Eduardo Cunha roda um sistema operacional peculiar. Ele não dá um bom dia sem segundas intenções. Quando resolveu incluir Michel Temer na sua lista de testemunhas de defesa, é porque a hospedagem na cadeia deixara seu processador sobrecarregado. E se endereçou ao presidente da República perguntas tóxicas, é sinal de que sua placa está prestes a ferver.
Cunha ditou para os seus advogados 41 interrogações dirigidas a Temer. Desse total, 21 ficaram retidas no filtro de Sergio Moro. Esse pedaço do questionário (51,2%) constitui o recado de um personagem que, com o ego já derretido, cansou de cultivar sozinho os seus rancores. O naco de interrogatório que Cunha e seus adovgados sabiam que o juiz da Lava Jato vetaria vale por um roteiro de delação.
Ao perceber que Cunha deseja jogar Temer na fogueira, Sergio Moro cuidou de saltar as labaredas. Anotou em seu despacho que “não há qualquer notícia do envolvimento do Exmo. Sr. Presidente da República nos crimes que constituem objeto desta ação penal.”
Sergio Moro realçou, de resto, que eventual suspeita relacionada a Temer é matéria-prima para o Supremo Tribunal Federal. “Não tem ainda este juízo competência para a realização, direta ou indiretamente, de investigações em relação ao Exmo. Sr. Presidente da República.”
O magistrado vetou 13 perguntas “por serem inapropriadas”. E indeferiu outras oito “por falta de pertinência com o objeto da ação penal.” Numa das interrogações que ficarão boiando na atmosfera, Cunha indagou a Temer, por exemplo, se ele recebeu na sua residência, em São Paulo, Jorge Zelada, que respondia pela diretoria Internacional da Petrobras.
Acusado de fazer negócios na área do hoje enrascado Jorge Zelada, Cunha parece indagar sobre dúvidas que jamais teve. É como se tivesse certeza de que a resposta de Temer seria: sim, recebi em minha casa o doutor Zelada. AS indagações seguintes revelam um desejo irrefreável de Cunha de jogar no colo de Temer um Zelada que chegou à Petrobras por indicação da bancada mineira do PMDB, com o aval da cúpula da legenda.
''Quantas vezes Vossa Excelência esteve com Jorge Zelada?'', rosnou o preso ferido, antes de abrir a mandíbula: ''Caso tenha recebido, quais foram os assuntos tratados?''. Na sequência, veio a mordida: ''Vossa Excelência encaminhou alguém para ser recebido por Jorge Zelada na Petrobras?''
Noutra indagação venenosa que Moro livrou Temer de responder, Cunha encosta a ponta da faca no coração do seu alvo: ''Vossa Excelência conhece João Augusto Henriques?''. E espeta o peito do correligionário: ''Caso conheça, quantas vezes esteve com ele e quais assuntos trataram?''.
Esse Henriques que Cunha tenta grudar em Temer frequenta a vitrine da Lava Jato como operador de propinas do PMDB. E Cunha, o preso abandonado de Curitiba, insinua que Temer, o inquilino festejado do Planalto, sabe o que Henriques fez no verão retrasado.
''Houve alguma reunião com fornecedores da área internacional da Petrobras com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político na Avenida Antonio Batuira, em São Paulo, juntamente com João Augusto Henriques?”, indagou Cunha, para que Moro vetasse.
A alturas tantas, Cunha empurrou para dentro do seu questionário José Yunes, um assessor especial que priva da amizade de Temer há coisa de quatro décadas. Perguntou se Yunes intermediou o recebimento de dinheiro para campanha de Temer ou para as arcas do PMDB. Ser recebeu, foi “de forma oficial ou não declarada?''.
O questionário revela que Cunha se autoconverteu numa bomba-relógio. Considera-se responsável pela deposição de Dilma Rousseff. Como tal, acha que Temer lhe deve a ascensão à poltrona de presidente. E julga-se credor de alguma retribuição. O diabo é que, até o momento, todos os que imaginaram que seria possível “estancar a sangria” da Lava Jato deram-se muito mal.