quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Receita vê indícios de crimes com moedas virtuais e começa a fiscalizar mercado

A Receita Federal vai exigir que transações envolvendo moedas virtuais feitas a partir do mês desta quinta-feira (1º) passem a ser comunicadas ao órgão. 
O objetivo é fiscalizar as transações para combater crimes desonegação, lavagem de dinheiro e corrupção. 
Esta é a primeira regulação sobre criptoativos no Brasil. Até hoje, Banco Central e CVM (Comissão de Valores Mobiliários) não têm regras sobre o tema. 
A medida da Receita foi tomada diante do diagnóstico de que as transações com moedas virtuais têm crescido no mercado brasileiro sem o devido acompanhamento por parte das autoridades, o que facilita a prática de ilícitos.
Iágaro Jung Martins, subsecretário de Fiscalização da Receita, afirma que a escalada no volume de transações exige dados mais qualificados a serem analisados pelas autoridades
Iágaro Jung Martins, Secretário de Fiscalização da Receita Federal - Mateus Bonomi/Folhapress
O portal Bitvalor, indicado pela Associação Brasileira de Criptoeconomia como uma das referências de dados sobre o tema, calcula que o valor negociado de bitcoins (principal moeda virtual) no mercado brasileiro foi de R$ 2,89 bilhões de janeiro a junho de 2019.
O crescimento é de 186% em relação ao mesmo período de um ano atrás.
Na visão da Receita, as plataformas digitais têm características que incentivam o anonimato e, em consequência, a prática de crimes.
“É um ambiente novo e difícil de ser controlado”, afirma Martins. “Existe possibilidade de sonegação, até pela falta de informações sobre as operações.”
De acordo com a norma, terão de apresentar informações mensalmente toda pessoa física e jurídica domiciliada no Brasil que movimente ao menos R$ 30 mil por mês em ativos virtuais. 
A regra vale para compra e venda e também para casos como doações.
O primeiro conjunto de informações deve ser entregue em setembro, referente às operações de agosto. As informações devem ser prestadas de forma eletrônica, pelo site da Receita. 
corretora de criptoativos (chamada de “exchange”) domiciliada no Brasil também precisará prestar informações, tanto mensalmente como anualmente. 
Deverão ser informados em cada operação dados como a data da operação, o tipo, os titulares da transação, os criptoativos usados, a quantidade negociada e o valor. 
A Receita pretende identificar quem não prestar informações principalmente a partir das informações das corretoras. 
De acordo com o fisco, as omissões podem representar indícios de sonegação de rendimentos ou de ganhos de capital. 
A atuação da Receita nesses casos levaria à aplicação das alíquotas devidas mais multas que podem variar de 75% a 150% do montante não declarado, além da possibilidade do surgimento de investigações.
As transações com criptoativos estão sujeitas ao IR (Imposto de Renda) de ganho de capital quando a venda for superior a R$ 35 mil por mês. A alíquota aplicada varia de 15% a 22,5% dependendo do ganho registrado.  
Martins afirma que a norma não tem intenção de elevar a arrecadação, mas de garantir as informações necessárias ao fisco.
No futuro, diz ele, a Receita pode atuar em conjunto com órgãos de outros países para aumentar ainda mais o controle sobre os dados. 
Fernando Furlan, presidente da ABCB (Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain), afirma que as menores corretoras vão ter mais dificuldades para atender as regras.  
A entidade entrou em contato com a Receita para buscar modificações nas normas publicadas e o fisco respondeu retirando algumas obrigações, como a de fornecer o histórico das transações por meio da carteira (a “wallet”) do operador. 
De qualquer forma, Furlan vê a regulação como benéfica para o setor.
“Dá mais segurança jurídica não só aos usuários como também às empresas. A opinião pública não vai confundir quem é serio com os oportunistas”, afirma. 
A medida entra em vigor enquanto autoridades afirmam investigar o suposto uso de moedas virtuais no caso das informações hackeadas de autoridades como o ministro Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol. A Receita não comenta o caso.

Fábio Pupo, Folha de São Paulo