quarta-feira, 1 de maio de 2019

'Pompeia", por Miranda Sá

“Saudade da justiça pura, imaculada. Aquela que não olha a quem nem o rabo de ninguém. A que não olha o bolso também” (Rui Barbosa)
Temos um exemplo histórico que lembra Pompeia Sula, a segunda esposa de Júlio César, viúvo de Cornélia, falecida no parto de um filho natimorto. Casaram-se em 67 a.C., quando ele voltou à Roma após servir como questor na Espanha.
No tempo em que se estudava História, aprendia-se que César foi o conquistador das Gálias e instalou a ditadura, assumindo depois como imperador de Roma. Quando imperava, Pompeia realizou em casa um festival em homenagem a Bona Dea (“boa deusa”), onde nenhum homem poderia participar.
Disfarçado de mulher, um jovem patrício, Públio Clódio Pulcro, participou do evento sendo preso e processado por sacrilégio. Mesmo sem evidência, correu o boato de que ele se chegava a Pompeia no intuito de seduzi-la. César, porém, perdoou-o e ele foi inocentado.
Mais tarde, debaixo da boataria que chegava até as classes inferiores, o Imperador se divorciou de Pompeia sob o argumento de que “minha esposa não pode alimentar dúvida, nem estar sob suspeita”. Assim, legou à posteridade o provérbio “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
Os que me acompanham no Twitter sabem que respeito as opiniões divergentes, e como Voltaire, proponho-me a defender até a morte o direito alheio de expressá-las; mas adoto a tese de que “quem assume um cargo nos poderes da República não basta ser digno, mas deve assumir a dignidade”.
Isto vai do vereador, passando por todos cargos eletivos no Legislativo e no Executivo e ainda mais exigível aos magistrados das cortes superiores, de quem a sociedade espera que execute a justiça boa e perfeita, como os crentes esperam de Deus.
Vivemos, entretanto, uma época embaralhada. Lembro-me de que a ex-ministra do STJ Eliane Calmon, quando esteve na Corregedoria-Geral da Justiça Federal fez duras críticas ao STF, deixando o formigueiro corporativo da Justiça em polvorosa.
O então presidente do Supremo, o ex-ministro Cezar Peluso, tatuado pelo corporativismo, criticou a Ministra dizendo que tal declaração enlameava a honra dos magistrados…
Pela formação e índole, Peluso usou palavras corteses, deixando uma lição – ao meu modo de ver – que não repercute entre os seus sucessores catedráticos no plenário da Alta Corte de Justiça. Alguns não se preocupam com o aprendizado histórico preferindo cultuar a vaidade.
Um recente ataque, mais contundente do que o de Eliane Calmon, parte do ministro Luiz Roberto Barroso que em palestra na Universidade de Columbia (EUA), disse que o STF vive um momento de descrédito sob o ataque de grande parte da sociedade, porque alguns ministros atuam abertamente contra o combate à corrupção no País.
No ano passado, Barroso dissera que há gabinetes no Supremo “distribuindo senha para soltar corruptos”. Então foi recriminado, mas tudo ficou como dantes, com farta e repetitiva distribuição de alvarás de soltura para corruptos.
É triste constatar que mesmo diante dos protestos, temos togados insistindo na tentativa (inútil, numa Democracia) de divinizar suas personalidades. Blindam-se contra críticas, muitas vezes justas, e erguem altares que só convencem os sonhadores acadêmicos de Direito e (sempre) os advogados bajuladores que tiram proveito de relacionamentos suspeitos.
Infelizmente, nenhum instituto de pesquisa se atreve a fazer um levantamento sobre a avaliação popular da magistratura, particularmente dos togados; mas quem tem os pés no chão, anda de metrô ou ônibus, faz compras em supermercados, farmácias e hortifrútis, sabe muito bem.
O povo brasileiro, esclarecido pelas redes sociais, ainda não esqueceu a saga criminosa do juiz Lalau, nem o vergonhoso caso do juiz federal que após condenar um réu, foi flagrado dirigindo o carro de luxo dele, apreendido por sua ordem.
Esses exemplos foram ampliados agora com o atual presidente do STF, Dias Toffoli, promovendo repressão policialesca contra os seus críticos e atentando contra a liberdade de imprensa de forma totalitária e egocêntrica. Assim, rasga de vez a Constituição.