sexta-feira, 1 de junho de 2018

Total do prejuízo do locaute: R$ 60 bilhões. E você vai pagar essa conta


Além de causar imenso prejuízo aos brasileiros, a greve dos caminhoneiros expôs a fragilidade do governo e a aridez de ideias dos presidenciáveis


Gabriel CastroMarcela Mattos, Veja 



A greve dos caminhoneiros pode ser resumida em três tempos. Passado: ela devolveu os brasileiros à década de 80, quando eram comuns as cenas de desabastecimento nos supermercados, o descontrole de preços e as filas quilométricas nos postos de combustíveis. Presente: ela confirmou a fragilidade do governo de Michel Temer, incapaz de se antecipar aos fatos e de reagir a eles. Futuro: num ensaio da próxima campanha eleitoral, mostrou o oportunismo da maioria dos pré-candidatos à Presidência, que mudam de opinião ao sabor das conveniências. Os resultados da paralisação foram desastrosos, sobretudo do ponto de vista econômico. Segundo projeções do governo e da iniciativa privada, a greve terá um custo imediato de 60 bilhões de reais, a ser bancado, como de costume, pelo cidadão comum. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, chegou a mencionar a possibilidade de aumento de imposto, mas, por enquanto, recuou. Já os empresários manterão os preços inflados até zerarem os prejuízos. Estima-se que pelo menos 60% das perdas sejam repassadas aos consumidores.

Cambaleante desde a delação da JBS, o governo Temer contribuiu de forma decisiva para a crise, ao ignorar um alerta sobre a greve. Uma semana antes da paralisação, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, José da Fonseca Lopes, protocolou uma lista de reivindicações no Palácio do Planalto. O ofício, de seis páginas, era claro: “Imagine o Brasil ficar sem transporte por uma semana ou mais? Seria terrível para todos, mas nos parece que só desta forma é que vocês vão voltar seus olhares para as nossas necessidades e reivindicações”. O governo nada fez e, quando a greve começou, subestimou seu alcance. Na manhã do segundo dia de mobilização, Temer e a cúpula do governo se reuniram numa mansão no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, para prestigiar o anúncio da pré-candidatura de Henrique Meirelles (MDB) à Presidência. No encontro, Temer exaltou os supostos avanços econômicos de sua gestão, creditando-os a Meirelles, seu ex-ministro da Fazenda. O clima era de festa. Nenhuma palavra foi dita sobre os caminhoneiros.
Quando os efeitos da greve ficaram claros, Temer até pronunciamento fez em rede de televisão. Foi acompanhado de panelaços em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Acuados, ministros anunciaram um acordo que, segundo eles, acabaria com a greve. Não acabou. Restou ao governo, nos dias seguintes, atender a todos os pleitos da categoria. Para o especialista em liderança César Souza, a crise envolveu o governo num “triângulo das Bermudas”, cujos vértices são a incompetência para entender a natureza do problema, a falta de credibilidade do presidente e o erro de foco, ao negociar com sindicatos que não representam a totalidade da categoria. Já Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Mackenzie, afirmou que Temer ficou emparedado porque consumiu seu capital político nas negociações para impedir que a Câmara aceitasse as denúncias apresentadas contra ele pela Procuradoria-Geral da República. “Temer inverteu a lógica da ciência política. O presidente primeiro negociou, cedeu e praticamente aceitou toda a pauta para só depois endurecer o discurso”, disse Prado.
