Ricardo Stuckert / Instituto Lula | |
Lula e Raúl Castro em viagem do ex-presidente a Cuba em 2013 |
WÁLTER NUNES
FELIPE BÄCHTOLD
Folha de São Paulo
FELIPE BÄCHTOLD
Folha de São Paulo
O ano era 2011. Ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de executivos da empreiteira Odebrecht, o ditador cubano Raúl Castro não poupava elogios ao trabalho da construtora brasileira.
Lula e o empreiteiro Marcelo Odebrecht, hoje preso em Curitiba e em fase final de delação premiada, viajavam ao país caribenho para visitar as obras do porto de Mariel, tocadas pela empreiteira com financiamento do BNDES.
Após exaltar o cumprimento do cronograma das obras, Raúl criticou a precariedade da direção das estatais de seu país. Os cubanos, disse o líder comunista aos dirigentes de uma das principais empresas do capitalismo brasileiro, "têm de aprender com vocês [da Odebrecht]".
O relato da visita e das conversas constam de um documento sigiloso do Itamaraty obtido pela Folha.
Lula visitou Mariel meses após deixar a Presidência –anos depois a obra do porto viraria tema da campanha eleitoral brasileira, em 2014, e alvo de investigações e da CPI do BNDES.
Dois dos participantes da visita estão presos por causa da Operação Lava Jato: além de Marcelo Odebrecht, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, sem cargo público desde 2005, também acompanhava a viagem de Lula.
Segundo o despacho da Embaixada do Brasil em Cuba, na ocasião Raúl foi informado sobre a liberação de uma nova parcela do financiamento do BNDES para o projeto, de US$ 150 milhões.
O banco financiou US$ 682 milhões do projeto, inaugurado em 2014.
Dias antes do périplo, uma troca de e-mails de executivos da Odebrecht mostra um deles sugerindo entregar um "presente" a Raúl, porque seria aniversário dele.
"Podemos entregar durante a visita as obras ou depois fazer chegar a ele a nome de MO [Marcelo Odebrecht]", diz a mensagem, interceptada pela Lava Jato.
O mesmo e-mail sugere entregar "presentes menores" a dois dirigentes cubanos e ao embaixador brasileiro.
TABU
Na véspera da visita, segundo o relato do Itamaraty, Raúl se encontrou com Lula em um jantar, com Dirceu e o ex-ministro Franklin Martins, e reiterou que o financiamento estaria garantido e que não haveria mudança. O ditador prometeu: o regime cubano honraria a dívida.
A conversa enveredou para o abastecimento energético de Cuba.
Lula defendeu que o país passasse a investir na produção de biocombustível, tema que Raúl considerou um "tabu" para seu irmão, Fidel Castro, morto na semana passada e conhecido por defender que o álcool prejudica a produção de alimentos.
O ditador cubano disse que seu país sofria com a dificuldade de importação de petróleo, mesmo com um "artifício contábil praticado com a Venezuela", então governada por Hugo Chávez.
"Cuba reajusta o valor dos serviços médicos e educacionais prestados àquele país quando há aumento do preço do cru no mercado internacional", disse Raúl, de acordo com a transcrição.
Lula voltou ao porto cubano em duas ocasiões. Em 2013, foi ao país junto com Alexandrino Alencar, diretor da Odebrecht tido como principal interlocutor com o ex-presidente e que ficou quatro meses preso na Lava Jato.
Em 2014, documento do Itamaraty informava que a viagem de dois anos atrás tinha o "apoio" da empreiteira e que a comitiva incluía Silas Rondeau, ministro das Minas e Energia demitido em 2007, e o senador Blairo Maggi (PR-MT), que acabaria virando ministro de Michel Temer neste ano.
Em palestra, segundo o relato da embaixada, Lula tentou convencer os cubanos a respeitar contratos, falou "em responsabilidade fiscal" e citou a "Carta ao Povo Brasileiro", que divulgou em 2002 para tranquilizar os mercados.
"[Lula] alertou para o risco de medidas heterodoxas. Disse: 'Quando Hugo Chávez nacionalizou uma siderúrgica argentina, os empresários brasileiros ficaram assustados'", diz a transcrição.
Um dos temas da visita era o fornecimento de garantias que o país caribenho deveria dar para assegurar o financiamento brasileiro.
Representantes da empreiteira pleiteavam que os cubanos vendessem nafta à Braskem, petroquímica que pertence ao grupo, como garantia. Ao fim da visita, Lula disse a Raúl que falaria com a então presidente Dilma Rousseff a respeito.