quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Energia de Angra 3 custará o dobro das outras duas usinas nucleares

Com dois terços da obra concluídos, não é mais possível descartar tudo o que já foi feito para colocar de pé a usina nuclear de Angra 3. No entanto, a justificativa financeira para sua construção passou de duvidosa para quase inaceitável. Depois de pronta – o novo prazo é 2026 – sua energia será quatro vezes mais cara do que a de uma usina eólica. E mesmo se comparada com suas irmãs mais velhas, Angra 1 e 2, sua eletricidade custará o dobro.
A Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, tenta encontrar um financiador para terminar o empreendimento. No entanto, já ouviram dos interessados que, com o preço atual das tarifas designadas para a usina, em torno de 240 reais por megawatt-hora (MWh), o investimento é inviável. Por isso, a empresa pleiteia junto aos órgãos que controlam o setor elétrico a elevação da tarifa para mais de 400 reais por MWh.
Atualmente, os projetos de usinas eólicas preveem um custo de geração em torno de 100 reais por MWh. Angra 1 e 2, outras nucleares, possuem a mesma tarifa que hoje está aprovada para Angra 3, de 240 reais.
Segundo um executivo do alto-escalão da Eletronuclear, a busca por investidores estrangeiros é uma alternativa a todos os “nãos” recebidos pela estatal ao tentar financiamento dentro do Brasil. Devido às denúncias de corrupção, Angra 3 foi embargada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e teve de excluir as construtoras responsáveis pelas obras. Na quarta-feira, 22, o TCU liberou a retomada das obras.
Angra 3 envolveu-se em um dos principais escândalos de corrupção no setor elétrico. Othon Silva, ex-presidente da Eletronuclear, em julho de 2015, foi preso. Em agosto de 2016, ele, que também é vice-almirante da Marinha, foi condenado a 43 anos de prisão. Segundo a denúncia do Ministério Público, Silva pediu propina às construtoras Andrade Gutierrez e Engevix, responsáveis pela construção. Aos 79 anos, ele está recorrendo em liberdade.
“Se Angra 3 estivesse sendo concebida agora, seria muito difícil encontrar a justificativa financeira”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Atualmente, 67% das obras foram executadas. Na visão de Pires, não há mais a possibilidade de voltar atrás. “É uma usina no meio do caminho. Não dá mais para ignorar o investimento que foi feito. Então, é preciso um estudo muito cuidadoso para encontrar uma viabilidade financeira que não prejudique o país”, diz.

Valores surreais

Para concluir a usina, ainda faltam 17 bilhões de reais. O cronograma utilizado pela companhia prevê que as obras serão retomadas em junho de 2020 e concluídas 55 meses depois – janeiro de 2026.
No entanto, a busca por esse investidor estrangeiro ainda está nos trâmites iniciais. Apesar de comentários já estarem sendo feitos sobre os interessados, como a chinesa CNNC e a francesa EDF, o projeto ainda precisa ir para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Somente depois será batido o martelo sobre qual será o modelo adotado para receber o investimento – se o aporte será feito apenas na usina ou em toda a Eletronuclear e sob quais condições.
A capacidade prevista da usina é de 1.405 megawatts. Isso significa energia suficiente para alimentar cerca de 5 milhões de residências. Em 2017, foram investidos 11,4 bilhões de reais e inaugurados parques eólicos com capacidade instalada de 2.000 megawatts. Cada fonte possui uma função diferente. Enquanto que a eólica reforça o sistema quanto há ventos, a nuclear pode garantir o bom funcionamento deste quando os ventos param. No entanto, há outras fontes mais baratas que a nuclear, como as térmicas de biomassa e de gás natural.

Machado da Costa, Veja