Quando um ministro, tipo que se considera correto, comporta-se geddelmente porque ameaçado pelos métodos geddéis, o que se acelera é o a geddelização da vida no Brasil
Geddel Vieira Lima define-se como “despachado”, autoindulgência dentro da qual faz caber a compreensão peemedebista do que seja a atividade política. Não importa que Geddel já não seja ministro. Ele fica. Tem permanência. A rigor, ele sempre esteve. Geddel não é indivíduo. É categoria moral. É o político brasileiro essencial. Mas não somente.
Diz-se que a classe política nacional se divorciou da sociedade brasileira. Pois eu digo — sem pretensão de originalidade — que isso é mistificação condescendente; e que divórcio haveria se a sociedade brasileira fosse aquilo que pensa ser. Quando um ministro de Estado, tipo que se considera correto, comporta-se geddelmente (ao gravar o presidente da República) porque ameaçado — intimidado — pelos métodos geddéis, o que avança é o processo de geddelização da vida, não só a pública, no Brasil.
Projetemos uma pesquisa de opinião que, ouvindo cidadãos de todo o país, pedisse ao brasileiro que se definisse em uma palavra — e então o leitor me responda se, em adjetivos vários, não teríamos um conjunto de malandragens que pudesse ser resumido em “despachado”. Hein?
Nós nos classificamos — não sem orgulho — como despachados. Mas não o somos. Não exatamente. Tampouco Geddel o é. A coisa é mais complexa. Uns mais outros menos, nós — Geddel incluído — pendemos a geddel, a categoria moral. E o nosso partido, aquele para o qual somos vocacionados, é o PMDB, cujos costumes facilitam a leitura de uma sociedade em que a fronteira entre público e privado consiste em massinha de modelar, ajustando-se ao gosto do freguês; sociedade em que traficar influência jamais será traficar influência — não se o agente for nosso amigo querido.
Quantos geddéis você conhece, leitor? E quantas vezes não foi, você mesmo, geddel — ainda que de leve e rapidamente? O ministro indignado que grava o presidente é Calero, mas — insisto — é geddel. O moralista bastião do impeachment de Janete pode ser Pauderney, mas geddeliza quando se refere ao crime de Geddel como algo “paroquial”. O Tancredo peemedebista fundador que sobe no palanque das Diretas, mas que, nas brechas da ditadura, trabalha febrilmente pela eleição indireta geddel é. E o neto que, acuado pela delação que ainda não há, contemporiza com traficância — como quem mendiga solidariedade futura — chafurda no geddeísmo.
Não importa se mito ou mitômano, geddéis são.
O Legislativo no Brasil tornou-se confraria de despachantes em causa própria — e por isso (mas não só) tanto chorou o governo Temer ao perder Geddel, o mestre da interlocução parlamentar despachada. A geddelização do Congresso extinguiu com o antigo baixo clero simplesmente porque agora tudo baixo é. O geddel André Moura, líder do governo na Câmara, mais do que encher uma carta com assinaturas de deputados em desagravo ao então ainda ministro, declarou que marcharia ao Planalto para lhe entregar o documento em mãos. Claro. Como todo despachado de escol, Geddel é parça, bom de lábia, considerado excelente articulador, peça fundamental para que aos subterrâneos que ligam Executivo e Legislativo não faltasse oxigênio — sendo o termo oxigênio aqui aplicado segundo a definição do novíssimo “Dicionário Sergio Cabral da Baixa Língua Brasileira”.
Para manter o conforto da engrenagem viciada, corrupção é sempre a dos outros, e sempre é coisa menor.
Quem se lembra dos “anões do Orçamento”? Quem se lembra de que Geddel já era citado em 1993?
Jaca não cai longe de jaqueira. Geddel não brota na Dinamarca. E a ideia deturpada de governabilidade vigente no Brasil é o paraíso reprodutor do geddeísmo. O mesmo país despachado que elegeu Dilma Rousseff e o PT elegeu Michel Temer e o PMDB. Geddel Vieira Lima foi ministro de Lula tanto quanto de Temer — e, despachante, foi líder na Câmara do governo de Fernando Henrique Cardoso, o príncipe do mensalão da reeleição, e vice-presidente da Caixa na gestão de Janete.
Jaca não cai longe de jaqueira. O brasileiro que hoje se surpreende com o governo Temer não pode se considerar ingênuo — porque isso significaria ser outra coisa e, assim, poder realmente olhar para fora. O brasileiro que se surpreende com o governo Temer — eis a questão — não se reconhece ou não se quer reconhecer; ponto. Lançou-se às ruas contra os geddéis petistas como se no lugar desses pudesse vir algo que não o Brasil; que não os geddéis peemedebistas, inclusive o próprio Geddel, também ele geddel, também ele brasileiro e despachado, o despachante.
A sociedade pendular do PMDB ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina. A sociedade pendular de Geddel ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina. A sociedade pendular do brasileiro ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina. Não é prudente, pois, comemorar que Geddel, ex-ministro, se foi; porque ele volta. No próximo governo, volta. No próximo apartamento defronte ao mar, ele volta. Enquanto houver o que despachar, volta.
Carlos Andreazza é editor de livros