sexta-feira, 4 de maio de 2018

Andrés Iniesta: o ícone de uma geração espanhola chega ao grand finale de sua carreira

Prestes a se retirar do Barcelona e da seleção, o meia fará na Rússia a sua última apresentação em alto nível. Conseguirá a Espanha repor seu 'cérebro' em campo?



Leonardo Miranda, Epoca


Andrés Iniesta. O meia do Barcelona e da seleção da Espanha chega aos últimos jogos de sua carreira (Foto: Getty Images)










A cidade é Zurique, na Suíça. Em cerimônia de gala, os melhores jogadores do mundo se encontram. Entre ternos e bebidas, o anúncio de melhor do mundo é revezado há dez anos entre dois nomes: Cristiano Ronaldo e Messi. A premiação é chefiada pela revista francesa France Football, criticada pela falta de diversidade. Mas uma decisão surpreendeu. Um mea-culpa foi publicado como pedido de desculpas aos não premiados. De todos, um foi exaltado. “A ausência mais dolorosa”. Reconhecido como um dos maiores meias da história, chamado de “cérebro e músculo essencial dos campeões”, Andrés Iniesta chegou perto, mas o máximo que conseguiu foi ser vice de Messi. A barba branca e os cabelos ralos não escondem: sua carreira está no fim. Prestes a se despedir do Barcelona, ele vai para sua última Copa do Mundo na Rússia.
O melhor desempenho de Iniesta na Espanha e no Barcelonacoincide com o auge daquele que seria chamado de tiki-taka: o jogo de passes curtos, movimentação constante e busca frenética pela posse de bola. A filosofia exige jogadores técnicos, com capacidade de bom toque na bola e visão de jogo. Tanto para ver a marcação se aproximando e tocar para trás, um ato de proteção, como para arriscar passes aguçados aos companheiros perto do gol. São predicados que Iniesta mostrou ter, e muito, ao longo de sua carreira. E que talvez o fizessem não ser reconhecido como deveria.
Iniesta é o meia que faz o time jogar. Acelera e cadencia o jogo. Nem sempre aparece com o que será lembrado para o torcedor e eleitores do prêmio de melhor jogador do mundo – lances de efeito e gols. E ele, de fato, não é um goleador. Nas últimas três temporadas, anotou apenas três gols jogando pelo Barça. Na seleção da Espanha a soma é ainda menor: apenas 13 em 125 aparições. Mas um desses tentos vale pelos outros. Foi dele o gol do título da Espanha na Copa de 2010, na África do Sul. Uma rara aparição como centroavante para findar a fama de amarelona que acompanhava a Espanha há tantos anos.

Iniesta e as fichas de meias que jogarão a Copa de 2018 (Foto: ÉPOCA)













A forma de jogo de Iniesta é especial. Tão completa e abrangente que não dá para encaixá-la na caixinha tradicional de meia ou volante. Vicente del Bosque, ex-treinador da Espanha, descreve-o como um “jogador completo”. No Barcelona, ele já ocupou praticamente todas as posições ofensivas do tradicional 4-3-3 da equipe catalã: foi ponta esquerdo, atacante e volante defensivo. Mas foi alinhado a Xavi no meio-campo, sempre pela faixa esquerda, que Iniesta conquistou a maior parte de seus títulos. O coração do campo é o lugar onde Iniesta tem mais espaço para enxergar e pensar o jogo. É lá que ele destila suas principais qualidades – o passe e o controle de bola – para fazer o time jogar e manter a posse.
Essa filosofia pode ser vista por meio dos números. Iniesta tem um acerto de 89% nos passes nas três últimas temporadas, na soma de Barça e seleção, segundo dados do Wyscout. É um indicador não apenas da qualidade técnica do jogador, mas também da maturidade tática do time em que joga. Afinal, o passe não é algo isolado. Não acontece sozinho. É preciso haver aproximação dos companheiros para receber a bola. E Iniesta sabe se colocar em campo como poucos, seja para receber, seja para passar. As bolas que Iniesta coloca no ataque não só têm alto número de acerto, mas também mostram como o Barcelona é uma equipe que prioriza o gol. Um time que confia em jogadores como Iniesta para fazer o talento de Messi, Suárez e Philippe Coutinho brilhar na cara do goleiro.
Em comparação com outros meias que têm o passe como principal atributo, como o croata Modric, o brasileiro Fernandinho e o alemão Khedira, Iniesta atua em uma faixa de campo menor, mas mantém o alto nível. É como se ele precisasse de menos espaço – e até tempo em campo, já que vem sendo frequentemente substituído – para fazer diferença. O espanhol é o que se costuma chamar na Inglaterra de “playmaker”, jogador que faz o jogo. Mesmo numa área de atuação menor em campo, Iniesta tem um predicado fundamental: segurança. Os companheiros confiam nele para pensar como as jogadas irão se desenrolar da defesa para o ataque. É o grande cérebro do time, e mesmo numa faixa menor em campo, sempre se apresenta com a cabeça erguida para ajudar o time.

