos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). É autor, coautor e organizador de vários livros, como Junho de 2013: A sociedade enfrenta o Estado, Para onde vamos? – Política, economia, segurança pública e relações internacionais no mundo contemporâneo, Cidades nota 10 – Vida inteligente na administração pública brasileira , Marketing político em tempos modernos, Empresariado Brasileiro – Política, Economia e Sociedade, A era FHC: um balanço, O que é opinião pública, entre outros. Integrou o Conselho de Comunicação do presidente Michel Temer e a consultoria da presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Proferiu palestras sobre pesquisas, administração pública, marketing político e eleições na Alemanha, na Argentina, no Chile, na Espanha, na França, no México, em Moçambique, no Peru e na Venezuela. Escreveu, em parceria com Fernando Henrique Cardoso, o paper Reconciling capitalists with democracy: the Brazilian Case, apresentado em Seminário Internacional na Itália.
Nêumanne entrevista Rubens Figueiredo
Nêumanne – Quando começou o último verão, a ruidosa revolta da sociedade civil brasileira parecia indicar uma eleição sui generis, em que um novo presidente e um Congresso renovado no tom da indignação popular mudariam tudo o que está aí. Mas as organizações partidárias logo mostraram que havia ainda um longo percurso até chegar ao ponto desejado e a campanha eleitoral passou a ser dominada pela sensação de que nada de novo haveria no front. Que efeitos esse pessimismo terá sobre o pleito?
Rubens – O eleitor brasileiro está mal-humorado, impaciente, azedo. E com razão. Para não ir muito longe, tivemos as manifestações de profunda insatisfação de junho de 2013, a eleição polarizada de 2014, na qual Dilma prometeu fartura e entregou arrocho, o tsunami do governo Dilma e sua “nova matriz econômica”, a maior crise econômica da nossa História, 13 milhões de desempregados, a Lava Jato…É muita decepção, muita frustração. Uma atrás da outra. O eleitor sente-se esquecido, enganado. O brasileiro está desempregado, tem dificuldade de alimentar sua família e vê na televisão R$ 51 milhões em caixas no apartamento do Geddel. Ninguém aguenta. Por isso a credibilidade das instituições políticas – Presidência, Congresso, partidos, eleições – nunca foi tão baixa.
Esse pessimismo gera uma inclinação pelos discursos que têm o menor custo cognitivo. A mensagem tem de ser simples, direta. A opinião pública quer candidatos que prometam resolver os problemas com rapidez, sem necessitar dizer de que maneira. Neste contexto, temos duas propostas que repercutem fortemente no eleitorado. Primeira, vamos voltar a consumir e a ser felizes votando no candidato do Lula, que vai fazer o Estado (falido) desenvolver a economia. Segunda: chega de “mimimi”. Família é homem com mulher, bandido é na bala e vamos liberalizar a economia. Neste contexto, o centro, que tem propostas mais elaboradas e factíveis, não empolga. A qualidade do debate despencou.
N – Assim que o carnaval acabou, o líder popular mais amado e odiado do País, Lula, foi condenado em segunda instância e passou a cumprir pena na “cela de estado-maior” na sede da Polícia Federal em Curitiba, e esses fatos tiveram importância capital na luta política que se iniciou em abril, mas nada indica que terminará depois do segundo turno da eleição. Que consequências o senhor espera das batalhas, que não se travaram nas ruas, como se esperava antes, mas, sim, nas redes sociais e nas escaramuças da política tradicional?
R – Precisamos serenar os ânimos. Se as candidaturas continuarem enxergando o adversário como inimigo a ser aniquilado, não chegaremos a lugar nenhum. A campanha parece o Ultimate Fighting Championship (UFC). Em algum momento, teremos de baixar a bola.
Estou preocupado com o futuro da nossa democracia. Ela é uma construção complexa, que nada tem de “natural”. Deixada à sua própria sorte, a tendência é que predominem os interesses de grupos, famílias, etc. Conseguimos nossa transição a duras penas, não é razoável jogar tudo fora.