Temer endureceu o discurso pela via de sempre: a militar. Ele convocou as forças para liberar rodovias e orientou soldados e policiais a escoltar os caminhoneiros que quisessem deixar a paralisação. Àquela altura, já havia relatos de coação sobre motoristas para que continuassem de braços cruzados. A promessa de escolta não evitou cenas de violência. Em Rondônia, um caminhoneiro foi morto com uma pedrada enquanto dirigia. Diz o ministro Carlos Marun, tentando justificar a impotência do governo diante da crise: “Ninguém tinha o poder de desligar esse movimento da tomada. Não existia uma liderança que pudesse dizer que algo estava compromissado e dar uma palavra”. Segundo pesquisa do Datafolha, 87% dos entrevistados apoiam a greve. Mensagens nas redes sociais mostram que essa adesão ocorre por motivos diversos, da insatisfação com o preço dos combustíveis à defesa da derrubada do presidente, passando até pelo pedido de intervenção militar.
A queda de Temer está fora de cogitação, seja porque faltam quatro meses para a eleição, seja porque nem a oposição quer tirá-lo do cargo. Bater no presidente, hoje, rende simpatias eleitorais. Pegando carona na paralisação dos caminhoneiros, a Federação Única dos Petroleiros, ligada ao PT, começou na quarta-feira uma greve sob o pretexto de lutar por combustíveis mais baratos. A mobilização só perdeu a força depois que a Justiça do Trabalho declarou a suspensão do trabalho abusiva e fixou uma multa pesada caso ela continuasse. Líder nas pesquisas de intenção de votos nos cenários sem Lula, que está preso e é ficha-suja, o deputado Jair Bolsonaro esbanjou oportunismo durante a greve dos caminhoneiros. De início, apoiou o movimento com entusiasmo. Parecia acreditar que a sensação de caos daria fôlego ao pré-candidato que melhor personifica a promessa de ordem — no caso, ele próprio. Depois, quando o governo anunciou um segundo acordo com a categoria, passou a declarar que a volta ao trabalho era necessária para não provocar o caos e não ajudar grupos políticos com interesses obscuros que se infiltraram na greve.
“Houve infiltração. Caso seja presidente, eu não quero pegar o Brasil pior do que está. Você não vai ter simplesmente como sair do buraco”, disse Bolsonaro a VEJA. Os outros pré-candidatos também manifestaram apoio aos grevistas. Até nomes liberais passaram a defender certo controle na definição dos preços de combustíveis. Vale tudo pelo voto. Entre as medidas aceitas pelo governo para acabar com a greve estão o tabelamento do valor dos fretes e a redução de 46 centavos no preço do litro do óleo diesel. A equipe econômica calcula que o custo total do pacote para os cofres públicos será de 13,5 bilhões de reais. No setor privado, estimativas de entidades, como a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), preveem perdas de cerca de 45 bilhões de reais. Essa fatura pode ser ainda maior, já que outros setores importantes não anunciaram o tamanho de seus prejuízos.
Para Rogério Boueri, economista do Ipea, cerca de 60% do rombo vai ser repassado para o consumidor: “O custo para a população será muito maior do que o ganho dos caminhoneiros. No balanço final, quem perde mesmo é a sociedade”.

