Catorze delatores vinculam o governador petista Fernando Pimentel a dinheiro com origem em desvios, propinas e doações ilegais, em rede com 73 pessoas
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, de 67 anos, atravessou a passos lentos e com alguma pompa a porta ornamentada com cristais para chegar ao salão principal do Palácio da Liberdade, decorado com vasos da antiguidade chinesa e móveis da Letônia ao estilo Luís XV. O compromisso público daquela manhã de abril era a assinatura de um protocolo entre o governo de Minas Gerais e a Fundação Oswaldo Cruz. No palácio centenário, sede do Executivo mineiro, situado na região centro-sul de Belo Horizonte, o petista discursou para uma plateia de 19 pessoas, além de seis seguranças e 12 jornalistas. Se incluídas na conta as musas do painel alegórico no teto e as esculturas de anjos barrocos das quinas da sala, ao fim das contas, Pimentel estava sob não mais que uma centena de olhares.
Exposto em razão de menções diretas de 14 delatores que nos últimos anos o apontaram como beneficiário final de pagamentos ilegais, Pimentel, a maior liderança petista de Minas, vive encastelado. Os acusadores o relacionam a pagamentos de R$ 100 milhões, segundo levantamento feito por ÉPOCA. O mais delatado governador em exercício do país adota estratégia inusual para tentar a reeleição em outubro deste ano: não quer saber de holofotes. Tem agendas públicas restritas e frequência esparsa nas redes sociais. Concede raras entrevistas, o que o desobriga de comentar os 20 financiadores eleitorais investigados que o vinculam a milhões de reais em propinas, desvios e doações de campanha.
Nos três anos e meio de mandato percorridos até aqui, participou de pouco mais de 100 entrevistas, de acordo com a Superintendência de Imprensa do governo de Minas Gerais. É pouco, tratando-se do governante do estado com terceiro maior PIB do país. A título de comparação, no mesmo período, Geraldo Alckmin (PSDB), governador agora afastado de São Paulo, falou em 1.288 entrevistas coletivas e 228 exclusivas. Ivo Sartori (MDB), do Rio Grande do Sul, manifestou-se em conversas com a imprensa seis vezes mais que o colega mineiro, segundo o gabinete gaúcho. A ordem para a estratégia de “não existir” é oficial, segundo os próprios encarregados de cuidar da imagem do político.
No fim de 2014, em meio ao pleito eleitoral, a apreensão em flagrante de um avião particular, tripulado por apoiadores de Pimentel e carregando R$ 113 mil em dinheiro vivo, foi o primeiro ato de uma trama que desembocou em 11 fases da operação da Polícia Federal intitulada Acrônimo. O empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, homem de confiança do governador petista e operador de recursos que financiaram parte de sua campanha, estava no avião apreendido. A Polícia Federal dedicou o ano e meio seguinte a operações de campo. O cumprimento de 202 mandados de busca e apreensão e 45 conduções coercitivas permitiram aos investigadores desenhar o que acreditavam ser os primeiros traços da rede de influência, dinheiro e poder montada pelo governador mineiro para viabilizar seu projeto político.
Essa trama ganhou novos nomes e contornos com o avanço de outras investigações, que pareciam estar distantes das montanhas de Minas, mas que rapidamente alcançaram Pimentel. É o caso da Lava Jato — que desnudou a promíscua relação entre fornecedores do setor de infraestrutura e o Estado brasileiro — e da Patmos, que trouxe luz a capítulos pouco conhecidos da construção do império do grupo J&F, dono da JBS. Novos nomes, novos empresários e muito mais dinheiro foram vinculados ao governador mineiro. Hoje denunciado em quatro ações penais e três inquéritos em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Pimentel é também alvo de sindicâncias sigilosas, cujos números e detalhes ainda não vieram a público.
Nos últimos 30 dias, ÉPOCA revisitou detalhes das investigações que foram turbinadas pelo relato de 14 delatores — nove deles ex-executivos das maiores empresas brasileiras. Identificou 73 nomes na órbita de uma rede que permitiu a Pimentel levantar recursos e garantir a viabilidade financeira das atividades políticas de seu grupo, mas também o custeio de gastos e luxos pessoais. O que se conclui é a existência de um enredo articulado e impune.
Os principais personagens das tramas que relacionam Pimentel a pagamentos ilegais estão hoje no primeiro escalão do governo mineiro: do secretário da Casa Civil ao chefe da Governadoria, passando pelo comando das estatais. A lei antinepotismo é driblada com a nomeação de parentes dos que dividem o projeto de poder com o petista. Empresas acusadas de pagar ou receber caixa dois na campanha viraram fornecedoras do governo.
