sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Juízes Bonat e Gabriela Hardt atuam a quatro mãos na Lava Jato após saída de Moro

Responsável pela segunda condenação do ex-presidente Lula no Paraná, a juíza federal Gabriela Hardt foi autorizada a despachar em casos da Lava Jato em conjunto com o sucessor de Sergio Moro na operação, Luiz Antonio Bonat.
Portaria publicada pela Corregedoria Regional da Justiça Federal estabelece que a juíza, que demonstrou em decisões alinhamento com o ex-juiz, atuará em regime de auxílio, até novembro, nas etapas anteriores à apresentação de denúncia e posteriores à publicação da sentença em casos da operação. Bonat, portanto, ficaria com a exclusividade no dia a dia de ações penais já abertas.
Esse tipo de divisão de tarefas não costumava acontecer na época em que Moro, hoje ministro da Justiça, era responsável pela operação na Justiça Federal no Paraná. A juíza despachava na operação geralmente apenas na ausência do titular, como férias e licenças. 
Depois que Moro anunciou sua ida para o governo Jair Bolsonaro, Hardt comandou interinamente a Lava Jato no Paraná, de novembro do ano passado até março. Em fevereiro, expediu a sentença que condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP) —e acabou se tornando alvo de críticas de apoiadores do petista. Essa decisão está sob apelação na segunda instância.
Bonat, que anteriormente atuava em assuntos previdenciários, foi escolhido por meio de um concurso interno, e começou a atuar como titular da 13ª Vara Federal em 6 de março. 
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A resolução que trata das atividades da juíza passou a valer em maio passado. Mesmo sem expedir condenações, o papel da magistrada na operação ganha importância porque ela tem a possibilidade, por exemplo, de autorizar novas operações, que podem incluir ordens de prisão preventiva, buscas e quebras de sigilo.
A Vara Federal paranaense tem sob sua guarda um número incerto de desdobramentos da Lava Jato que podem originar novas etapas, como inquéritos não concluídos e capítulos de delações enviados ao estado por conexões com casos já julgados, como depoimentos de colaboradores da Odebrecht e da JBS. 
Além disso, há uma infinidade de questões paralelas de fases antigas da Lava Jato que exigem manifestações dos juízes, como questionamentos de investigados e investigadores e a administração de restrições impostas aos suspeitos.
Bonat esteve em férias em julho. Neste mês, a mais recente operação da Lava Jato no Paraná, deflagrada no dia 23, foi despachada por Hardt. Batizada de Pentiti, a 64ª fase incluiu mandados de busca contra o banqueiro André Esteves, contra o banco BTG Pactual e contra a ex-presidente da Petrobras Graça Foster.
Duas medidas determinadas por Hardt na ocasião despertaram controvérsia. Uma delas foi a ordem de busca no edifício onde funcionava o escritório do advogado José Roberto Batochio, que já defendeu políticos como Lula, e que supostamente seria destinatário de repasses da Odebrecht.
A outra foi o aval para buscas de documentos do ex-executivo da Odebrecht Maurício Ferro relativos a seu relacionamento e tratativas com jornalistas. Essa ordem acabou não concretizada porque o suspeito já havia sido alvo de outra fase da Lava Jato na mesma semana. 
Também na semana passada, Hardt se encontrou com o ex-juiz Moro em uma agenda da Associação Paranaense dos Juízes Federais, na qual defendeu o veto à lei de abuso de autoridade. 
A juíza federal Gabriela Hardt em encontro com o ministro Sergio Moro
A juíza Gabriela Hardt em encontro com o ministro Sergio Moro, em foto divulgada no perfil dele em rede social no dia 22 - Reprodução Twitter
Na sentença do caso de Atibaia, ela se mostrou em sintonia com as teses de Moro, como a validade dos depoimentos de delatores sobre o assunto e o vínculo do caso com a Petrobras.
Foi criticada à época por chamar no texto, por engano, a propriedade rural de "apartamento", no que foi interpretado pela defesa de Lula como um plágio da sentença do caso tríplex, expedida pelo hoje ministro da Justiça em 2017.
Em depoimento de Lula nessa ação penal, Hardt repreendeu o ex-presidente, que reclamava da acusação: "Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema".
O volume de ações penais da Lava Jato neste ano aumentou na vara responsável pela operação, e Bonat ainda não expediu nenhuma sentença até agora. Foram abertas oito novas ações, com alvos como os ex-senadores do MDB Romero Jucá (RR) e Edison Lobão (MA).
Entre os casos pendentes está a única ação não julgada contra Lula no estado, sobre a compra de um terreno pela Odebrecht.
Discreto, o sucessor de Moro na Vara Federal pouco deu declarações públicas desde que assumiu o posto. A exceção foi sua participação em ato na Justiça Federal, em Curitiba, contra o projeto de lei de abuso de autoridade, no último dia 19, no qual chegou a falar com jornalistas sobre esse tema.
A agenda de audiências do sucessor de Moro nos últimos meses foi tomada por depoimentos de uma das maiores ações penais da história da Lava Jato, sobre a construção da sede da Petrobras em Salvador, que envolve as empreiteiras OAS e Odebrecht. Esse único caso tem 42 réus.
A reportagem questionou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que administra as varas federais no Sul do país, e a Justiça Federal no Paraná sobre os motivos da designação da juíza para o auxílio na Lava Jato. Também perguntou se houve anteriormente medidas desse gênero na época em que Sergio Moro conduzia a operação em Curitiba. Mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, os tribunais pelo país têm autonomia para estabelecer arranjos desse tipo como forma de otimizar os trabalhos das varas. As normas são fixadas nos regimentos internos.
  