Silêncio, omissão e populismo

VEJA perguntou a onze presidenciáveis as impressões deles sobre a greve que quase paralisou o Brasil. As respostas, com raras exceções, revelam um misto de conveniência com oportunismo político — e, principalmente, a falta de propostas concretas para enfrentar questões delicadas como a paralisação dos caminhoneiros
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 (André Dusek/Estadão Conteúdo)
Marina Silva (REDE)
A candidata rechaçou o uso das Forças Armadas para arrefecer a resistência grevista, alertou para o risco de as concessões aos caminhoneiros recaírem no bolso da população e apontou para a insatisfação generalizada dos brasileiros. Mas como ela resolveria a crise? Marina Silva contemporizou: “Propor soluções para um problema complexo requer legitimidade para negociar em nome da sociedade”
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 (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)
Henrique Meirelles (MDB)
O ex-ministro da Fazenda foi lançado candidato um dia após o anúncio da greve — e, mesmo tendo sido o responsável pelas finanças do governo até abril, tentou se descolar da crise. Meirelles defendeu a ideia de que a Petrobras tem de gerar lucros e ser submetida à concorrência para turbinar a competitividade. O candidato pelo MDB também fez um aceno ao contribuinte e afirmou haver espaço no Orçamento para o corte de impostos
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 (Cristiano Mariz/VEJA)
Jair Bolsonaro (PSL)
O deputado apoiou as reivindicações dos caminhoneiros. Prometeu até mesmo anistiar as multas aplicadas aos grevistas. Ao longo da semana, entretanto, assumiu uma posição mais crítica e condenou os bloqueios em estradas: “Houve infiltração no movimento. Caso seja presidente, não quero pegar o Brasil pior do que está”, disse. Ele afirmou que é preciso haver um “meio-termo” entre o custo de produção do petróleo e o preço internacional
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 (Marcelo Chello/CJ Press/Estadão Conteúdo)
Geraldo Alckmin (PSDB)
O ex-governador de São Paulo disse que, embora o preço dos combustíveis deva acompanhar o mercado internacional, o governo precisa instituir uma periodicidade para os reajustes — de no mínimo trinta dias. Ele também defende a tese de que as distribuidoras possam importar diretamente, sem intermediários, o que aumentaria a competição e reduziria os custos. O tucano ainda usou a greve para atacar “radicais de esquerda e direita”
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 (Zanone Fraissat/Folhapress)
Alvaro Dias (PODEMOS)
O senador apresentou um projeto que prevê a adição de 20% de biodiesel ao óleo diesel para baratear o preço do combustível, subiu à tribuna para criticar o governo e circulou pelos corredores do Senado ao lado de líderes caminhoneiros. A VEJA, Alvaro Dias disse que, se fosse presidente, a greve não aconteceria. “Eu teria me antecipado aos fatos e reduzido impostos antes que a crise atingisse essa dimensão”
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 (Cristiano Mariz/VEJA)
Rodrigo Maia (DEM)
Liderados por Rodrigo Maia, os deputados aprovaram um projeto que zerou o PIS-Cofins sobre o diesel e, como compensação, reoneraram a folha de pagamento de empresas. O problema é que o presidente da Câmara apresentou um cálculo errado que, em vez de aliviar as contas, deixava um prejuízo de 10 bilhões de reais. Maia afirma que o recado que a greve deu é “que não dá mais para sustentar este Estado burocrático, ineficiente e caro”
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 (Nacho Doce/Reuters)
Flávio Rocha (PRB)
O empresário não titubeou em defender a paralisação, foi enfático ao apoiar a greve dos caminhoneiros e abriu mão até mesmo das pautas liberais que costuma professar. Para ele, é preciso que o governo interfira para evitar oscilações no preço dos combustíveis. “Enquanto não há a solução definitiva, que é o aumento da eficiência de todo o setor, tem de haver uma câmara de descompressão para minimizar essas flutuações absurdas”
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 (Werther Santana/Estadão Conteúdo)
Guilherme Boulos (PSOL)
O socialista condenou a “política de preços que só visa ao lucro dos acionistas em Wall Street” e viu na paralisação um movimento de resistência popular: “Todos perceberam que não era só com os caminhoneiros, por isso o apoio social à greve”. Para ele, o governo deve exercer um “controle social” para que a Petrobras priorize a população, e não os seus acionistas, na hora de estabelecer os preços
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 (José Carlos Daves/Futura Press/Estadão Conteúdo)
João Amoêdo (NOVO)
Amoêdo fez críticas ao sistema político: atacou o excesso de privilégios na máquina federal, a alta carga de tributos ao trabalhador e o custo das campanhas eleitorais. Como solução para a crise, o liberal defende a privatização da Petrobras, a abertura do mercado e a redução da carga tributária. “Se fosse presidente, mostraria aos caminhoneiros que não existem saídas de curto prazo para problemas estruturais”
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 (Adriano Vizoni/Folhapress)
Manuela D’ávila (PCdoB)
No campo da esquerda, Manuela D’Ávila defendeu um plano de investimentos na Petrobras para aumentar a capacidade de refino e tornar o país menos dependente das oscilações do preço no mercado global. Enquanto isso não ocorre, segundo ela, a saída seria criar um fundo de compensação “que dê sustentação no caso da volatilidade do preço do barril do petróleo”
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 (Mateus Bonomi/Agif/Folhapress)
Ciro Gomes (PDT)
Foi o único a não responder às perguntas formuladas por VEJA. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, Gomes criticou a “política de preços absolutamente fraudulenta” do governo e condenou a ideia de que o barril de petróleo no Brasil seja negociado pelo valor internacional. Segundo ele, a adoção de “uma matriz de custos transparentes” poderia puxar o preço do diesel para menos de 3 reais