domingo, 29 de abril de 2018

Fim do foro privilegiado deve reduzir em 95% ações no STF



Cleide Carvalho, O Globo

Pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar, na próxima quarta-feira, sobre a restrição do foro privilegiado a políticos, atingindo 594 parlamentares da Câmara e do Senado. Pelo novo entendimento da maioria dos ministros, o foro especial deve passar a valer apenas para atos praticados durante o mandato e em decorrência dele. Apenas o ministro Alexandre de Moraes votou até agora pela inclusão também de crimes comuns.

O caso em discussão na Corte é o de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), três vezes prefeito de Cabo Frio. Ele é acusado de distribuir carne às vésperas da eleição de 2008, e seus correligionários foram flagrados trocando notas de R$ 50 por votos. Desde então, Mendes foi prefeito e deputado federal e a denúncia transitou entre o Tribunal Regional Eleitoral (TSE) e o Supremo.
O relator do processo de Mendes no STF é o ministro Luís Roberto Barroso, que viu no caso uma oportunidade de mudar a questão do foro.

— O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça — escreveu o ministro Barroso.

O julgamento da Ação Penal 937 no STF dura um ano. A proposta de Barroso foi apresentada em maio do ano passado. Dos oito ministros que votaram, seis acompanharam o relator. Dois ministros pediram vista — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello apenas divergiu quanto à parte final da tese. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

O STF tem hoje cerca de 500 processos contra parlamentares. De acordo com o quinto relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, apenas 5% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 permaneceriam na corte caso o plenário confirme a tese de Barroso.

FUGINDO DE MORO

A decisão, porém, alcança apenas uma fração dos mais de 54 mil detentores de foro privilegiado no país. O foro é, em si, uma fonte inesgotável de manobras de políticos para atrasar processos. O ex-deputado João Alberto Pizzolatti Junior (PP-SC) tem um caso sui generis. Logo no início das investigações da Lava-Jato, ele surgiu como um dos beneficiários do esquema de propina da Petrobras. Foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter amealhado R$ 460 milhões em propina, em conjunto com os colegas de partido como Pedro Corrêa, Pedro Henry, Mário Negromonte e Nelson Meurer.

Quatro anos depois do início da Lava-Jato, apesar das várias provas acumuladas, a situação de Pizzolatti está indefinida. Ele não tentou se reeleger em 2014, perdeu o foro, mas conseguiu ser nomeado secretário extraordinário do governo de Roraima, onde nunca morou, apenas para escapar do juiz Sérgio Moro.

Nem precisou. Seu caso nunca saiu do Supremo, mas pouco andou. No último dia 20, foi enviado à seção judiciária do Distrito Federal, por determinação do ministro Edson Fachin, que desmembrou o inquérito da cúpula do PP. O advogado de Pizzolatti, Michel Saliba, afirma que ainda não decidiu se vai ou não interpor recurso à decisão de Fachin. Mesmo sem cargo, Pizzolatti tem foro no Supremo porque seu caso está ligado ao de ex-colegas beneficiados.

A governadora Suely Campos, do PP, fez a nomeação, garantindo assim foro privilegiado em segunda instância — Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou Tribunal de Justiça do Estado. Desde então, Suely nomeou Pizzolatti três vezes, mudando apenas o nome da secretaria. Seu salário era de R$ 23 mil. Pizzolatti já não trabalha para o governo de Roraima desde outubro de 2017.

Seu ex-colega Nelson Meurer não teve a mesma sorte. Deve ser julgado em 15 de maio pela Segunda Turma do STF. Meurer deverá ser, assim, o primeiro alvo da Lava-Jato sentenciado na Suprema Corte.