Iniesta e os mapas de calor de outros meias que jogarão a Copa (Foto: ÉPOCA)













Experiência e mentoria
De 2008 a 2013, a Espanha ganhou tudo que podia. Duas Eurocopas e uma Copa. O suficiente para moldar toda uma cultura que respinga em Iniesta como modelo de meia. Essa bagagem é vista pelo técnico Julen Lopetegui, atual comandante da seleção espanhola, como ingrediente fundamental para fazer a mescla entre jovens talentos e antigos craques. Os dados coletados pelo Wyscout mostram que o acerto de passe continua na média coletiva de 90% por jogo, a mesma métrica que fez Iniesta ganhar tudo no Barcelona. Mas os companheiros de equipe mudaram. Se ficou conhecida por jogar exatamente como o Barcelona em seus anos vencedores, a Espanha passa por mudanças na maneira de jogar. A posse de bola continua, mas agora o ataque é mais móvel. Joga com mais velocidade, nem sempre pensando em ter a bola sob controle.
O papel de Iniesta na Espanha é o mesmo do Barcelona: um pensador de jogadas pelo lado esquerdo. O esquema de jogo é o mesmo, o 4-3-3, com três atacantes e três meio-campistas centralizados. Mas, na Espanha, Iniesta tem mais liberdade de ataque. Joga mais com o trio de ataque formado por Diego Costa, Asensio e Isco. Apesar dos poucos gols – apenas um em 2017, na goleada de 5 a 0 na Costa Rica – Iniesta ajuda o time de outras formas, como as duas assistências nas Eliminatórias e muitas jogadas de ataque. A mudança na forma de jogar permite a ele muitas vezes jogar de forma mais direta, sem tantos passes. E a velocidade do ataque espanhol também libera suas chegadas ao ataque, ao abrir caminhos para que companheiros brilhem com gols.
Se a concorrência antes era pequena, hoje a nova geração espanhola pede passagem. No meio-campo, nomes como Saúl, Dani Parejo e Rodrigo são vistos como o futuro da posição de Iniesta, e também capazes de fazer mais gols que o jogador do Barcelona. Por enquanto, eles aguardam no banco. Iniesta continua titular absoluto da Espanha e irá para a Copa com a condição de tutor e maestro do time. Nos últimos jogos, Lopetegui vem acenando com um meio-campo formado por ele, Koke e Thiago Alcântara, brasileiro filho de Mazinho que se naturalizou espanhol. Talento de sobra.

Andrés Iniesta. A France Football, que elege os melhores jogadores do mundo, arrependeu-se de nunca ter coroado o meia (Foto: Getty Images)










Renovação e evolução
Iniesta é um dos quatro campeões do mundo em 2010 que continuam a jogar pela seleção da Espanha. A lista se completa com Sergio Ramos, Piqué e Busquets. Ao contrário dos remanescentes, ele já declarou que a jornada na Rússia será sua última com a camisa de seu país. “Por enquanto e devido à natureza, possivelmente será minha última aparição com a seleção. É um pouco similar ao que pode acontecer no meu clube. Não quero estar lá só por estar, não tenho a necessidade de estar nos lugares só por estar, ou ser quem sou ou fui”, afirmou o jogador à rádio Cardena Sur em março.
A eliminação para a Itália na última Eurocopa marcou a troca de paradigma na Espanha. O “tiki-taka” passou a ser questionado quanto à sua eficácia, e o declínio do Barcelona na Liga dos Campeões ajudou a fortalecer as dúvidas. Atrás da renovação no elenco e também na forma de jogo, a federação espanhola chamou Julen Lopetegui para o cargo de treinador, em substituição ao lendário Vicente del Bosque. A decisão, surpreendente, explica-se pelo fato de Lopetegui ter sido treinador de todas as categorias de base da Espanha antes de assumir o Porto, em 2014. Era o homem certo no lugar certo: conhecia o estilo de jogo e os jovens que pediam passagem e já estavam jogando no alto escalão europeu, como Isco, De Gea e Asensio. A adição do brasileiro Thiago Alcântara, naturalizado espanhol, adicionou frescor. Lopetegui não vai revolucionar o escrete e começar ao zero. A proposta é evoluir.
Dentro desse contexto, o papel de Iniesta é o de mentorar os mais jovens para o jogo que imortalizou a Espanha como um time de posse de bola e bom futebol, mas também fazer funcionar o potencial ofensivo de Isco, o melhor jogador da Espanha atualmente. É como se a Espanha precisasse buscar de novo a fúria pela qual era conhecida nas décadas de 1980 e 1990. E ninguém melhor para ensinar a nova geração que o autor do gol da único mundial dos espanhóis. Para tanto, Iniesta tem a confiança de seu treinador e um lugar cativo no meio-campo, junto a Koke e Thiago.
A trajetória da Espanha na Rússia começa com um grande clássico. Em Sochi, os espanhóis encaram Portugal de Cristiano Ronaldo, provavelmente o concorrente pelo primeiro lugar de um grupo fraco. Em Kazan, a Espanha enfrenta o Irã e fecha a primeira fase em Kaliningrado, contra o inofensivo Marrocos. Daí em diante, até por ser uma seleção em reformulação, com a ascensão de novos talentos e o fim da linha para jogadores consagrados, é difícil prever quão longe irão os espanhóis. De qualquer forma, a fase de grupos dá um bom calendário para Iniesta destilar seus passes e coroar uma carreira impecável com, quem sabe, mais gols importantes.
Andres Iniesta  (Foto: Época )


 
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