Um dos símbolos da complacência com malfeitos é a inoperância do Conselho de Ética Pública do estado. Pimentel optou por não indicar integrantes para o órgão que avalia o risco de confusão entre público e privado na gestão estatal. Resultado: praticamente não houve neste governo análise dos formulários de Declaração Confidencial de Informações, documento em que 1.200 integrantes da alta administração devem informar patrimônio e focos de possível conflito de interesses. “Fazemos uma pré-análise do (material) que chega, mas a palavra final cabe aos conselheiros. Como estamos há dois anos sem o conselho...”, lamentou Jonatan Generoso, coordenador técnico do órgão.
Se existisse conselho, nomes como o do secretário da Casa Civil e das Relações Institucionais, Marco Antônio de Rezende Teixeira, estariam na pauta. Absolutamente discreto, ele mantém até os dias de hoje o jeitão de burocrata do tempo em que era procurador de Belo Horizonte e Pimentel era prefeito. Em 2013 e 2014, quando não ocupava cargo público, sua empresa de consultoria recebeu R$ 1,4 milhão do escritório de advocacia Botelho Spagnol. “Os valores repassados podem se referir a interesses de terceiros, servindo na verdade como mais uma camada para ocultar a real fonte pagadora”, inferiu relatório da PF. De fato, havia uma “real fonte pagadora”: o Banco Mercantil, instituição mineira com forte interesse em assuntos governamentais.
Quando veio à tona a informação do pagamento milionário a Teixeira, advogados associados do Botelho Spagnol se assustaram. O valor estava muito acima daquele normalmente pago a sócios da banca. Notas fiscais emitidas pela empresa do petista ainda mencionavam serviços de consultoria financeira, algo distinto de eventual prestação de serviços jurídicos. O encaminhamento do pagamento em âmbito interno ocorreu fora do padrão, sem detalhamento em relatórios de balanço de horas-honorários, prática recorrente na firma.
Confrontado, o dono do escritório, Werther Spagnol, minimizou o caso internamente. Ao STJ, enviou ofício dizendo que Teixeira avaliou os riscos de perda em disputas judiciais que envolviam o Mercantil, mais especificamente “736 processos, espalhados ao longo do território nacional”. ÉPOCA perguntou se o colaborador teve a seu dispor alguém com quem dividisse a função. Afinal, os serviços foram supostamente prestados em 2014, ano em que já atuava como coordenador financeiro da campanha de Pimentel. O escritório não respondeu. “Mantivemos relacionamento profissional, técnico e lícito”, limitou-se a informar.
Investigadores creem que os pagamentos à empresa de consultoria de Teixeira tinham como destino a campanha de Pimentel. Reforça a hipótese o fato de que a empresa de consultoria também recebeu de duas entidades patronais dependentes das decisões diretas do governo estadual: R$ 150 mil do sindicato da indústria mineral (o mais importante em um estado totalmente dependente da exploração de minério de ferro) e outros R$ 320 mil das empresas de transporte de ônibus de Belo Horizonte.
Com Teixeira já secretário da Casa Civil mineira, os meses seguintes foram marcados pela generosidade do governo com seus antigos “clientes”. Em meio ao debate sobre a necessidade de vender ativos do estado para reduzir o déficit anual estimado em R$ 4 bilhões, o governo decidiu comprar, por R$ 147 milhões, 58% do Banco Mercantil de Investimentos. Por ter tentado executar a compra sem aprovação do Tribunal de Contas do estado, a operação foi vetada um ano depois, pelo Banco Central, e o dinheiro teve de ser devolvido.
Sob Pimentel, outros clientes de seu homem forte na Casa Civil, as empresas de ônibus, também tiveram o que comemorar. Foram três aumentos consecutivos nas passagens metropolitanas: 12,8% em 2016, 9% em 2017 e 3% em 2018. O movimento Tarifa Zero de BH chiou em vão. “Todas as promessas foram ignoradas. Ele não integrou o sistema de transporte, não garantiu mais qualidade dos serviços nem evitou aumento da tarifa”, sintetizou o economista e mestre em estudos de mobilidade André Veloso.
Antes da eleição, outra empresa de consultoria que funcionava no mesmo endereço da firma de Teixeira, chamada OPR, também recebeu de sindicatos com interesses no governo: do sindicato de transporte metropolitano foi R$ 1,1 milhão e do sindicato da indústria mineral outros R$ 250 mil. A OPR pertence a Otílio Prado, atual assessor especial da Secretaria de Fazenda, há pelo menos duas décadas braço direito e discreto operador de Pimentel.
