A nova legislação trabalhista cumpriu um de seus principais objetivos, ao barrar a enxurrada de processos abertos na Justiça
A entrada em vigor da reforma trabalhista, em novembro do ano passado, foi precedida por alertas apocalípticos de quem a criticava. Os comentários negativos sugeriam que as novas regras representariam o fim da carteira assinada e haveria uma precarização nas condições do emprego. Pela internet, espalharam-se as indefectíveis fake news, dando conta de que chegariam ao fim o direito de férias e o fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS). Os cinco primeiros meses de vigência da reforma e a análise dos dados do período mostram que, como era de esperar, o cenário catastrófico não se verificou, ainda que empresários e empregados tenham optado por agir com cautela, na expectativa de que os efeitos das novas normas se sedimentem.
O saldo, até aqui, tem sido positivo. O emprego formal, a despeito da retomada econômica ainda frágil, apresenta sinais de melhora na comparação com igual período de anos anteriores. Ao mesmo tempo, não existem indícios de haver uma corrida às novas modalidades de trabalho, como o contrato intermitente (ou seja, sem jornada fixa), ao contrário do que previam os mais pessimistas. Entre novembro e março, apenas 12 800 trabalhadores foram admitidos por esse novo regime. No caso de contratos com jornadas parciais, o número foi um pouco maior: 21 400 pessoas. Isso mostra que não houve, por parte das empresas, uma decisão em massa de aderir a essas modalidades.
Os economistas e juristas afirmam ser cedo ainda para avaliar a real dimensão da nova lei. Mas, em ao menos um caso, ela já deu mostras inequívocas de ter alcançado um de seus principais objetivos: desafogar a Justiça do Trabalho das ações oportunistas e restringir a indústria de processos. Assim que a lei entrou em vigor, o número de novos casos apresentados nas varas do Trabalho de todo o país caiu pela metade. A média mensal foi de 244 000 processos, antes da reforma, para 110 000, depois dela (veja o quadro ao lado). De acordo com juízes e advogados, as queixas passaram a ser mais criteriosas, tratando de causas específicas. Antes, imperava o espírito do “se colar, colou”. Como não havia nenhum tipo de ônus para o trabalhador e para seu advogado em caso de derrota, a lógica, muitas vezes, era entrar com ações oportunistas. Se o juiz as acatasse, tanto melhor. Se não, tudo bem. Agora, quando o trabalhador perde a ação, precisa pagar os custos advocatícios de seu antigo patrão. Isso, por si só, tem agido como fator de dissuasão.
“O valor das novas ações é significativamente inferior ao de antes da nova lei”, diz o juiz Wilson Fernandes, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, onde tramitaram quase 500 000 novos processos em 2017. Segundo ele, existe agora uma predominância de pedidos de verbas rescisórias, enquanto praticamente desapareceram as queixas de danos morais, adicionais de insalubridade e horas extras. “As novas ações estão sendo propostas essencialmente para a cobrança de direitos que os empregados, mediante a análise de seus advogados, sabem que podem comprovar”, constata Fernandes. Se assim for, será um alívio para as finanças das empresas e, também, para as do governo. Apenas a União gasta, a cada ano, 4 bilhões de reais em ações trabalhistas de servidores da ativa, mesmo quando ganha a causa.
O aspecto que tem despertado disputas mais acaloradas, até aqui, diz respeito à contribuição sindical. Em vários estados, sindicatos estão conseguindo obter liminares em primeira instância para obrigar empresas a recolher a contribuição, equivalente a um dia de salário do trabalhador, apesar de a reforma ter determinado com clareza que isso só poderá ocorrer se o empregado autorizar previamente o desconto. Sindicatos alegam que o fim da cobrança é inconstitucional, e essa questão vai ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Até lá, a matéria será julgada de acordo com a interpretação dos juízes das esferas inferiores. Enquanto o STF não se pronuncia, espera-se que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) mantenha o espírito da nova lei. “Ainda que possa haver resistência à aplicação de alguns pontos da reforma nas varas do Trabalho, o TST, que é a instância máxima, tem sinalizado que vai aplicar o texto”, afirma Rodrigo Takano, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Machado Meyer.
Na semana passada, caducou uma medida provisória (MP) do governo que regulamentava alguns pontos da nova lei. A MP deixava claro, por exemplo, que as regras valem para todos os trabalhadores, e não apenas para aqueles contratados a partir de novembro. Entretanto, a MP, criada para dar clareza, havia se transformado em um mostrengo com quase 1 000 emendas, muitas delas na contramão do espírito da lei. No final, o governo e sua liderança parlamentar acharam por bem não batalhar pela sua aprovação. “Não é preocupante a MP ter caducado, porque ela fazia ajustes secundários, com exceção de um ponto, que era estabelecer uma referência para o valor da indenização por dano moral”, diz o economista especializado em relações trabalhistas Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo. “Com o tempo, as próprias negociações coletivas deverão padronizar as condições dos empregados e será criada uma jurisprudência sobre a aplicação das normas.”
Estuda-se ainda a necessidade de editar um decreto para tratar de pontos que deixem margem a dúvidas ou que precisem de regulamentação. O governo e os parlamentares ainda não bateram o martelo. O essencial, de todo modo, é eliminar qualquer insegurança jurídica que paire sobre o assunto. Do contrário, nem os empresários, nem os trabalhadores terão a confiança de que as novas regras são para valer. Um eventual limbo jurídico é tudo de que o país não precisa, sobretudo neste momento de retomada gradual do crescimento. As empresas tenderiam a esperar regras mais claras antes de contratar — e os prejudicados seriam os mais de 13 milhões de desempregados.