"Às vezes, o acúmulo de determinada vara leva a que se peça um auxílio de outro juiz. O tribunal, então, defere. Vendo o acúmulo de trabalho, pode determinar que se faça a convocação para auxílio", diz o professor de direito da Universidade de Brasília Pedro Paulo Castelo Branco Coelho, que é juiz federal aposentado.
A divisão estabelecida na 13ª Vara, em que Bonat conduz os processos já abertos, evita que uma mesma ação penal tenha medidas de teor conflitante ao longo da tramitação.
A designação de Hardt para essa função teve um efeito cascata até sobre outra vara de Curitiba. Conforme outra portaria da Justiça Federal, a 9ª Vara Federal auxiliará a juíza em casos que eram da atribuição dela, e que não tinham elo com a Lava Jato.

A DIVISÃO DE TRABALHOS NA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA

Portaria expedida pela Justiça em maio estabelece que Gabriela Hardt atuará em regime de auxílio na 13ª Vara Federal, inclusive em casos da Lava Jato. O documento estabelece que o prazo vai de maio até o fim de novembro e fixa uma espécie de divisão de tarefas
Do inquérito ao oferecimento da denúncia
Gabriela Hardt é autorizada a tomar decisões ligadas à investigação, como:
  • Expedição de mandados de busca e apreensão
  • Mandados de prisão preventiva
  • Autorização de quebra de sigilo fiscal e/ou bancário
  • Autorização para realização de interceptações telefônicas
Da denúncia à sentença 
Bonat toma as decisões relativas ao julgamento. É ele quem:
  • Decide se aceita a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal
  • Ouve as partes do processo
  • Interroga testemunhas
  • Profere a sentença
Da sentença ao encerramento do processo 
Depois que a sentença foi proferida, Hardt está autorizada a cuidar da interface com as instâncias superiores. Ela pode:
  • Autorizar o envio do processo ao TRF-4 (segunda instância)
  • Expedir ordens decorrentes de decisões de instâncias superiores, como mandados de prisão
O que diz a lei sobre o caso
Quais os motivos para a designação em regime de auxílio? 
A Justiça Federal e o TRF-4 não responderam a perguntas da reportagem. Segundo especialistas, porém, a medida costuma ser adotada quando há um grande volume de trabalho em uma divisão da Justiça. Na Vara da Lava Jato, por exemplo, há ao menos 35 ações penais abertas pendentes de sentença, além de um número incerto de procedimentos que podem gerar novas fases da operação 
A divisão está prevista em lei?
Especialistas afirmam que os tribunais pelo país têm autonomia para fazer arranjos desse tipo que contribuam para que a Justiça atue como mais celeridade em casos

Felipe Bächtold, Folha de São Paulo