Depois de perder as eleições ao Senado, em 2010, Pimentel foi nomeado pela então presidente Dilma Rousseff para o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior, função que exerceria até chegar 2014 e vencer as eleições para o governo mineiro. No governo federal, fez fama como sujeito de raciocínio rápido, boa prosa e jeito no trato com o empresariado. Pimentel não altera a voz. “Quando você vê dois políticos mineiros calados, saiba que estão roucos, gritando um com o outro de maneira escandalosa”, definiu o amigo Mario Rosa. Foi por uma dessas disputas travadas em silêncio, no caso com o MDB mineiro, que Pimentel fez Dilma transferir domicílio eleitoral para Minas Gerais. O propósito é tê-la na manga, talvez como candidata ao Senado, na negociação em torno da continuidade ou não da parceria eleitoral com o MDB em 2018. Aqui, não há espaço para mágoa do impeachment.
Ao topar com Pimentel em almoço ou jantar, é provável encontrar uma boa garrafa de vinho à mesa. Outra particularidade confidenciada por quem já se sentou com ele para debater conjuntura: o pagamento da conta do restaurante, em geral, dá-se em espécie.
Entre os 14 delatores diretos do petista, aquele que fez o maior estrago foi um jovem operador e dono de gráfica, que dividiu muitas mesas com o político e em pouquíssimo espaço de tempo foi alçado a lugar de confiança total. Benedito Rodrigues de Oliveira, o Bené, era até então reconhecido pelo sucesso das festas com mulheres e políticos que organizava e figura totalmente estranha aos quadros ideológicos do PT. Foi apresentado a Pimentel pelo ex-deputado mineiro Virgílio Guimarães, o mesmo que apresentou o então tesoureiro Delúbio Soares a Marcos Valério, do mensalão.
Bené era levado a encontros com empresários como o indicado para tratar de interesses de Pimentel, como confirmaram em depoimentos o dono da incorporadora JHSF, José Auriemo Neto, o presidente do grupo Qualicorp, José Seripieri Júnior, e o ex-executivo da Odebrecht João Carlos Mariz Nogueira. Depois de ser preso e decidir fazer um acordo de colaboração premiada, Bené ofereceu informações que formam a espinha dorsal de várias fases da Operação Acrônimo. A maior parte dos dados foi confirmada por notas fiscais, relatos de outras testemunhas e registros de e-mail e telefones apreendidos no curso das investigações. São dados que apresentam, didaticamente, um retrato preciso da dinâmica da corrupção, com início, meio e fim.
No caso, por exemplo, dos pagamentos feitos pela Caoa — fabricante da marca Hyundai e representante de Ford, Subaru e Chery no Brasil —, os passos iniciais foram decretos assinados por Pimentel garantindo à empresa o incremento de sua participação no programa Inovar Auto, do Ministério do Desenvolvimento. A iniciativa autorizava a isenção tributária de valores equivalentes ao que fosse investido em tecnologia. Em cinco anos, 23 empresas economizaram R$ 5,95 bilhões. Dessa fatia, a Caoa deixou de pagar cerca de R$ 600 milhões em impostos, de acordo com estimativa da própria empresa.
Tal como as demais montadoras, a Caoa tinha o direito legal de ser beneficiada pela medida. Só não fazia sentido que essa inclusão fosse negociada, passo a passo, por Bené, como mostram trocas de mensagens da época. Ele diz ter cobrado R$ 20 milhões pela iniciativa, em nome do petista. Parte desses recursos chegou às mãos do operador por força de falsas consultorias pagas pela montadora a suas empresas e a firmas indicadas por ele.
Viagens de Pimentel na companhia de seu operador e respectivos pares ocupavam apenas o lugar de fofoca à boca miúda ou do colunismo social mineiro. Viraram prova de crime quando a PF colocou a mão nos registros de pagamento de despesas pelo operador, em 2013. Foram três dias de estadia do petista e da namorada no bangalô privativo Moorea Master do Kiaroa Eco-Luxury Resort, hotel cinco estrelas localizado em Maraú, no sul da Bahia, ao custo de R$ 12.300. Os voos de ida e volta foram realizados em jatinho particular. À época, a namorada, Carolina Oliveira, não havia adquirido o status de primeira-dama nem o sobrenome Pimentel. Era só uma jovem da periferia de Brasília que trabalhava como assessora no governo federal e que havia se apaixonado pelo ministro.
