No começo da madrugada, do mais triste e desesperador 1º de Maio da história recente do País, foi percebido no quinto andar do edifício Wilton Paes de Almeida, o primeiro sinal do desastre que se aproximava: labaredas no arranha-céu do Largo Paissandu, transformado em emblemática “favela vertical” de sem-teto, no centro histórico da maior cidade da América do Sul.
Gente pobre e sem ocupação fixa. Marreteiros (no linguajar paulistês) do Brasil e de outros países em crise no continente, largados da sorte. Enganados e explorados por sabichões da política, dos negócios e da contravenção corrupta e corruptora disseminados em volta. Boa parte submersa nas áreas de sombras dos chamados “movimentos sociais”.
“Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”, terá pensado algum viajante francês de passagem pela megalópole brasileira em transe, na data internacional de celebração dos trabalhadores. Principalmente, ao presenciar a aparição, do nada, no meio do caos, da soturna figura do presidente da República, Michel Temer . Simbólica também, pela desaprovação e descrédito na opinião pública.
Lembrei do “caso da Tia Cezalina” (que escuto há décadas no círculo familiar, diante de situações desastradas e desastrosas do tipo. O ocupante do Palácio Jaburu (talvez levado pelo sopro oportunista de algum marqueteiro da hora), “meteu-se desgraçadamente” . O erro de avaliação do presidente, e de seus assessores , foi grave. Só não causou maior estrago graças à pronta intervenção da polícia paulista, contendo a revolta dos manifestantes. E agilidade dos agentes de segurança da Presidência, que deram proteção e retiraram Temer, às pressas, colocando-o no carro oficial quase aos empurrões, em meio a vaias, xingamentos pesados e objetos atirados na direção de sua cabeça.
Ainda assim, o mais grave neste caso tenebroso – e que exige investigação séria, diante das muitas e variadas dúvidas, suspeitas e acusações que se multiplicam -, tem a ver com o esclarecimento sobre o efetivo papel e responsabilidades do autodenominado “Movimento Social de Luta por Moradia” (da sigla MSLM) , que começaram a pipocar, ainda no calor da hora, principalmente na cobertura do fato pelas emissoras de TV.
Denúncias que pipocam no meio do emaranhado de erros e malfeitos – semelhante aos fios dos “gatos” utilizados para a iluminação clandestina do prédio e ponto de origem do curto circuito, faísca do desastre, segundo os peritos. Enquanto as chamas se propagam até o assustador desmoronamento da antiga joia arquitetônica, de outra época da capital paulista, que virou armadilha fatal. No rastro, se revelam detalhes da constrangedora situação de abandono, conivência, desleixo e incompetência.
O prédio da União, antiga sede da Polícia Federal em São Paulo, ocupado há anos por descamisados sem teto, vilmente explorados por “facções criminosas”, na acusação do ex-prefeito João Doria. Gente que tem de pagar, aos chefes do pseudo “movimento social”, taxas escorchantes para “viver” no inferno que virou escombros, onde corpos (ou cinzas que restaram) estão ainda sob a montanha de entulho. Um deles, encontrado nesta sexta-feira. Que outros liames movem e sustentam, desgraçadamente, organizações do tipo MSLM, e seus comandantes?. Eis uma das perguntas à espera de resposta, antes do próximo desastre.
Vitor Hugo Soares é jornalista