Tinha uma barba negra cerrada e uma cabeleira eriçada. Aos 27 anos se transformara num dos mais destacados repórteres da imprensa carioca. Eu o admirava como profissional e ficamos amigos pelo resto de vida. Corria o ano de 1979. O Brasil vivia o início do fim de um ciclo com a aprovação da Lei da Anistia, a volta dos exilados, libertação de presos políticos e fim da censura à imprensa, medidas concretas para o tal retorno gradual e seguro ao regime democrático patrocinadas pelo governo do presidente João Figueiredo. Militante de esquerda saído do movimento estudantil, baiano de fala macia e raciocínio veloz, Chico Viana era ator e testemunha cotidiana destas mudanças.
Junto com Denis de Moraes preparava um livro-entrevista contando a história e a trajetória de Luiz Carlos Prestes, maior líder comunista de todos os tempos. Um longo depoimento do Cavaleiro da Esperança, comandante da Intentona Comunista de 1935, marido de Olga Benário e pai de Anita Leocádia. Naquele fim dos anos 70 e início dos 80, os militares viviam um momento de esgotamento político depois de governarem o país por mais de 15 anos. Ainda ficariam outros 5 no poder até março de 1985, quando Figueiredo deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral sem entregar a faixa presidencial a José Sarney.
Tempos turbulentos, muito parecidos com os de agora, só que ao revés, com o país dividido e a esquerda tentando se impor à direita e ao centro, como uma necessidade de sobrevivência política e de resgate da grande derrota de 1964. Chico Viana sempre foi um sujeito especial, capaz de grandes insightsjornalísticos e textos incrivelmente bem escritos. Era antes de tudo um cavalheiro, impecável, elegante, incapaz de uma grosseria. Passou pelo Globo, IstoÉ e jornal Repórter, este último um dos projetos mais incríveis da imprensa alternativa comandado por Luiz Alberto Bittencourt e Ricardo Bueno. O Repórtertinha Chiquito Chaves como principal fotógrafo, autor das imagens onde para sempre estão registrados os últimos segundos de vida do lendário policial-bandido Mariel Mariscott de Mattos, assassinado a tiros dentro de um carro em pleno centro do Rio.
Chico viveu estes momentos intensamente. Era capaz de escrever uma grande reportagem num dia e, no outro, sumir com sua amada da vez para ressurgir dias depois completamente zen. Transformou a grande paixão da sua vida, o verdadeiro amor como dizia, num romance escrito com o esmero de uma bordadeira nordestina. Ao longo dos anos se transformou em uma referência no mundo da comunicação. Um talento admirado por grandes empresários e especialmente por um dos maiores banqueiros do país, para quem Chico produzia textos e editava livros. Com o passar dos anos foi perdendo os cabelos com a mesma velocidade com que se transformava num dos mais respeitados intelectuais de São Paulo. Apaixonado por comunicação, escreveu o clássico De Cara com a Mídia, seguramente um dos melhores livros sobre comunicação corporativa já publicados.
Virou doutor em Filosofia Política com uma tese sobe Ernst Bloch. Depois de cortejado pelos donos do capital, no fundo continuava sendo o mesmo comunista de antigamente. Nos últimos anos Chico começou a enfraquecer. A cada encontro, uma dificuldade. Um dia fomos a um restaurante colombiano perto da avenida Paulista e ele não encontrou fôlego para subir uma ladeira. Fizemos uma parada no meio do caminho e outra mais adiante. A diabetes era um incômodo para um devoto da vida e seus prazeres. Chico voltou para a Bahia, em Salvador reencontrou Verona e o amor dos seus 20 anos. “She makes me feel so young”, brincava cantarolando Sinatra.
O coração decidiu parar no dia 25 de agosto e Chico foi embora deixando para trás uma Salvador dourada de Sol, perfumada de dendê e embalada de música na festa de ócio dos domingos baianos. Morreu ao lado de Verona, este reamor dos seus quase 68 anos que completaria 18 de setembro. Saiu de cena levando a suavidade que fez dele alguém inesquecível.
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