segunda-feira, 4 de março de 2019

Dinheiro da Lava Jato banca reforma em escolas e cria fundo anticorrupção. Finalmente, parte da grana roubado por Lula e sua organização criminosa é recuperada e aplicada em benefício do cidadão

De uma joalheria para uma escola em São Gonçalo (RJ). Esse foi o atípico percurso feito no ano passado por recursos recuperados na Operação Lava Jato —e que deverá ser seguido por outros milhares de euros, dólares e francos suíços em breve.
Prestes a completar cinco anos, a investigação que desnudou um esquema de corrupção na Petrobras e em outros entes públicos pelo país se prepara para criar um inédito e bilionário fundo anticorrupção, a ser investido em projetos de educação, cidadania e transparência.


Dinheiro apreendido pela Polícia Federal em maio de 2017 na Operação Patmos
Dinheiro apreendido pela Polícia Federal em maio de 2017 na Operação Patmos
Reprodução
Em paralelo, outros recursos recuperados em delações, acordos de leniência e multas judiciais foram aplicados na reforma de escolas públicas no Rio, num formato que se estuda replicar pelo país.
"Serão milhões de reais por ano. É um legado permanente", afirmou à Folha o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná.
No total, a Lava Jato estima já ter recuperado pelo menos R$ 3 bilhões até aqui, entre valores repatriados, multas e recursos devolvidos por delatores e empresas.
No Paraná, a Procuradoria é a atual curadora dos valores que darão origem ao bilionário fundo anticorrupção. O primeiro aporte foi feito em janeiro: foram R$ 2,5 bilhões pagos pela Petrobras, como parte de um acordo da estatal com o Departamento de Justiça americano.
O dinheiro deve render cerca de R$ 160 milhões por ano. Metade dos valores irá para eventual ressarcimento de investidores da Petrobras que acionem a estatal na Justiça.
A outra metade será administrada por uma fundação independente, a ser formada por membros e entidades da sociedade civil, que farão a seleção de projetos anticorrupção a serem financiados.
O formato não é convencional na Justiça brasileira. Mas é uma prática comum —e com bons resultados— em outros países, diz o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão.
"É uma novidade no Brasil, mas não é uma novidade fora", afirma, citando o caso da multinacional alemã Siemens, que, após ter admitido desvios pelo mundo, foi obrigada pela Justiça a fazer investimentos em políticas anticorrupção em vários países. 
O fundo da Lava Jato, estabelecido em acordo entre a Petrobras, o Ministério Público Federal e o Departamento de Justiça americano, pode bancar ações "que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção".
Entram na lista estudos sobre transparência, programas voltados a populações afetadas pela paralisação de obras da Petrobras e até a reparação de direitos afetados pela corrupção, inclusive difusos, como saúde, educação e meio ambiente.
É algo semelhante ao que já ocorreu no Rio de Janeiro, onde parte dos valores recuperados pela força-tarefa da Lava Jato foi direcionada à segurança pública e à reforma de seis escolas estaduais com graves deficiências estruturais.
No caso das escolas, a iniciativa foi concebida pela procuradora da República Maria Cristina Manella Cordeiro, especializada em educação, que idealizou a parceria entre o Ministério Público e o governo estadual. Os R$ 19 milhões investidos vieram de multas pagas por diretores da joalheria H. Stern, que fizeram delação premiada.
"É uma nova forma de atuar. Em vez de ficar correndo atrás do prejuízo, a gente previne", disse Manella à Folha.
As iniciativas também coincidem com críticas ao chamado ativismo judicial, quando o Judiciário extrapola suas competências e se imiscui na atividade de outros poderes.
Os procuradores refutam a acusação e afirmam que continuam cumprindo seu papel de defender os interesses da população. "A gente tem que saber até aonde ir. A escolha das escolas a serem reformadas, por exemplo, partiu da secretaria da Educação, para não invadir a competência do poder público", afirma Manella.
Para o juiz Marcelo Bretas, que autorizou a aplicação dos recursos, a iniciativa está "em total consonância" com a lei, que estabelece que multas compensatórias por crimes com vítimas indiretas podem ser destinadas a entidades públicas ou privadas com atuação social.
No Rio de Janeiro, a ideia ainda está em execução: para assegurar a lisura dos investimentos, o termo de cooperação técnica, assinado um ano atrás, exigiu a licitação de projetos executivos, que ficaram prontos recentemente.
Só agora vai começar a licitação das obras, num processo fiscalizado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). "E o risco de dar essa verba ao estado, para depois desviarem tudo de novo?", comenta a procuradora. "A gente tinha que dar transparência a esses recursos."
No caso do fundo bilionário, a governança será feita por uma fundação. O MPF articula a criação da entidade, em parceria com outros órgãos do poder público e da sociedade civil, num processo a ser homologado pela Justiça.
O termo de acordo prevê a consulta de pelo menos cinco entidades para a indicação de nomes à fundação, a criação de um conselho fiscal, a vedação a qualquer membro com atuação partidária e a prestação mensal de contas.
"A crítica [de exacerbação do papel do judiciário] seria razoável se o Ministério Público determinasse, de maneira discricionária, o destino dos recursos. Mas não é isso que está acontecendo", diz Brandão. "Eles não estão se apropriando dos recursos; estão envolvendo para a sociedade."
Para ele, todos os fundos públicos, em especial os que congregam recursos judiciais (de multas, acordos ou indenizações, por exemplo), deveriam seguir o mesmo formato.
"Da forma como é hoje, esses fundos acabam sendo contingenciados para fazer superávit", afirma. "Há um descontrole muito grande; há pouquíssima transparência ou governança."
A parceria para as reformas de escolas no Rio, por exemplo, já foi replicada na Procuradoria de Goiás, e deve ser estendida a outros estados.
Outras organizações também defendem a iniciativa.
"É um recurso que volta à sociedade em forma de prevenção, que cria uma cultura da integridade", afirma Roni Enara, diretora-executiva do Observatório Social do Brasil.
"Onde começa a corrupção? Começa com pequenos desvios que são tolerados pela população. A gente precisa falar na ponta, e precisa de investimento para isso", diz.
A fundação que irá administrar o fundo bilionário da Lava Jato ainda está em criação. O Ministério Público Federal estima que esse processo dure até meados deste ano.

Estelita Hass Carazzai, Folha de São Paulo