André de Souza e Aguirre Talento, O Globo
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e mais quatro pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, a empreiteira Odebrecht prometeu US$ 40 milhões a Lula em 2010 em troca de decisões políticas que beneficiassem a empresa. Entre essas decisões está, por exemplo, o aumento da linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras tocadas pela companhia em Angola.
O processo está no Supremo Tribunal Federal (STF), aos cuidados do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato na corte. Segundo a acusação, o dinheiro, que totalizava R$ 64 milhões na época, ficou à disposição do PT. Parte teria sido usado em 2014 na campanha de Gleisi ao governo do Paraná. Também foram denunciados: os ex-ministros Paulo Bernardo (marido da senadora) e Antonio Palocci, o empresário Marcelo Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, chefe de gabinete de Gleisi.
Para que eles se tornem réus e tenha início uma ação penal, é preciso que a Segunda Turma do STF, composta atualmente pelos ministros Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso Mello, aceite a denúncia.
Além da condenação, Dodge pede que os petistas sejam condenados ao pagamento de valores milionários. Para Lula, Paulo Bernardo e Palocci, a denúncia solicita a condenação à reparação, juntos, de US$ 40 milhões, valor da vantagem indevida, mais R$ 10 milhões de indenização por dano moral coletivo.
Para Gleisi e Paulo Bernardo, Dodge solicita reparação de R$ 3 milhões pela propina mais R$ 500 mil de dano moral coletivo. Também pede que Gleisi devolva à União R$ 1,8 milhão referente ao valor inexistente declarado à Justiça Eleitoral.
A PGR sustentou ainda que, em 2014, Gleisi e Paulo Bernardo aceitaram receber R$ 5 milhões via caixa dois. Os pagamentos teriam alcançado pelo menos R$ 3 milhões. A entrega do dinheiro teria sido sido viabilizada por Benedicto Júnior, executivo da Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, que trabalhava para Gleisi. Tanto Benedicto quanto Marcelo Odebrecht fecharam acordos de delação.
Um dos métodos usados por Gleisi para lavar dinheiro da propina da Odebrecht, segundo a PGR, foi declarar pagamentos inexistentes à Justiça Eleitoral. A denúncia aponta que Gleisi declarou à Justiça Eleitoral ter pago R$ 3 milhões à empresa Oliveiros Marques Comunicação e Política, mas o dono da empresa, Oliveiros Domingos, afirmou em depoimento que só recebeu efetivamente R$ 1,1 milhão.
“Ocorre que R$ 1.830.000,00 dessa prestação de contas à Justiça Eleitoral foram ocultados (não foram efetivamente gastos) e dissimulados como despesa de campanha para escamotear a natureza e origem criminosas: recebimento dessas vantagens espúrias”, escreveu Raquel Dodge.
A PGR considerou válidas as provas documentais obtidas a partir da delação da Odebrecht. “Os depoimentos prestados nas colaborações premiadas dos executivos da Odebrecht foram ponto a ponto corroborados por uma série de provas documentais (e-mails, planilha produzida em sistema periciável e anotações), todas praticadas de forma espontânea e contemporaneamente àqueles fatos de 2010”, escreveu na denúncia, apontando ainda informações obtidas a partir da quebra de sigilos telefônicos.
Dodge pediu a condenação de Lula, Bernado, Palocci e Dall'Agnol por corrupção passiva; de Marcelo Odebrehct por corrupção ativa; e de Gleisi por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Em seu depoimento, a senadora negou as acusações e afirmou que não pediu recursos à Odebrecht em 2014. Sua defesa não foi localizada. As defesas de Paulo Bernardo e Antonio Palocci afirmaram que não poderiam comentar porque não tiveram acesso ao teor da investigação. Procurada, a defesa de Lula ainda não respondeu.
Dos seis denunciados, apenas Gleisi, por ser parlamentar, tem foro privilegiado no STF. Mas Dodge entendeu que as acusações dos outros cinco têm relação com os crimes atribuídos à senadora.
"De fato, há entre os contextos de 2010 e 2014 uma relação direta de causa e efeito: o acordo criminoso do aumento da linha de crédito entre Brasil e Angola serviu de base financeira à corrupção na campanha ao governo do Paraná, tanto que os pagamentos de 2014 foram descontados do montante construído em 2010. Assim, os protagonistas daquela primeira corrupção, Lula, Paulo Bernardo e Antonio Palocci foram denunciados porque suas condutas são imbricadas com as de 2014, de modo que a cisão acarretaria prejuízo à qualidade da instrução probatória dos contextos mais recentes", argumentou a procuradora-geral.
Ela também pediu que a investigação de outras pessoas citadas no inquérito - como Oliveiros Domingos, o empresário Bruno Martins Gonçalves e executivos da Odebrecht - seja enviada para a Justiça Federal de São Paulo. Também solicitou que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná envie documentos da prestação de contas de Gleisi em 2014.
Em nota, o PT afirmou que a PGR “atua de maneira irresponsável, formalizando denúncias sem provas a partir de delações negociadas com criminosos em troca de benefícios penais e financeiros. O Ministério Público tenta criminalizar ações de governo, citando fatos sem o menor relacionamento, de forma a atingir o PT e seus dirigentes. Além de falsas, as acusações são incongruentes, pois tentam ligar decisões de 2010 a uma campanha eleitoral da senadora Gleisi Hoffmann em 2014. A denúncia irresponsável da PGR vem no momento em que o ex-presidente Lula, mesmo preso ilegalmente, lidera todas as pesquisas para ser eleito o próximo presidente pela vontade do povo brasileiro”.
A defesa do ex-presidente Lula afirmou que irá "analisar a denúncia da PGR e se pronunciar oportunamente".