Vejo os principais candidatos desdenhando daquilo que a democracia tem de mais nobre e generoso. Põe-se em dúvida, por exemplo, a lisura da Justiça na prisão de Lula. Ora, nenhum preso teve tanta oportunidade de se explicar, tantos advogados, tantos recursos. Dizer que Lula está preso injustamente é uma insanidade.
Por outro lado, põem sob suspeição a própria eleição. Fala-se em controle social da mídia. Justiça, eleição, mídia… Estão desrespeitando o que é preciso respeitar. Não é por acaso que a adesão aos princípios democráticos vem caindo. Alguns estudiosos falam até na desconsolidação democrática.
Rubens com os sogros, o político Celso Giglio e sua esposa, dona Glória. Foto: Acervo pessoal.N – O senhor acha que campanhas que pareciam falar mais alto do que a disputa pelo voto – tais como “eleição sem Lula é fraude” ou, principalmente, “Lula livre” – e terminaram sendo sufocadas pela palavra de ordem da batalha ideológica – “#elenao” – voltarão à tona e tomarão o palco político depois do segundo turno da eleição, seja qual for o resultado?
R – São temas que não têm nada que ver com as necessidades do País. O Brasil passa por uma crise profunda, que envolve o esgotamento de duas agendas. Primeiro, a agenda da transição, do modelo social-democrata, que se materializa no generosíssimo volume de benefícios sociais inscritos na Constituição de 88. Saúde para todos, educação para todos, Previdência que não se sustenta. Esse modelo não para em pé.
A segunda agenda que se esgotou é a intervencionista-desenvolvimentista. Esse modelo fracassou miseravelmente. A intervenção estatal desastrada – quase sempre o é – gerou desajustes na economia que levaremos anos para ajustar. A intervenção no setor elétrico, por exemplo, foi catastrófica, a Petrobrás quase entra em falência e o déficit fiscal do final do governo Dilma foi, simplesmente, o maior da História.
Essas questões de fundo não são discutidas. “Lula livre” é apostar na anomia: não tem mais lei ou, pior, a lei deve ser observada de acordo com a força política do meliante. A sociedade não está votando naquilo que considera a melhor opção, mas sim naquele que representa o impedimento da opção inaceitável. Esse modelo é péssimo.
Não tem como saber se a batalha ideológica vai voltar ou não. A sensação que eu tenho é de que o brasileiro está exausto, cansado. A credibilidade das instituições políticas, como disse, está no fundo do poço e a crise econômica é gravíssima, mas ninguém saiu à rua para protestar no passado recente. Insatisfação com fadiga social normalmente não gera mobilização.
N –Dois fenômenos tornam esta eleição diferente de todas quantas houve antes. O primeiro deles é a presença de um presidiário na propaganda dos partidos no rádio e na televisão. A figura esdrúxula de um condenado protagonizando a disputa, a seu ver, fragilizaria ou fortaleceria a autoridade da Justiça Eleitoral, claramente desafiada, e a consistência das instituições do Estado de Direito?
R – É realmente inusitado. O maior protagonista da campanha está preso. É evidente que lei precisa ser revista. Um cidadão que não pode disputar a eleição não poderia, por consequência, dar apoio a ninguém. Está impedido por lei de disputar a eleição, preso, mas aparece nas rádios e TVs o dia inteiro e tem grandes chances de eleger um apaniguado? Qual a lógica disso? Nas cidades do Nordeste, as pessoas acham que Lula é candidato, que o “Andrade” é filho dele, etc. Estão comprando gato por lebre.
Outro aspecto particular desta campanha é que o governo não tem um candidato forte. Nas eleições mais recentes, a situação sempre foi um player. Agora, ninguém quer ser identificado com o governo – e isso ajuda a gerar a polarização. Empolga o eleitorado quem se mostra maior opositor de Temer, à direita e à esquerda. Nesse sentido é uma eleição parecida com a de 1989.
