sexta-feira, 1 de junho de 2018

Caminhões da Petrobras foram alvos de grupos pró-ditadura em fevereiro

Rubens Valente, Folha de São Paulo
Uma ação judicial movida pela BR Distribuidora indica que a participação de grupos que defendem uma intervenção militar, eufemismo para golpe, em bloqueio de caminhões foi uma atividade ensaiada há meses.
Em fevereiro, caminhões-tanque foram impedidos de sair de pelo menos uma base de distribuição de combustível; outras três foram ameaçadas por "um grupo de pessoas que reivindica a volta da ditadura militar no Brasil", segundo a petição protocolada naquele mês pela BR na Justiça de São João de Meriti (RJ).
As bases visadas foram as de Fortaleza (CE), onde houve "bloqueio completo", segundo a BR, Cubatão (SP), Duque de Caxias (RJ) e Araucária, na região metropolitana de Curitiba (PR).
"O intuito dos manifestantes, mesmo alegando a 'pacificidade' do movimento, é unicamente impedir o carregamento de caminhões-tanque da Petrobras Distribuidora para fornecimento de produtos a postos revendedores, aeroportos e órgãos públicos com a finalidade de chamar a atenção para a causa", diz a petição da BR.
Antecipando o cenário da paralisação dos caminhoneiros, a BR advertiu "o risco de grave dano" com o possível "desabastecimento no Estado do Rio de Janeiro, vez que o Terminal de Duque de Caxias é responsável pelo suprimento de combustível em praticamente todo o Estado".
Pelo terminal de Duque, diz a BR, são abastecidos órgãos de segurança pública, como a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros, as polícias Federal e Rodoviária Federal, Forças Armadas, Força Nacional, além de hospitais, concessionárias de transporte público e companhias aéreas, como Latam, Gol e Azul.
Na ação, a distribuidora informou ainda que "o Núcleo de Inteligência da Polícia Federal teria tomado conhecimento da existência de mensagens eletrônicas em que se verificava a intenção de certos indivíduos articularem manifestações com esse cunho político durante os festejos do Carnaval". A ação judicial perdeu o objeto quando os protestos acabaram.
Em outra ação também de fevereiro, a AGU (Advocacia Geral da União) pediu que a Justiça garantisse a segurança da refinaria de Araucária, ameaçada por uma carta de cinco páginas encaminhada a diversas autoridades policiais por uma certa ACDB (Associação da Cidadania e Defesa do Brasil), que apoia uma intervenção militar.

INFILTRADOS

Folha localizou uma das pessoas que reconheceu ter sido a responsável pelo que chama de projeto de bloqueio das refinarias, o microempresário Ivanir Ramos, 60, de São José (SC), que usa o pseudônimo "Dom Ramos" em redes sociais. Seu telefone celular consta da carta assinada pela ACDB.
A carta repudiava as eleições de 2018, defendia uma "intervenção institucional", do povo com as Forças Armadas e propunha ainda "um governo de transição, temporário, militar e civil, que promoverá uma nova Constituição".
Ramos disse que foram realizados três protestos na porta da refinaria de Araucária: o primeiro em fevereiro, com 16 pessoas, que durou cerca de 16 horas, o segundo em março, com 46 pessoas por 22 horas, e o terceiro em abril, com cem pessoas. A segunda manifestação, segundo Ramos, foi a que teve mais sucesso.
"Felizmente a gente atingiu ali o aeroporto de Curitiba e ele chegou a praticamente ficar sem combustível", diz Ramos.
Depois dessa ação, segundo Ramos, a Justiça impôs uma multa diária de R$ 100 mil contra a ACDB caso interditasse a saída dos caminhões. Por isso, diz, o terceiro protesto não impediu o trânsito.
Levantando uma teoria conspiratória sobre a recente paralisação dos caminhoneiros --uma trama arquitetada por DEM, PSOL e PSL para "criar um holocausto dentro do país a fim de empurrar com a barriga as eleições de 2018--, Ramos afirmou que seu grupo conseguiu "infiltrar" o movimento dos motoristas em "140 locais de protesto". "Não somos infiltrados que estão prejudicando as pessoas de ir trabalhar, não. Nós nos infiltramos no meio para reverter essa situação [da trama política]. Nós temos aproximadamente 687 pessoas infiltradas. Só do nosso movimento." Ele diz que há "70 mil" apoiadores do movimento no país.
Procurada, a BR confirmou que no Carnaval, grupos de pessoas não identificadas tentaram bloquear os acessos às bases de distribuição da Petrobras. A Infraero informou que "as manifestações em questão não afetaram o abastecimento de combustível de aviação e as operações no aeroporto de Curitiba".