A origem dos pagamentos dos dias felizes do casal foram as contas bancárias de Bené e seus parceiros de lavagem de dinheiro. Entre eles está Pedro Augusto Medeiros, cliente assíduo das ações do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, nome pedante para a contabilidade da propina da empreiteira. Nas contas da empresa, foram pelo menos R$ 13,5 milhões entregues em hotéis de São Paulo, direcionados a Pimentel.
O pagamento de despesas particulares aparece como prova de que recursos levantados em nome de seu projeto político serviam para o enriquecimento pessoal. Empresas de consultoria de seus aliados, firmas de fachada de Bené e uma agência de publicidade que serviu ao PT, a Pepper Comunicação Interativa, pagavam contas de cartão de crédito, parcelas de imóveis e despesas da ex-mulher. A empresa da nova namorada e futura esposa, a Oli Comunicação, foi acusada de ser usada em repasse para o petista. Até dinheiro de caixa dois já separado para custear despesas gráficas foi realocado em obras de um restaurante no interior de São Paulo, um patrimônio oculto do petista, revelado no curso das investigações.
Ao descrever cenas de diálogo relacionado ao acerto com a Caoa, ocorrido durante convescote no camarote do estádio Mineirão em jogo da Copa de 2014, Bené relatou a presença de diretores da empresa, de Pimentel e de outro personagem conhecido pelo estilo turrão e há décadas vivendo nas sombras da trajetória do petista: o empresário Roberto Giannetti da Fonseca, o Robertão, dono da HAP Engenharia. Ele é réu com Pimentel em ação que cobra reembolso por gastos superfaturados na construção de casas populares, no início dos anos 2000. E seria citado em 2017 em outro depoimento, de Joesley Batista, como intermediário de R$ 30 milhões de propina — o maior valor já associado diretamente ao petista, em tacada única. O pagamento ocorreu por meio da compra forjada de ações da Minas Arena, consórcio responsável pela administração do mesmo estádio do Mineirão, do qual a HAP faz parte. O caso também é investigado no STJ.
A concessão do estádio ocorreu no governo anterior, do tucano Antonio Anastasia — mas já sob influência da pragmática relação que envolve as duas principais lideranças do PT e do PSDB em Minas, Pimentel e Aécio, principalmente no que diz respeito a gestão de contratos e manutenção da influência no jogo do poder. Não à toa, o petista sai pela tangente até quando questionado sobre o inferno astral do tucano: “Vamos deixar que o povo faça esse julgamento”.
Para as empresas integrantes do consórcio vencedor, foi um negócio da China: mesmo que o estádio dê prejuízo, o governo mineiro garante mensalidade mínima. A HAP confirmou o recebimento de Joesley. A transação, porém, foi tão desastrada que a empresa ainda hoje tem dificuldades para justificar o repasse. Isso porque o dinheiro chegou, mas a formalização da transferência das ações até hoje não se efetivou. Desde o início da concessão do estádio, em 2013, o consórcio Minas Arena recebeu R$ 461,3 milhões da administração estadual.
Com a aprovação de alterações nas regras do foro privilegiado para políticos, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), o governador mineiro trabalha para que seus processos desçam para a Justiça estadual, onde as rodas do poder político, econômico e judiciário local, incluído aqui o Ministério Público, encontram-se com particular — e indesejável — frequência. Para driblar os limites de aumento de gastos do orçamento e a proibição legal de dar aumentos, o governo usa uma estratégia peculiar para conquistar o corpo de servidores no ano eleitoral: estabeleceu uma ajuda de custo diária para um em cada dez servidores, que passaram a ter vencimentos entre 30% e 50% maiores no fim do mês. O gasto não é incluído nas restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em meio às finanças em frangalhos, na última semana o governo publicou extrato de um contrato de quatro meses com a consultoria Ernst & Young, no valor de R$ 3,5 milhões, a título de apresentação de “diagnóstico da situação orçamentária e fiscal do estado”. O governo não quis dizer por que abriu mão do próprio corpo técnico da Secretaria de Planejamento, normalmente apto a atender a esse tipo de demanda. Não falta dinheiro também para outra estratégia da velha política: a entrega de ambulâncias e carros de passeio para prefeituras e órgãos estaduais. Apenas em eventos com prefeitos e representantes de órgãos, foram quase 4 mil veículos entregues ao custo de centenas de milhões de reais.
