Houve uma época em que Brasília era comparada à Ilha da Fantasia, uma série de TV dos anos 70/80 que contava a história de um lugar paradisíaco onde qualquer desejo podia ser realizado. Na Ilha da Fantasia, as pessoas não se assustavam com nada. Nada as assombrava. Brasília seria assim, o mundo podia explodir que ninguém lá iria se dar conta ou se incomodar. Todo abuso, toda desfaçatez, toda falsidade e toda a hipocrisia humanas eram consideradas absolutamente normais na capital do Brasil. Eu morava em Brasília e achava aquilo um preconceito contra a cidade.
Hoje, 18 anos depois, morando no Rio e visitando Brasília esporadicamente, não acho mais. Para começar, ministros, parlamentares, juízes e outras autoridades públicas que desagradam a um dos lados do Fla-Flu nacional podem se locomover tranquilamente na cidade. Podem ir a restaurante e cinema sem ouvirem xingamentos ou serem objeto de qualquer outro tipo de agressão. Isso é muito bom e civilizado, mas só acontece em Brasília.
Deputados e senadores trocam ofensas feias no plenário e depois trocam amabilidades no cafezinho. Esse é o verdadeiro troca-troca da casa. Mesmo os mais aloprados acabam fazendo carinho depois de esbravejar contra adversários. O senador Lindbergh Farias, por exemplo, depois de chamar a senadora Ana Amélia de fascista e escravocrata, foi a ela e perguntou se estava tudo bem, afinal estão em campos opostos, em partidos distintos, sabe como é. Sei, é assim que a coisa funciona na capital.
Aliás, mudar de partido como quem muda de camisa também não espanta mais ninguém em Brasília. Na atual legislatura, um quarto dos deputados mudaram de lado. Seria inacreditável se não fosse num mundo de fantasia. Significa absoluta falta de identidade política. Tem um deputado, sua excelência Sérgio Brito, da Bahia, que trocou de partido oito vezes ao longo de seus cinco mandatos. Gente do DEM conseguiu abrigo no PT, gente do PT migrou para o PMDB, e em Brasília isso não parece estranho a ninguém.
O senador Aécio Neves foi apanhado com a boca na botija, virou réu no Supremo Tribunal Federal e mesmo vagando como um pária, eventualmente vai ao plenário e faz algumas observações, é evitado pelos colegas, mas quando aborda alguém só consegue conversar se for cochichando. São tantos os senadores encrencados, que é melhor nem contar. Alguns são bem conhecidos: Renan Calheiros, Ciro Nogueira, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Fernando Collor, Gleisi Hoffmann, Humberto Costa, José Serra, Jorge Viana, Kátia Abreu... Esquisito? Não em Brasília.
Pessoas com fichas sujíssimas são nomeadas para o Ministério e todos acham isso normal, afinal não foram “transitados em julgado”. E o benefício da dúvida? E a presunção de inocência? Houve momentos, no time volátil do presidente Michel Temer, em que dez dos 30 ministros tinham problemas com a Justiça. Alguns saíram do Ministério direto para Curitiba. E tem gente que ganha o cargo com o claro objetivo de se beneficiar do foro privilegiado e fugir da Justiça comum. Ninguém em Brasília estranha e todos passam a chamar o indigitado de ministro.
Três juízes do STF (Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Lewandowski) mudaram de uma posição que haviam sustentado em quatro ocasiões anteriores, sem qualquer fato novo, e apenas jornalistas cobraram deles coerência. Os três ministros, na maior cara de pau, fizeram uma reviravolta extraordinária que claramente beneficia o ex-presidente Lula, receberam o aplauso de petistas, como o deputado Wadih Damous, que chama Gilmar de aliado, e a vida segue normal em Brasília.
Na quarta-feira passada, em clima de feira livre, o deputado Jair Bolsonaro pegou no colo o vereador Zé Miúdo, de Itabaianinha (SE), e circulou com ele nos braços no Salão Verde da Câmara. O vereador é anão, mas para por aí a semelhança com o personagem Tattoo, vivido na série pelo ator anão Hervé Villechaize, que era o recepcionista de visitantes e convidados da Ilha da Fantasia. Nos salões de Brasília, aquela brincadeira patética extravagante pareceu a todos a coisa mais normal do mundo. Veja como todos sorriem alegremente na foto de Jorge William.
APARTA QUE É BRIGA
Dois dos mais próximos assessores de Marcelo Crivella quase saíram no tapa numa reunião no gabinete do prefeito. O articulador político Isaías Zavarise partiu para cima do secretário da Casa Civil, Paulo Messina, e só não o atingiu porque foi contido pelo próprio Crivella. O pano de fundo do episódio seria a volúpia com que Messina avança sobre a gestão municipal desde que assumiu o posto em janeiro passado. Bispos e pastores estão irritadíssimos.
O ATOR E O GOVERNADOR
Vejam que conversa interessante que se deu em 2008 entre João Vicente de Castro, ator, e Aécio Neves, então governador de Minas Gerais. Os dois foram apresentados numa festa no Rio, e tiveram o seguinte diálogo:
Aécio - Você pega onda, não é?
João Vicente - Pego, sim, governador.
Aécio - Eu também surfo.
João Vicente - É mesmo, governador?
Aécio - Surfo todos os dias.
João Vicente - Todos os dias, governador?
Aécio - Sim, rerere.
João Vicente - Onde o senhor surfa, governador?
Aécio - Aqui no Leblon, em Ipanema.
João Vicente - Mesmo? Onde o senhor mora, governador?
Aécio - Moro em Ipanema.
João Vicente - Jura? E Minas?
Aécio - Minas está bem. Tudo bem, rerere.
DEFENSORIA PÚBLICA
Quem paga os 37 advogados que trabalham para Marcinho VP, Fernandinho Beira-Mar e Nem? Os próprios? E pode? Leitora do GLOBO me mandou mensagem indagando se dinheiro obtido com o crime pelo qual o criminoso foi condenado pode pagar sua defesa? É o caso destes três. Pelo que se sabe, nenhum deles jamais exerceu atividade remunerada legal que desse para pagar este pelotão de advogados. Cartas para a OAB.
VAI PRA RUA
Funcionário aposentado do Senado, graduado, com renda acima de R$ 30 mil mensais, se cadastrou no Uber e passou a fazer algumas corridas em Brasília. A um passageiro intrigado com aquela história, o aposentado explicou porque faz os bicos eventuais no Uber. “Eu gosto de conversar, mas minha mulher não fala comigo. Vim pra rua”.
MODÉSTIA PRA QUÊ?
O deputado Cacá Leão (PP-BA), relator-geral do Orçamento deste ano, ao falar na tribuna do Congresso sobre projeto de crédito suplementar, na quarta-feira, tranquilizou os parlamentares: “Foram acatadas todas as propostas apresentadas a este nobre deputado e relator que aqui vos fala”. Saudades de Stanislaw Ponte Preta.
HOMELAND SECURITY
Uma perguntinha para o senador Eunício Oliveira e para o deputado Rodrigo Maia, respectivamente presidentes do Senado e da Câmara: Por que os senhores andam pelo Congresso com tantos seguranças? Eunício percorre salões e corredores sempre com sete ou oito deles. Rodrigo, mais modesto, nunca sai do gabinete com pelo menos quatro guarda-costas.