segunda-feira, 30 de abril de 2018

"Por que a esquerda odeia Melania Trump mais do que ninguém", por Vilma Gryzinski

Veja

Imaginem o que aconteceria se jornalistas em posição de relevo ridicularizassem o sotaque (americano), a maquiagem exagerada, os cílios postiços, o cabelo falso, as intervenções estéticas e o arrivismo social de Meghan Markle, a futura mulher do príncipe Harry.
Sendo de família negra por parte de mãe, Meghan está protegida publicamente por um manto de invulnerabilidade (o que não impede, obviamente, críticas furiosas e até racistas ao nível individual).
Harry não é nenhum Donald Trump, é claro, mas desfruta de uma das posições mais privilegiadas do planeta pelo simples fato de ter nascido onde nasceu. Qualquer uma que viesse a se casar com ele seria seria acusada pelos invejosos sem fronteiras de dar o golpe do baú. Alguém ouviu isso mesmo que ligeiramente insinuado?
Meghan Markle e Melania Trump são mulheres que ocupam atualmente um grande espaço no imaginário mundial, independentemente de suas qualidades ou defeitos. Sem querer nem mover um fio de suas impecáveis cabeleiras, revelam muito sobre quem as elogia ou critica.
Mais até do que os que o fazem têm consciência. Em artigo no Los Angeles Times, por exemplo, a jornalista Virginia Heffernan verteu no fim de semana uma quantidade inacreditável de mesquinharias infantilóides sobre Melania.
“Embora tenha cravado um vestido Chanel bonito no banquete em homenagem do presidente francês Emmanuel Macron e sua mulher, Brigitte, o habitual traje de mergulho de aparência sintética que ela usa diz ‘Não me toque’. Um chapéu branco como o que usou no sábado para receber os Macron pode significar castidade, virtude ou formatura de classe média. Aquele chapéu parece ter sido plantado com um nível de pedreiro.”
Virginia Heffernan – que é loira e bonita, embora com vários quilos a mais, um comentário justificado por sua própria obsessão com a aparência alheia – é jornalista e “crítica cultural”, evidentemente. Não de moda.
“O salto agulha de dominatrix parece projetado para exibir o papel ornamental dela, atrofiar os músculos da batata da perna e torná-la ainda mais incapacitada. Pois de fato ela é incapacitada”, continuou a gentil jornalista (terá o saltão de Meghan Markle um efeito exatamente contrário?).
Em seguida, o trecho mais revelador: “Ela não desaba quando estouram mais notícias mostrando que seu marido é um galinha; parece desesperada, mas nunca derrama uma lágrima.”
Está aí o problema. Na imaginação da oposição antitrumpista, Melania deveria rodar a eslovena, dar escândalo e botar o presidente pra fora da Casa Branca. Exatamente como fez Hillary quando Bill Clinton…
Não, claro que não. Hillary virou uma heroína, e agora mártir, feminista por ter engolido os maiores sapos em nome de uma força superior – o poder, como mostram todas as evidências -;  ou uma causa do bem, como imaginam os ingênuos.
Melania já colocou o marido no canto do castigo quando apareceu a história da noite dele com uma atriz pornô. O filho do casal tinha apenas quatro meses. Não foi a Davos, como estava previsto, e andou circulando em carro separado.  (“Visitou o Museu do Holocausto para se animar”, gracejou, com a classe habitual, o comediante Bill Maher).
O que mais aconteceu entre eles ainda não foi revelado, embora a Casa Branca pareça uma peneira com vazamentos constantes.
Mas o fato de que Melania mantenha publicamente a pose de modelo – 1,79 metro, mais o salto agulha que faz surtar as invejosas –  ativa os piores sentimentos nos antitrumpistas. Para estes, a mera convivência com Trump é uma ofensa pessoal.
Quando alguns estilistas, açulados por perguntas da imprensa, disseram que nunca fariam nenhuma roupa para Melania – mesmo que não tenham sido consultados pela própria a respeito -, línguas mais exaltadas da imprensa chegaram a fazer uma comparação incomparavelmente tola, na linha “Quem faria roupas para Eva Braun?”.
Sim, a lei de Godwin, que estabelece a inevitabilidade das comparações com o nazismo nas discussões pela internet, foi ridiculamente confirmada. Se Donald Trump é Hitler, Melania só pode ser Eva.
Melania é constantemente chamada de prostituta por ter sido modelo e posado seminua. O comediante Jimmy Kimmel (italiano por linha materna; alemão na paterna)  já a ridicularizou pelo sotaque esloveno. Até a decoração de Natal que fez na Casa Branca foi comparada a um filme de terror.
O fato de que o tom excessivo das críticas tem um aspecto ridículo em si escapa totalmente a seus autores. Isso para não entrarmos no campo dos imitadores que lêem uma coisa na imprensa americana e vão correndo copiar.
“Bela, hierática e inescrutável, pode chegar a parecer inerte”, escreveu Amanda Mars no El País. Caprichando no texto, ela disse que, enquanto Trump é “obcecado” por construir um muro na fronteira com o México, “Melania Trump ergueu o seu próprio para se proteger do mundo”.
O diamante de 25 quilates que leva no dedo talvez tenha ajudado um pouco. Ou talvez não querer dar o braço a torcer, quem pode dizer?
Brigitte Macron, uma mulher interessante excessivamente elogiada na imprensa por motivos óbvios (não é Melania e tem um marido 24 anos mais jovem), quebrou por alguns breves instantes a narrativa habitual.
Disse que Melania tem senso de humor, tendência a rir muito e personalidade forte, embora “procure esconder”. Isso vindo de uma pessoa que, de fato, compartilhou vários momentos com ela.
Acertar o marido mirando na mulher  – não aquela que captura os cofres públicos e se regala em favores espúrios, mas a que simplesmente aparece ao lado dele – é uma prática que pode levar a distorções malucas.
Quando Barbara Bush morreu, no dia 17, a professora universitária Randa Jarrar contribuiu para elevar o nível do debate com uma série de tuítes.
“Barbara Bush foi uma generosa, inteligente e incrível racista que, junto com o marido, criou um criminoso de guerra”, escreveu Jarrar, americana de origem palestina .
A gentil professora e escritora também reiterou que se sentia muito feliz com “a morte da bruxa”.
Tem gente disposta a qualquer coisa para aparecer, inclusive sapatear sobre o caixão de uma mulher recém-falecida aos 91 anos?
Então não vamos nem falar na comediante que fez piada sobre aborto no jantar dos correspondentes na Casa Branca (um trocadilho sobre engravidar e “arrancar mesmo aquele bebê”).
Mas teve gente reclamando porque ela não contou nenhuma piada sobre Melania (melhor nem entrar em detalhes sobre o teor escatológico direcionado a Ivanka Trump).
Enquanto a comediante Michelle Wolf cuspia fogo, o público de Donald Trump num comício em Michigan, entusiasmado com os avanços em relação à Coreia do Norte, gritava: “Nobel, Nobel, Nobel”. Melania Trump que se prepare. E não é para ir a Oslo.