sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Sudeste concentra dois terços das startups do agronegócio no Brasil

Levantamento Radar AgTech, liderado pela Embrapa e pelo fundo SP Ventures, indica que País tem 1.125 empresas do setor; para especialistas, concentração se explica por presença de universidades e polos de inovação



Os quatro Estados da região Sudeste concentram 66% das startups dedicadas ao agronegócio (agtechs, no jargão do ramo) do Brasil, com 739 empresas do segmento – ao todo, o País possui 1.125 empresas de tecnologia no setor. Os dados fazem parte do estudo Radar AgTech, que será divulgado nesta sexta-feira, 30, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pelo fundo SP Ventures e pela consultoria Homo Ludens, e foram obtidos com exclusividade peloEstado.
Segundo o levantamento, a região Sudeste é seguida pelo Sul, com 257 startups “agro”. O Centro-Oeste tem 71 empresas, enquanto o Nordeste tem 41 e a região Norte, apenas 16. Para chegar ao número, o Radar Agtech fez um 'levantamento ativo': realizou buscas em sites, consultou bases de dados de investidores, investigou a relação de startups inscritas em programas de aceleração e monitorou editais e eventos do setor. 
Francisco Jardim, do fundo SP Ventures: capital e mão de obra são desafios às agtechs
Especialistas ouvidos pela reportagem disseram que a concentração nas regiões Sul e Sudeste – que contemplam quase 90% das agtechs do Brasil – ocorre pela presença de capital humano qualificado, grande mercado consumidor, disponibilidade de investidores e pela força do agronegócio na região. Juntas, as duas grandes regiões têm 107 milhões de habitantes e seis dos dez Estados mais ricos do Brasil. 
"A concentração se explica pela presença de parques tecnológicos e polos de inovação, assim como a quantidade de universidades e institutos de pesquisa. As dificuldades de desconcentrar são inerentes à existência de ambientes de inovação", disse Cleidson Dias, da secretaria de inovação da Embrapa e responsável pelo levantamento na empresa. Apesar disso, ele afirma que existem comunidades e ecossistemas de inovação nos Estados da região Norte e Nordeste despontando na criação de agtechs, principalmente por conta da união do setor privado e do público. 
Para Francisco Jardim, do fundo estadual SP Ventures, especializado em agtechs, destaca, no entanto, que existe uma descentralização maior no setor no que de outras startups. Isso porque há uma forte presença de agtechs em cidades como Piracicaba, Ribeirão Preto e Campinas, por exemplo – os três municípios, juntos, são berço de 116 empresas de base tecnológica focadas no agronegócio. 
Os dados do Radar AgTech, porém, levam em consideração apenas a cidade de origem de startups. Em julho, uma reportagem publicada pelo Estado mostrou que Piracicaba era a “capital das agtechs”, reunindo cerca de 120 empresas do tipo – as informações, da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), consideram não só as startups que nasceram na cidade, mas também as que têm um escritório por lá. 
Para o presidente da Embrapa, Celso Moretti, a empresa estatal pode auxiliar no desenvolvimento de novas soluções em todas as regiões do País – e é preciso capilarizar a inovação. Hoje, a Embrapa tem 43 unidades em todo o território nacional e se prepara para organizar eventos como o AgTech Meio Norte, que levará discussões de pesquisa e inovação ao Piauí. 

Capital, mão de obra e formação são desafios para setor

Para Francisco Jardim, o desenvolvimento de agtechs no Brasil enfrenta desafios como uma estrutura tributária complexa, falta de mão de obra qualificada e escassez de capital. Apesar disso, ele diz que o Brasil está na vanguarda de uma grande transformação tecnológica pela qual passa o agronegócio – sua expectativa é de que o Brasil tenha papel fundamental no aumento do fornecimento de alimentos, resolvendo o problema da insegurança alimentar prevista para as próximas décadas. Segundo a ONU, um dos principais problemas globais, em 2050, será como por comida na mesa dos 10 bilhões de habitantes da Terra. 
Para Jardim, situações como a falta de estrutura, especialmente conectividade, atrasaram o desenvolvimento das agtechs. Citou ainda a complexidade do setor, que demanda conhecimentos em agronomia, economia, meteorologia, biologia e programação. Outro aspecto é o de o agro ser uma "indústria a céu aberto", de modo que há muitas variáveis que podem impactar no resultado final. 
Na visão do pesquisador Guilherme Raucci, da FGV-SP, é preciso modernizar as linhas de financiamento para que mais produtores e empresários possam investir nas soluções oferecidas pelas agtechs. Ele também defende a capacitação profissional. "É um ambiente de transformação muito rápida. Faltam habilidades de programação, negócios, mas também de saber lidar com incertezas, ter uma ideia, testar rapidamente e mudar. As pessoas não saem da faculdade preparadas para um mercado que exige esse aprendizado constante".

Paulo Beraldo - O Estado de S. Paulo