N – O outro fenômeno foi a vertiginosa ascensão de um deputado do baixíssimo clero, oficial reformado do Exército nacional de patente média, com ausência no noticiário político quase absoluta e carregando esperanças dos nostálgicos da ditadura militar e outros aventureiros, empolgando a mesma camada de indignados que assomaram à cena da disputa política no verão, invadiram o inverno e estão em plena ebulição na entrada da primavera. Será que isso tem que ver com o fato de o deputado Jair Bolsonaro, do PSL, ser o único candidato anti-Lula e anti-PT, entre os 13 candidatos a presidente?
R – Bolsonaro representa uma ideia que ganha ressonância em sociedades mal-humoradas e impacientes. Não são apenas os nostálgicos do regime militar, que quantitativamente são poucos. São também aqueles que não suportam a incompetência e a corrupção da esquerda, o governo dos amigos, têm ojeriza aos rios de dinheiros canalizados para sindicatos e ONGs, rejeitam a apologia da diversidade, a exaltação dos direitos humanos, as cotas à frente do mérito, o elogio às famílias que não são formadas por heterossexuais, e por aí vai. O discurso de Bolsonaro cala fundo ao heterosexual, empregado, pai de família, batalhador e que não aguenta mais a violência. Por isso sua popularidade.
N – De que serviu a adesão do chamado “Centrão”, que garantiu tempo recorde na propaganda do rádio e da televisão e mais capilaridade partidária no território nacional, somando-se à do próprio partido do candidato, o PSDB, ao ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que, a pouco mais de uma semana do primeiro turno não alcançou ainda o segundo dígito na última pesquisa divulgada?
R – Serviu para dar 40% do tempo na propaganda eleitoral ao candidato da coligação, Geraldo Alckmin, e, teoricamente, “palanques” em candidaturas fortes nos Estados. Agora, tempo sem discurso e com a estratégia errada não adianta. A pior coisa que pode acontecer numa campanha eleitoral é você comunicar bem uma estratégia errada. O PSDB pensou: vamos atacar o Bolsonaro, aumentar sua rejeição. Como os eleitores do candidato do PSL têm um perfil semelhante ao eleitor tucano – moradores dos grandes centros, mais escolaridade e renda -, acreditava-se que os ataques levariam os bolsonaristas a votar no Alckmin. Errado. Com essa estratégia e como a comunicação é boa, aumentou expressivamente a rejeição ao Bolsonaro, quase inviabilizando sua eleição no segundo turno, mas não trouxe o voto para Alckmin. Estão entregando o País ao PT de novo.
Rubens no casamento com Isabela Giglio. Foto: Acervo pessoal
N – Como cientista político, que reflexão o senhor tem a propor a respeito do tema do marketing negativo, que está sendo testado no primeiro turno desta eleição, com destaque para dois candidatos que parecem estar saindo do jogo – Geraldo Alckmin, do PSDB, e Ciro Gomes, do PDT – sem terem conseguido baixar o índice de preferência do adversário favorito, Bolsonaro, nem conquistar pontos significativos para alcançar o turno da decisão final da eleição?
R – É um fenômeno que precisa ser mais bem analisado. Existem estudos que mostram a eficiência desse tipo de campanha. Em 2014, um comercial bem encaixado – aquele que associava a independência do Banco Central ao desaparecimento da comida na mesa dos pobres – tirou Marina Silva do segundo turno. Então trata-se de uma estratégia que, em determinados contextos, funciona, e funciona bem.
Uma coisa é certa: com os ataques na TV, a rejeição ao Bolsonaro cresceu mais do que seus índices de intenção de voto. Como Bolsonaro é um personagem polêmico, tem cerca de 30% de eleitores que o idolatram e outros 45% que o rejeitam. Sobram aí 25% para ele crescer. Então, seu teto, no dia 25 de setembro de 2018, era de 55%: 30% que já votam nele mais 25% que não estão votando, mas também não o rejeitam. É muito pouco para uma eleição em segundo turno.
