segunda-feira, 2 de abril de 2018

Magistradas ligadas a golpe bilionário no BB podem ter aposentadoria cassada


Fachada de agência do Banco do Brasil, no Centro do Rio - Pilar Olivares / Reuters

Chico Otávio, O Globo


Desde dezembro do ano passado, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) condenou as desembargadoras paraenses Marneide Trindade Pereira Merabet e Vera Araújo de Souza à pena de aposentadoria compulsória, pela acusação de conduta negligente durante uma tentativa de golpe bilionário aplicada por uma quadrilha de estelionatários contra o Banco do Brasil (BB), as duas magistradas permanecem em casa, recebendo aposentadorias mensais em torno de R$ 34 mil. Cassar esse benefício, por entender que “a inatividade não pode ser um prêmio” para as desembargadoras, é o objetivo da ação civil pública ajuizada na última semana pelo procurador-geral de Justiça do Pará, Gilberto Martins, junto à Justiça local.

O envolvimento das magistradas no golpe teria ocorrido em outubro de 2010. Na ocasião, a então juíza Vera Araújo de Souza bloqueou R$ 2,3 bilhões do BB, em ação de usucapião. 

O autor do pedido disse representar um correntista que havia recebido o valor cinco anos antes, em oito contas, sem ninguém reclamar o dinheiro de volta. A quantia era equivalente a um terço de todo o lucro anual da instituição financeira. A petição inicial tinha só quatro páginas e dois extratos bancários, mas foi considerada suficiente.

ACUSADAS IGNORARAM ALERTAS, DIZ PROCURADOR

Ao justificar o pedido de cassação de aposentadoria, o procurador-geral de Justiça Gilberto Martins sustenta que as magistradas desonraram a Justiça ao proceder com parcialidade e desprezo às normas processuais e ao dever de cautela. Para ele, punição de um ilícito deve ensejar a perda do cargo e de qualquer vínculo com o Estado. Como o cargo de magistrado é vitalício, Martins entende que essa desvinculação com o Poder Judiciário somente se dá por meio de decisão judicial.

Embora os advogados do Banco do Brasil tenham demonstrado o absurdo do pedido, sustentado por fraude de falsificação de documentos e que se tratava do mesmo golpe já tentado junto à 5ª Vara Cível de Brasília, a então juíza Vera de Souza (posteriormente, promovida à desembargadora) manteve o bloqueio. Já a desembargadora Marneide Merabet negou o recurso apresentado pelos advogados após concluir que o banco não conseguiu comprovar que o bloqueio resultaria em “lesão grave de difícil reparação”.

De acordo com a ação, Vera de Souza, ao negar aos advogados o pedido de suspensão do bloqueio, em 2010, teria declarado “haver sofrido pressão de cima”, mas que encontraria os autos até então desaparecidos e logo analisaria os fundamentos do BB, “o que nunca fez”. 

O banco só conseguiu deter o golpe após formalizar um pedido de providências na Corregedoria Nacional de Justiça, que resultou na suspensão da ordem judicial de bloqueio e na instauração de reclamação disciplinar contra as magistradas.

As investigações encontraram na casa de um dos golpistas um telefone celular, em cuja agenda constava o nome da desembargadora Marneide Merabet (na verdade, o número pertencia à irmã dela) e de seu marido. A quebra do sigilo telefônico demonstrou que, em 20 de outubro de 2010, dias antes da distribuição da ação de usucapião especial, o dono da linha ligou três vezes para o número supostamente utilizado pela desembargadora Marneide Merabet. Depois que a ação foi protocolada, ligou outras 20 vezes.

No CNJ, a defesa das desembargadoras tentou, sem sucesso, barrar os processos alegando que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia julgado e considerado o caso prescrito na esfera criminal. O advogado Ophir Cavalcante, que defendeu Vera de Souza, procurado pelo GLOBO, alertou que a aposentadoria dos magistrados só pode ser cassada por decisão judicial transitada em julgado “em razão de expressa disposição constitucional”.