Ser investigado sob a acusação de receber recursos de caixa dois não é motivo de constrangimento no governo mineiro, pelo contrário. Márcio Hiram era diretor comercial do Vox Populi, em 2013, quando operacionalizou pagamentos ilegais destinados a Pimentel, por meio do instituto de pesquisas, de acordo com Bené. O dono da empresa, Marcos Coimbra, foi denunciado pela PGR por receber R$ 1 milhão de um diretor do grupo imobiliário JHSF. Pois Hiram deixou a Vox e é hoje o dono da Populus Comunicação, mais conhecida como Pop, a agência que detém o mais gordo contrato de publicidade do governo Pimentel, totalizando R$ 47,5 milhões. Durante o governo petista, a Vox também foi diretamente contratada, ao custo de R$ 602 mil, por agências que atendem o governo.
Quem também atuou duplamente — recebendo caixa dois antes das eleições e, no ano seguinte, virando fornecedor do governo — é a agência G5 Comunicação, do produtor Ivan Caiafa. Parte dos pagamentos da Caoa para Pimentel foi parar na conta da empresa. Nos anos seguintes, suas empresas faturariam R$ 4,5 milhões em contratos financiados pelos cofres públicos. Em sua delação, Bené disse que Caiafa tinha conhecimento do subfaturamento de notas de campanha e que cobrou dívidas do pleito nos contratos com o governo. Caiafa nega.
“A G5 teve todos os recebimentos contabilizados, serviços prestados e impostos recolhidos”, informou. Hiram também negou ter operacionalizado pagamentos para Pimentel. A Vox não comentou.
ÉPOCA enviou 16 perguntas a Fernando Pimentel, sobre seu governo e acusações. Nenhuma delas foi respondida. O governador limitou-se a dizer que “está provando sua inocência reiteradamente em todas as instâncias da Justiça por meio de seus advogados”. “O caráter supostamente persecutório dos questionamentos enviados, contudo, sugere que a reportagem confunde os papéis da imprensa e da Justiça, que trabalha com prazos diferentes do horizonte de fechamento de uma edição de jornal, justamente pela imposição constitucional de ter que provar suas acusações”, escreveu.
Nas páginas da internet e nas redes sociais do PT nacional, mineiro ou mesmo de Belo Horizonte, é impossível deixar de notar uma ausência: não há imagem, texto ou campanha que trate dos processos que envolvem o governador mineiro, mesmo que seja para defender sua inocência. Nas raras manifestações públicas sobre seus problemas com a Justiça até aqui, Pimentel mencionou o “esgotamento” do sistema político brasileiro. Disse estar em xeque “toda uma tradição política brasileira de compartilhamento de decisões entre o poder privado e o setor público” e apontou ser favorável à formação de uma Assembleia Constituinte.
Oscar, Chico e Jorge eram os codinomes usados pelo governador de Minas quando militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que se rebelou desde a época do colégio contra o recrudescimento do regime militar, no fim dos anos 1960. Filho de empresário dono de comércio tradicional em Belo Horizonte, juntou-se ao grupo que arriscou a vida para lutar por liberdade e contra o regime. Pimentel foi preso e torturado no início dos anos 1970, depois de uma tentativa desastrada de sequestrar o cônsul americano Curtis Carly Cutter, em Porto Alegre. “Quem militou nesses dias tinha de ter uma alta dose de idealismo, porque não ganhava nada, digamos. Era só risco”, lembrou o engenheiro mecânico aposentado Luiz Carlos Dametto, que dividia com Pimentel o mesmo aparelho da VPR no Rio Grande do Sul.
Ao volante do Gordini usado na tentativa de sequestro do americano, o comerciante Irgeu João Menegon disse ter passado por um “processo de esquecimento”. “Se não, você não vive bem.” Ele se recorda de Pimentel como sujeito “sério”, com “nível político e ideológico firme à beça”. As acusações de hoje sobre o militante da época são, para ele, motivo de frustração. “Ou ele deu uma volta muito grande na vida ou deram uma volta grande nele”, resumiu o ex-guerrilheiro, que nunca mais viu o colega depois do dia em que todos foram presos. Luiz Carlos Dametto também nunca mais o viu. Ao ser questionado sobre a situação de Pimentel, menciona o papel da “vaidade” na vida das pessoas. “Parece que (tem gente) que não consegue ficar longe de dinheiro, né? O que vou dizer... a parte que conheço, digamos, ele fez. As acusações que são feitas agora, torceria que não fossem verdadeiras. Mas, infelizmente, parece que são, né?”.