segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Joseph E. Stiglitz: "O que os EUA precisam de Trump"

Com O Globo

Não há meio pelo qual ele possa reativar um número significativo de empregos com bons salários no setor industrial


A surpreendente vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA deixou uma coisa absolutamente clara: muitos americanos — sobretudo homens brancos americanos — se sentem abandonados. E não é só um sentimento; muitos americanos realmente foram deixados de lado. O que pode ser vislumbrado tanto nas estatísticas quanto na sua ira. E, como tenho argumentado, um sistema econômico que não “atende” a vastas porções da população é um sistema econômico fracassado. Assim, o que o presidente eleito Trump deveria fazer sobre isso?

Ao longo do último terço de século, as regras do sistema econômico dos EUA foram reescritas em formas que servem a poucos no topo, ao mesmo tempo em que prejudicava a economia como um todo, especialmente os 80% na base. A ironia da vitória de Trump é que foi o Partido Republicano que ele agora lidera que impôs a globalização extrema e se posicionou contra as estruturas políticas que teriam mitigado o trauma associado a ela. 

China e Índia estão hoje integradas à economia global. Além disso, a tecnologia tem avançado tão rapidamente que o número de empregos no setor industrial está em declínio.

O resultado é que não há meio pelo qual Trump possa reativar nos EUA um número significativo de empregos com bons salários no setor industrial. Ele poderá criar vagas de trabalho, mas serão vagas de baixos salários, não mais os altos salários dos anos 1950. Se Trump está sendo sério em enfrentar a desigualdade, ele terá que reescrever as regras, de modo que sirvam a toda a sociedade, e não apenas a gente como ele.

O primeiro passo é estimular o investimento, restaurando assim um robusto crescimento a longo prazo. Trump deveria, sobretudo, enfatizar gastos em infraestrutura e pesquisa. Para um país cujo sucesso econômico provém da inovação tecnológica, a parcela do PIB do investimento em pesquisa básica é menor hoje do que era há meio século.

A melhoria da infraestrutura aumentaria os lucros do investimento privado, que também vem deixando a desejar. Garantir maior acesso financeiro a pequenas e médias empresas também estimularia o investimento privado. Um imposto sobre carbono produziria um triplo efeito positivo: maior crescimento à proporção que as empresas se adaptam diante do aumento do custo das emissões de dióxido de carbono; um meio ambiente mais limpo; e um retorno que poderia ser usado para financiar a infraestrutura e esforços diretos para reduzir a desigualdade os EUA. Mas, devido à posição de Trump como descrente da mudança climática, é improvável que ele tire proveito disso.

Uma abordagem abrangente também é necessária para melhorar a distribuição de renda nos EUA, que é uma das piores entre as economias avançadas. Enquanto Trump prometeu elevar o salário mínimo, é pouco provável que ele adote outras medidas críticas, como fortalecer os direitos de negociação coletiva dos trabalhadores e restringir o financiamento e compensações salariais de diretores-executivos de empresas. A reforma regulatória deve ir além de limitar o estrago que o setor financeiro pode fazer e garantir que ele sirva à sociedade.

Em abril, o Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama divulgou nota mostrando uma crescente concentração de mercado em vários setores. Isto significa menos concorrência e preços mais altos — uma forma garantida de reduzir a renda.

O sistema tributário dos EUA — que estimula a desigualdade ao ajudar o rico (e ninguém mais) a ficar mais rico — também deve ser reformado. Uma meta óbvia deveria ser eliminar o tratamento especial ao ganho de capital e dividendos. Outro seria garantir que as empresas paguem impostos — talvez reduzindo a taxa de imposto corporativo para companhias que investem na criação de empregos nos EUA, e elevando-a para aquelas que não o fazem. Mas como grande beneficiário deste sistema, as promessas de Trump de implementar reformas que beneficiem o americano comum não são críveis; como é comum com republicanos, mudanças de impostos beneficiarão amplamente os ricos.

Trump provavelmente também vai ficar devendo melhorar a igualdade de oportunidade. Garantir educação pré-escola para todos e investir mais em escolas públicas são essenciais. Mas Trump tem se mantido virtualmente em silêncio sobre este assunto.

Recuperar a prosperidade compartilhada requereria políticas que expandam o acesso à habitação a preços acessíveis, garantam a aposentadoria com um mínimo de dignidade, e permitir a cada americano, independentemente da renda familiar, acesso à educação pós-secundária proporcional às suas capacidades e interesses. Mas, embora possa vislumbrar Trump, um magnata do setor imobiliário, apoiando um amplo programa habitacional (com a maior parte dos lucros indo para incorporadores como ele próprio), sua promessa de revogação do Obamacare deixaria milhões de americanos sem seguro-saúde.

Os problemas evidenciados pelos americanos descontentes não serão resolvidos rapidamente ou por instrumentos convencionais. Uma estratégia efetiva precisará levar em conta soluções não convencionais, às quais os interesses corporativos republicanos tendem a se opor. Por exemplo, os indivíduos poderiam ter acesso a elevar sua aposentadoria depositando mais dinheiro em suas contas previdenciárias, com aumentos proporcionais de pensão.

Muito mudou desde que o presidente Ronald Reagan começou a empobrecer a classe média e a desviar os ganhos para aqueles que estão no topo, e as instituições e políticas americanas não acompanharam o ritmo. Os EUA do século XXI são fundamentalmente distintos dos EUA dos anos 1980. Se Trump de fato quiser ajudar aqueles que foram deixados de lado, ele deve ir além das batalhas ideológicas do passado. A agenda apenas esboçada aqui não é exclusivamente econômica: trata-se de nutrir uma sociedade dinâmica, aberta e justa.

Minha nebulosa bola de cristal revela uma reescrita das regras, mas não para corrigir os graves erros da revolução de Reagan, marco da sórdida jornada que deixou tantos para trás. As novas regras vão piorar as coisas, excluindo ainda mais gente do sonho americano.

Joseph E. Stiglitz é vencedor do Prêmio Nobel de Economia, professor da Universidade de Columbia e economista-chefe do Roosevelt Institute

© Project Syndicate