Como os vários tiranos do século 20 que se julgavam portadores da verdade e encarregados de uma missão libertadora, Fidel Castro acreditava que a história o absolveria. O líder da Revolução Cubana, morto no dia 26, foi o responsável pela mais longeva ditadura da América Latina, uma das mais cruéis do mundo, deixando como herança um país devastado economicamente e uma população amedrontada. Mas Fidel conseguiu criar em torno de si uma aura de herói da esquerda latino-americana, por ter enfrentado o império norte-americano e por assumir o papel de líder dos sonhos igualitários num continente marcado pela desigualdade. No tal julgamento da história, portanto, Fidel esperava que seus atos abomináveis fossem vistos como necessários para preservar os pilares da revolução – cujo slogan, não por outro motivo, era “pátria ou morte”.
Fidel não foi um ditador qualquer. Sob seu comando, uma ilhota caribenha, pobre e desimportante, se transformou no símbolo da resistência aos Estados Unidos em plena guerra fria. Sua revolução – que começou nacionalista e só depois se tornaria comunista – visava a romper os laços de submissão que atavam Cuba ao gigante do Norte. Uma vez no poder, Fidel alinhou Cuba à União Soviética e atuou militarmente contra os interesses americanos em diversos países, como Congo, Angola e Etiópia, em nome do “internacionalismo proletário”.
Além disso, Fidel fomentou a guerrilha contra as ditaduras no Chile, na Bolívia e na Argentina, além de ter inspirado a resistência armada ao regime militar brasileiro. Tentou, de várias formas, derrubar o governo democrático da Venezuela. Foi uma espécie de “farol” dos que pretendiam derrubar os governos militares para em seu lugar instalar a chamada ditadura do proletariado.
Seu maior feito, porém, foi ter mantido uma ditadura por mais de meio século a despeito do fato de sua administração ter destruído o país. Em qualquer outro lugar, um dirigente que condenasse seus governados à pobreza crônica e que os submetesse ao atraso tecnológico e industrial por tantas décadas – sem falar da ausência de liberdades individuais e de respeito aos direitos humanos – acabaria sendo derrubado.
Com o intuito de romper todos os laços com os EUA, Fidel criou uma relação de absoluta dependência em relação à União Soviética. De acordo com esse figurino, estabeleceu o modelo socialista, mas, ao contrário de outros países da esfera de Moscou, deixou de criar as bases para algum florescimento da indústria. Ao contrário: Fidel sabotou todos os esforços para o desenvolvimento cubano, começando pela decisão de nomear Ernesto Che Guevara como ministro da Indústria. Mas Che não se preocupou com a indústria, e sim com o “Homem Novo Socialista”, doutrina que obrigava todos os cubanos a abrir mão de seus interesses pessoais e a marchar atrás de Fidel em favor da revolução.
Quando a União Soviética desapareceu, no final dos anos 80, esses erros de planejamento fizeram de Cuba um dos países que mais sofreram com a debacle comunista. Nem mesmo os setores que sempre tiveram algum destaque na ilha, como a produção de açúcar, sobreviveram à catástrofe. Restou a Fidel viver do dinheiro que lhe providenciava o caudilho venezuelano Hugo Chávez – até que este maná também se extinguisse – e da falácia segundo a qual a economia cubana era vítima do bloqueio imposto pelos Estados Unidos.
O espetacular fiasco da experiência socialista e castrista em Cuba deveria servir como prova definitiva da inviabilidade desse modelo e da natureza irresponsável, despótica e corrupta do regime de Fidel. Mas ainda há quem veja nele um modelo a ser seguido. Para a ex-presidente Dilma Rousseff, Fidel foi “um visionário que acreditou na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome nem exploração, numa América Latina unida e forte”. Para o ex-presidente Lula da Silva, Fidel foi “o maior de todos os latino-americanos”, cujo “legado de dignidade e compromisso por um mundo mais justo” será “eterno”. Já para a maioria dos cubanos, Fidel é um pesadelo que, enfim, termina.