domingo, 29 de abril de 2018

"A hora da conciliação", editorial do Estadão

Os brasileiros passaram os últimos 30 anos sendo instigados ao confronto. Não por acaso, esse período coincide com a formação e a consolidação do Partido dos Trabalhadores, cuja aguerrida militância fez da raiva sua principal ferramenta política, impossibilitando qualquer forma de diálogo com quem não fosse petista.
Tal indisposição democrática gerou os esperados frutos, na forma de um antipetismo igualmente feroz e intolerante – o que viabilizou até mesmo uma candidatura presidencial que faz da truculência seu projeto de governo. Pode-se dizer que o estado de conflagração estimulado por esses dois agrupamentos é precisamente o que lhes fornece argumentos para existir – e cada um dos lados se apresenta como guardião da democracia contra as arremetidas autoritárias do adversário.
O problema é que essa atmosfera belicosa acabou por sequestrar a agenda nacional. Tudo hoje no País parece submetido a essa lógica excludente – o famoso “nós contra eles” enunciado pelo chefão petista Lula da Silva e adotado com igual vigor pelos grupelhos de extrema direita.
O diálogo e o bom senso encontram-se interditados. Salas de aula de escolas e universidades foram transformadas em bunkers de uma imaginária “resistência” contra o avanço dos “fascistas”, que é como muitos professores e alunos que se dizem “progressistas” qualificam quem não aceita a revelação petista. Essa atmosfera se espraiou por salas de teatro e museus, gerando previsível reação, muitas vezes violenta, dos radicais antipetistas.
Do mesmo modo, manifestações políticas nas ruas são hoje marcadas pelo discurso do ódio, seja por parte de quem se manifesta, seja por parte de quem a elas se opõe. Não há ali nenhuma proposta para construir um país melhor, que envolva todos os brasileiros; só há o aprofundamento de uma divisão criada por quem lucra com uma ilusória “luta de classes”.
Mas a atmosfera de cizânia não se limita ao choque entre petistas e antipetistas. Jacobinos empregados no Judiciário e no Ministério Público, por exemplo, colaboram decisivamente para dividir o País entre os bons e os maus, sendo que os maus são os políticos em geral, considerados corruptos irregeneráveis, e os bons são aqueles que não descansarão enquanto não desmoralizarem toda a classe política. A necessária luta contra a corrupção, assim, tem servido como instrumento dos que se julgam investidos do dever de purificar a democracia nacional.
Não há diferença essencial entre esses movimentos. Todos eles se julgam moralmente superiores a seus antagonistas declarados, a todos aqueles que ousam lhes dirigir críticas e também aos que lhes são indiferentes. É essa irredutibilidade, exercitada principalmente nas redes sociais, que está fazendo a política degenerar em rinha de galo.
Nesse clima apocalíptico, a campanha presidencial por ora tem se limitado à especulação sobre quem, entre os candidatos, está mais bem apetrechado para desbaratar o lulopetismo, o extremismo de direita e/ou a corrupção em geral – a depender do freguês –, como se esses fossem os aspectos fundamentais da disputa e, portanto, do futuro do País.
O Brasil que sairá das urnas em outubro dependerá muito do surgimento de líderes políticos capazes de virar essa página e de propor outra agenda, com as verdadeiras prioridades do País. Antes de mais nada, é preciso que haja candidatos que demonstrem disposição de governar para todos, e não contra quem quer que seja. Isso significa que o vencedor da próxima eleição não pode tratar os adversários – nem muito menos os eleitores destes – como inimigos. Ao contrário: o momento é, justamente, de conciliação.
E por conciliação não se entenda ausência de divergência, pois essa é justamente a utopia dos autoritários que ora se digladiam pelo poder. Uma verdadeira democracia, com o perdão do truísmo, se constrói com a participação ativa de polos opostos. Por essa razão, que devia ser evidente para todos, é preciso que haja maturidade suficiente dos atores políticos para aceitar, finalmente, que política não é intimidação nem pensamento único, mas diálogo, aceitação da alternância de poder e capacidade de fazer concessões. 
Fora disso, é a barbárie.