N – A que o senhor atribui a resiliência do favoritismo do candidato que mantém o primeiro lugar nas pesquisas, Jair Bolsonaro, mesmo dispondo de míseros nove segundos no horário de propaganda dos partidos nos meios de comunicação e tendo sido posto fora do corpo a corpo, sempre significativo em campanhas eleitorais, depois do atentado à faca que sofreu em Juiz de Fora, num ato público em plena rua?
R – A ideia que ele representa, sobre a qual falamos acima. A opinião pública quer candidato autêntico, falando coisas que ela acredita serem verdadeiras. Ele não tem somente eleitores, tem fieis e torcedores. O voto em Bolsonaro é firme. Ele é um “mito”. E mito é mito, na rua ou no hospital. E o atentado levou a um certo sentimento de comiseração, que não havia antes. E uma vontade ainda maior de conhecer a vida do candidato. Não é por acaso que pululam nas redes sociais e privadas (WhatsApp) vídeos sobre a filhinha de Bolsonaro, sua família, os locais onde janta, etc.
N – Seja quem for o vencedor desta refrega violenta, terá ele condições de unificar o País para tentar içá-lo das profundezas desta crise econômica, financeira, política, ética e de credibilidade em que o País afundou no último decênio?
R – Depende da postura do presidente. Francamente, não vejo possibilidade de o futuro presidente fazer um discurso de posse exaltando o confronto, criticando adversários, aprofundando o debate. Lula elegeu-se prometendo mudar tudo e manteve a política econômica de FHC. E seu primeiro mandato, do ponto de vista econômico e de finanças públicas, foi um sucesso. Depois degringolou, mas o início foi bom.
Bolsonaro diz que vai mudar o Brasil rapidamente e nomear um Ministério de competentes, deixando os políticos de lado. Haddad promete resgatar a bonança do consumismo lulista. Isso gera uma alta expectativa, mas o País vai demorar alguns anos para voltar a crescer – e isso se a política econômica estiver no sentido correto, com a aceleração das reformas que precisam ser feitas. Quem disse que um acadêmico festejado será necessariamente um bom ministro? A festa de consumo do governo Lula, embalada na oferta de crédito e aumento de renda dos mais pobres, também não se vai repetir, porque as condições da economia internacional são muito piores, o Brasil tem um déficit fiscal gigantesco que precisa ser equacionado e condições estruturais que não ajudam. Então, ganhe quem ganhar, haverá frustração por um certo tempo. Se vai ser grande ou pequena, depende da sinalização e da capacidade de convencimento do presidente. O trabalho a ser feito é gigantesco.
N – Que papéis estarão reservados no futuro aos partidos que têm protagonizado a disputa política no Brasil neste século, PSDB e PT, depois da posse dos próximos presidente, governadores, deputados e senadores, no ano que vem?
R – O PT mostrou-se muito resiliente. Tinha 36% da preferência partidária nos áureos tempos de Lula, caiu para 11% no petrolão e já alcança 24% hoje. Isso com seus principais dirigentes na cadeia, o Brasil numa crise gigantesca, a tragédia que foi o governo Dilma e tudo o mais. É inacreditável !
O PSDB parece ter vergonha do seu sucesso. Estabilizou a moeda (veja bem, o PSDB debelou a inflação, o maior problema de nossa História!!!) e entregou um País em ordem ao sucessor. Mas ficou na defensiva ouvindo Lula dizer, durante oito anos, que recebeu uma herança maldita. Não atacou o PT no mensalão, não atacou o PT no petrolão. Não defende seu legado e não ataca com o adversário fragilizado. Fica difícil!
O PT tem Lula, a memória recente de um tempo de prosperidade econômica, quadros aguerridos e inserção na sociedade. O PSDB tem os melhores quadros, um histórico de governos responsáveis e um ideário moderno. O PT defende um intervencionismo tacanho e ultrapassado, que levou o País à tragédia econômica, além de ser estruturalmente corrupto. O PSDB tem muito cacique e pouco índio, as lideranças não se entendem e pode perder o governo do Estado de São Paulo.