As medidas adotadas para acabar com a greve dos caminhoneiros vão obrigar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018 e dar mais um passo em direção a restrições que, no limite, poderiam se configurar numa paralisação. Esse tipo de situação (shutdown) provoca a suspensão de serviços à população e do pagamento de despesas com a manutenção da máquina pública, como limpeza, luz e aluguel. Integrantes da equipe econômica e economistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o shutdown não é um cenário provável para 2018, mas que há uma ameaça concreta para 2019.
A pressão das despesas obrigatórias (especialmente com salários e benefícios previdenciários) e do teto de gastos sobre o Orçamento deixarão as despesas discricionárias (aquelas que o governo pode cortar, como investimentos) no menor patamar em quase uma década. E isso porque há folga em relação a 2017. Para 2019, no entanto, restará ao governo recorrer a medidas que dependem do Congresso para ter um respiro nas contas.
Segundo dados do Tesouro Nacional, até abril, a estimativa era que os gastos discricionários ficariam em R$ 129 bilhões em 2018, menor taxa desde 2009. No entanto, depois das concessões feitas aos caminhoneiros para acabar com a greve da categoria, a equipe econômica teve que ajustar o valor, que caiu para R$ 122,5 bilhões. Economistas e técnicos do próprio governo reconhecem que quando as despesas discricionárias se aproximam de R$ 80 bilhões já é possível configurar um shutdown.
AJUSTE NAS DESPESAS OBRIGATÓRIAS
Ao longo de 2017, o governo teve que fazer um aperto de mais de R$ 40 bilhões no Orçamento para assegurar a meta fiscal (que depois foi ampliada pelo Congresso). Isso provocou dificuldades: houve suspensão da emissão de passaportes, lentidão nos atendimentos de postos do INSS, falhas na fiscalização sanitária e atrasos em pagamentos de serviços. Naquele ano, as despesas discricionárias ficaram em R$ 124 bilhões.
O primeiro gasto a sofrer os efeitos da compressão do teto é o investimento público. Dados que fazem parte do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV mostram que o investimento do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social), por exemplo, caiu de R$ 40,6 bilhões em 2014 para R$ 24,8 bilhões em 2017 — uma redução de 63,7%. Para especialistas, isso tende a piorar e colocar em risco a própria regra do teto de gastos (as despesas só podem crescer de acordo com a inflação), se não houver uma reforma das despesas obrigatórias, especialmente a da Previdência.
— Mesmo dentro da margem fiscal, tem um pedaço do gasto que é incomprimível. Perto de R$ 80 bilhões é o montante que não daria para cortar sem parar o funcionamento da máquina pública. Claro que dá para economizar mais, rever contratos, mas o grosso do ajuste terá que vir das despesas obrigatórias — disse o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.
Martha Beck e Bárbara Nascimento, O Globo