sexta-feira, 1 de junho de 2018

"Arruaceiros no ataque"





Carlos José Marques, IstoE


Dominou o Brasil por esses dias a turma do “quanto pior, melhor”. Não eram mais, apenas, caminhoneiros ou donos de empresas distribuidoras os envolvidos nos protestos. Não se tratava mais de uma mera greve setorial a reclamar um escopo de medidas – muitas delas legítimas, diga-se de passagem. 

Até porque, na integralidade, as reivindicações foram atendidas de pronto, mesmo a um custo penoso e arriscado para os cofres públicos. Infiltrados, no avanço do movimento que de fato paralisou o País, viram a oportunidade de instalar o caos, em proveito próprio. 

Baderneiros tomaram conta, assumiram os bloqueios, coagindo, ameaçando e atacando motoristas que inicialmente engajaram-se na causa dos transportes para depois virarem reféns, também eles, de uma pauta difusa de exigências, que chegava ao despautério de pregar a intervenção militar. 

De partidos políticos a agentes de algumas organizações sociais, muitas delas atuando na marginalidade, surfaram na onda. Bandidos sem a menor responsabilidade ou senso de dever para com o País e o próximo. Havia de tudo um pouco. Oportunistas a granel. 

Petroleiros que já contam com um acordo salarial em vigor até o ano que vem acharam por bem, da noite para o dia, cruzar os braços a despeito do veto estabelecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considerou ilegal a mobilização por carregar claros sinais de motivação político-ideológica. 

Nem a multa diária de R$ 500 mil no caso de descumprimento da liminar inibiu os articuladores. 

No limite do devaneio eles pediam a queda do presidente da estatal Petrobras, Pedro Parente, e pregavam a cantilena de “Lula livre” como saída para solucionar os dissabores. 

Eis o tamanho da inconsequência dessa turma, que age com um grau de chantagem sem precedentes. Imaginá-la no poder, de novo, aparelhando o Estado para práticas criminosas a torto e a direito seria um pesadelo. 

No festival de provocações, como numa espécie de terra de ninguém, cada um tirava sua casquinha. Motoristas de vans e motoboys entraram no embalo da baderna. 

No pano de fundo do cenário de caos, que atingiu um nível inaceitável e generalizado, despontava a fragilidade do governo. Ele demorou a negociar e quando sentou à mesa já era tarde. Não contava com margem de manobra. 

Com as estradas bloqueadas não havia muito o que fazer. Concedeu e atendeu sem ressalvas às demandas. 

A crise de representatividade se instalou. Não apenas por parte das autoridades. Mesmo os sindicatos de classe demonstravam não comandar seus filiados e os desdobramentos da mobilização. 

A interlocução ficou quase nula. 

O Congresso batia cabeça. 

A Justiça não se mexia. 

A ausência de líderes lúcidos piorava o quadro. Com o exército e a polícia nas ruas, os brasileiros assistiram atônitos aos impactos insuportáveis da anarquia, clamando por salvadores da pátria. 

Mais de 70 milhões de aves morreram por falta de ração. Nada menos que um milhão de toneladas de comida foram jogadas na lata do lixo. 

Apodreceram nos caminhões ou nos galpões das empresas por falta de escoamento.

Dá para se aceitar tamanho desperdício diante da fome que se espalha como praga mundial? Produtores, chorando, surgiram na TV contabilizando as perdas. 

No Porto de Santos, o maior do País, cerca de 18 mil containers de carga restaram parados com prejuízos estimados em R$ 600 milhões. Remédios tiveram de ser transportados por homens da Força Aérea e do Exército. Quase 300 militares assumiram a direção de caminhões pelas estradas. 

Nos hospitais em São Paulo, cirurgias de emergência como transplantes de fígado, retirada de miomas e colocação de stents foram suspensas por absoluta falta de produtos. A esculhambação geral tinha rostos distintos. 

Agromilicianos entraram em campo nas fazendas produtoras para barrar as colheitas. Em vias como a Régis Bittencourt, que liga o sul ao sudeste, manifestantes esvaziavam os pneus dos caminhões e faziam barricadas de fogo para evitar a circulação. 

Um flagrante deplorável de servidores públicos usando ambulâncias para abastecer carros privados dava o tom da barbárie. Nessa lei da selva, alguns brincaram de golpe. 

Bombardearam a democracia pedindo a volta do regime dos tanques e botinas. Cair na tentação autoritária é típico de insurgentes que não toleram a força das urnas. 

Repetir como em um videotape os anos de chumbo da ditadura, que já deitou raízes por essas bandas por mais de duas décadas, é de um descalabro absoluto. 

Com tamanha estupidez seus mentores agridem a sociedade por tentar tirar dela o direito fundamental de escolha dos governantes. 

Qualquer democracia, mesmo imperfeita, se conserta com doses cavalares de mais democracia, com maior participação de todos os cidadãos. 

Quem vivenciou o drama dos porões da repressão sabe que a arma para os problemas de uma nação livre e em sintonia com o mundo é o voto. É muito fácil se pedir a ditadura quando existe democracia, mas a equação contrária não funciona. 

Há um estado latente de indignação permanente por aqui e é natural, até esperado, que seja assim diante do desarranjo político, econômico e social que vivemos. 

Mas nada há de substituir o bom-senso e o equilíbrio das ações contra a arruaça praticada por uma minoria que veio ao ataque.