Culpado ou inocente, Brett Kavanaugh já foi julgado nos tribunais virtuais. Nas redes, na imprensa convencional e até em programas humorísticos, ele passou de acusado de agarrar uma menina quando tinha 17 anos a estuprador, individual ou em grupo.
O comediante Jimmy Kimmel propôs: “Se Kavanaugh for confirmado para a Suprema Corte, em troca nós cortamos fora aquele pênis inconveniente na frente de todo mundo”.
O público veio abaixo, às gargalhadas. O pênis do juiz se tornou um assunto depois que Ronan Farrow encontrou uma segunda mulher que, com muito esforço, pois também estava bêbada e no segundo grau, acabou “se lembrando” de um episódio de abuso.
Kavanaugh, segundo ela, colocou o dito cujo para fora numa festinha de adolescente. No processo de repelir o abusado, Deborah Ramirez acabou tocando na coisa sem querer.
A acusadora passou seis dias consultando a memória e os assessores do Partido Democrata que haviam entrando em contato com ela. Concluiu que tinha sido Kavanaugh, sim.
A história, evidentemente, nem chegaria a um tribunal de justiça, pelo tempo transcorrido, os buracos de memória e a falta de testemunhas.
Nada muito diferente do caso de Christine Blasey Ford, a mulher que pode abalar a república amanhã, quando fizer um depoimento à comissão do Senado que já deveria ter encaminhado a votação a nomeação do juiz.
Christine diz que foi agarrada por Kavanaugh também numa festinha e jogada numa cama num quarto escuro, com o agressor tentando tirar sua roupa. Um colega dele se jogou em cima dos dois e ela conseguiu fugir. Não se lembra quando nem onde foi o episódio.
Como a acusação não pode ser provada, ou sequer investigada, as conclusões se dividem praticamente de acordo com as simpatias políticas.
Para o Partido Democrata e seus simpatizantes, o juiz é um falso santarrão, um sepulcro caiado que teve a cara de pau de, na tentativa de limpar a ficha, dizer que era virgem na época do segundo grau e assim continuou “por vários anos”.
O JUIZ VIRGEM
Colocar um abusador na Suprema Corte seria um acinte ao país e, em especial, às mulheres. Especialmente levando-se em conta o caso de Clarence Thomas, confirmado como juiz há 27 anos apesar do testemunho de uma subordinada, Anita Hill, enumerando convites para sair, referências a filmes pornográficos e outros comportamentos atrozes.
O FBI chegou a investigar as acusações. Fechou o caso em três dias. Na confirmação de Thomas pesou o fato de que Anita Hill havia aceitado, voluntariamente, trabalhar com Thomas em outro departamento público, mesmo depois do assédio relatado.
É tratada como uma mártir até hoje por todos os que acreditaram nela. Thomas e seus simpatizantes acham que foi uma armação para pegar, segundo as próprias palavras do juiz, “um negro metido” que tinha a ousadia de ser conservador, política e judicialmente.
O caso de Kavanaugh, envolvendo episódios isolados entre adolescentes e não adultos, é muito mais difícil para quem deseja fazer um julgamento imparcial e chegar a uma conclusão justa.
Poucos atores políticos estão preocupados com imparcialidade, no momento. O clima político nos Estados Unidos – e, certamente, não só lá – tem sido chamado de “guerra total”.
A referência não é ao game, mas à modalidade bélica em que todos os alvos inimigos são considerados “do jogo”. O exemplo mais clássico é o da II Guerra Mundial. Como a Alemanha nazista não distinguia entre civis e militares, os aliados acabaram adotando o mesmo método, com as conhecidas e terríveis consequências para a população comum.
Desde que Donald Trump foi eleito, a “guerra total” só tem ficado mais acirrada. A mobilização de mulheres contra Trump começou imediatamente depois da posse, com artistas e outras celebridades colocando o gorrinho rosa em formato de genitália feminina para participar de grandes manifestações de protesto.
No início, os protestos eram genéricos, dirigidos contra a figura de Trump, ele próprio um milionário transformado em celebridade de televisão, com histórico de playboy à moda antiga, colecionando mulheres bonitas e falando sem nenhuma papa na língua sobre as facilidades sexuais proporcionadas pela fama.
E, soube-se depois, mandando pagar as gatas para não sair do armário e atrapalhar seu casamento com Melania Trump.
Moralmente, não é nenhum exemplo de comportamento. Politicamente, os eleitores de Trump relevam, sabendo muito bem que não estavam colocando um santo na Casa Branca. Criminalmente, até agora não foi possível pegar o presidente.
Enquanto o caso do pagamento indireto à atriz pornô Stormy Daniels para que ficasse de boca fechada, uma evidente impossibilidade, não enrola Trump, a acusação contra seu indicado para a Suprema Corte caiu do céu para a oposição.
O Zeitgeist criado pelas torrentes de denúncias de abuso sexual contra homens famosos propicia um clima não só de busca pela justiça no presente, como de revanche contra casos passados em que mulheres eram desacreditadas e humilhadas.
O lema do momento, repetido em todas as manifestações contra Kavanaugh, é “Acreditem nas sobreviventes”. Parte do princípio de que nenhuma mulher faria uma acusação falsa desse tipo.
É um argumento muito convincente. Que mulher se exporia de tal maneira? Que mulher gostaria de virar uma atração pública, com todas as minúcias de sua vida vasculhadas e trazidas para o palco da opinião pública?
SEGUNDA FILA
O fato de que uma imensa maioria teria pavor a se ver nessa situação não elimina o óbvio: também existem mulheres que mentem, inventam abusos que não existiram para prejudicar ex-parceiros ou simplesmente têm falhas de memória que inviabilizam suas denúncias.
Ter a maioria da opinião feminina contra um político é uma arma poderosa para seus adversários. Mesmo que não ponham gorrinho de genitália ou entrem para hashtags, as eleitoras em geral não gostam de se sentir na segunda fila.
De modo geral, os democratas têm explorado bem isso, descontando-se o “espanto” da imprensa anti-trumpista com o fato de que mais de 40% das eleitoras brancas votaram em Trump para presidente.
(Hillary Clinton não ajudou em nada quando disse que muitas americanas tinham obedecido os maridos ou os filhos, uma formidável asneira que nem a dor de cotovelo de perdedora poderia justificar.)
“Acreditem na sobrevivente”, ou “Believe the survivor”, é um slogan bom para a mobilização política e péssimo para fazer justiça.
Para dar uma ideia do clima de beligerância política nos Estados Unidos, foi usado por um grupo de manifestantes que entrou num restaurante onde estavam o senador Ted Cruz e sua mulher.
Detalhe: Ted Cruz nunca apareceu em nenhuma delação do tipo Carwarsh, não quebrou a economia americana e nem foi pego com dólares em alguma parte inconveniente do corpo.
Os manifestantes que o expulsam do restaurante em Washington o “acusaram” de ser amigo há vinte anos de Brett Kavanaugh.
Se Kavanaugh tiver que desistir da nomeação e Ted Cruz não conseguir ser reeleito senador pelo Texas, não é impossível que Trump venha a indicar seu nome para a Suprema Corte. Trump não é exatamente o tipo de sujeito que recue diante da guerra total.
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