Indicado pelo PP, o então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, se reúne com o presidente da estatal, o petista Sérgio Gabrielli, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A organização criminosa do Lula quase quebra a Petrobras (Ed Ferreira/Estadão Conteúd
Como um gigante pano de fundo por trás de toda a longa negociação entre governo e caminhoneiros para encerrar a greve que durou dez dias e impactou o país estava a maior estatal brasileira, a Petrobras. Irritados com as sucessivas altas no preço do óleo diesel, motoristas bloquearam 632 pontos em rodovias de vários estados (no auge dos protestos, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal) e provocaram uma crise geral de abastecimento.
Pressionados por uma população que majoritariamente – 87%, segundo o Datafolha – apoiava o movimento, parlamentares de todas as matizes vieram a público defender uma nova mudança na política de preços praticada pela estatal, que hoje segue critérios de mercado – pressão, esta, que resultou no pedido de demissão do presidente da estatal, Pedro Parente, na manhã desta sexta-feira, 1º. É mais um episódio da longa e controversa relação entre os políticos e a gestão da empresa, utilizada diversas vezes para fins ideológicos ao longo de seus 65 anos de história.
Neste dossiê, VEJA relembra episódios da relação entre governo e a mais pujante das quase 150 estatais existentes no Brasil. O certo é: desde sempre foi controverso o papel que a Petrobras exerce (ou deveria exercer) na sociedade brasileira – dos muitos que esperam dela um papel social, quase filantrópico, aos que gostariam de vê-la privatizada e fora do controle do estado.
Getúlio e 'O petróleo é nosso'
O presidente Getúlio Vargas assina a Lei 2.004, de 1953, que criou a Petrobras e estabeleceu o monopólio estatal do petróleo (Agência Petrobras/Divulgação)
Desde a raiz, a Petrobras tem ligação umbilical com o nacionalismo e com uma certa desconfiança de interesses de empresas e investidores externos. É a Lei 2.004, de 1953, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, que criou a estatal, ao mesmo tempo que dava à União, através da nova empresa, o monopólio da extração e refino de petróleo em terras brasileiras.
Essa não foi a posição inicial do governo brasileiro. Em 1948, o antecessor de Vargas, Eurico Gaspar Dutra, ensaiou um projeto de lei que permitia a participação estrangeira. A justificativa era a incapacidade técnica da indústria brasileira em executar o projeto.
Foi o gancho para o surgimento da campanha populista “O Petróleo É Nosso”, até hoje no imaginário popular, encampada por uma miríade de grupos da sociedade civil e políticos por eles influenciados. O grupo ia do Clube Militar e da União Democrática Nacional (UDN) à direita até a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), à esquerda.
Ao contrário do que ficou para a história, o próprio Vargas via o mesmo que Dutra e tinha dúvidas sobre a capacidade – e mesmo as vantagens práticas para a economia –, tanto que no primeiro formato do projeto que criou a estatal, ela não teria exclusividade sobre o petróleo. No entanto, ao perceber a pressão do Congresso, ele logo escanteou a ideia e colocou a empresa para trabalhar a seu favor: incluiu-a em seu projeto nacionalista e a exibiu ao sujar as mãos de petróleo e assinar em público o nascimento da empresa, incluído o monopólio.
O 'Brasil grande' dos militares
Ernesto Geisel: o único a ser presidente da Petrobras e da República (Carlos Namba/Dedoc)
Dos cinco presidentes da ditadura militar, o general Ernesto Geisel é o que teve relação mais próxima com a Petrobras. Ele foi o presidente da estatal durante o governo de Emílio Garrastazu Médici e colocou a empresa para trabalhar a favor do slogan do “Brasil grande” defendido pelos militares.
Na Petrobras, esse projeto foi marcado por uma política de expansão, com a abertura da BR Distribuidora e a ampliação dos campos de exploração pelo país, incluindo o de Campos (RJ), até hoje um dos principais do Brasil. O destaque para o projeto foi tanto que fez de Geisel o sucessor de Médici na Presidência da República, em 1974.
Foi com Geisel que o movimento que vinha desde o golpe de 1964, que cogitava a possibilidade de abrir o mercado para a concorrência externa, se fechou. Tanto como presidente da Petrobras, quanto à frente do Planalto, ele defendia fortemente que encerrar o monopólio poderia acarretar o desabastecimento de petróleo.
A história já levantou suspeitas, nunca confirmadas, sobre essa posição – afinal, foi durante a expansão dos anos 1970 que muitas empresas posteriormente envolvidas com os escândalos da Operação Lava Jato, como a Odebrecht e a Camargo Corrêa, começaram a ganhar muito dinheiro na execução de projetos do governo.
O fim do monopólio e a privatização
Os logos da estatal: o tradicional e o ‘PetroBrax’, tentativa do governo FHC de “internacionalizar” a empresa e que foi acusada de ser balão de ensaio para a privatização (//Reprodução)
Passado o rescaldo nacionalista dos militares, a Petrobras lentamente entrou no fluxo neoliberal dos anos 1990 e teve a sua privatização cogitada diversas vezes. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi o mais acusado de querer vender a empresa, principalmente em dois momentos: em 1997, quando decretou o fim do monopólio; e três anos depois, com a proposta de mudança do nome comercial da estatal para “PetroBrax”.
Durante a apresentação da marca, o presidente da companhia, Henri Philippe Reichstul, afirmava que o objetivo do nome era “internacionalizar” a empresa, que, sem o monopólio, passaria a atuar a nível mundial, concorrendo com outras pelos mercados dentro e fora do Brasil. Já sindicalistas e parlamentares da oposição acusavam o governo de ensaiar a venda, enfraquecendo a imagem histórica da empresa, atrelada ao nacionalismo.
Ao final das contas, nem uma coisa nem a outra acabou mudando o panorama da Petrobras. O nome “PetroBrax” não pegou e os tucanos seguiram negando até a morte que quisessem vendê-la. Já o fim do monopólio permitiu que pequenas empresas entrassem no mercado, mas, como foi possível ver durante a greve recente, não afetou o domínio da estatal, que ainda controla cerca de 99% do mercado.
Entre outros motivos, pelo tamanho colossal da Petrobras e a dificuldade de concorrer com a estatal por preços. Isso porque, mesmo em governos com o discurso de “profissionalizar” a Petrobras, a empresa continuou a ser usada para conter a inflação por motivos políticos – em 2002, FHC, a pedido do então candidato à Presidência José Serra (PSDB), determinou que o preço do gás fosse congelado.
O PT e o petróleo
O então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (hoje no xilindró, como maior ladrão da Lava Jato), coloca as mãos no petróleo durante visita ao navio-plataforma FPSO, localizado no Campo de Tupi, litoral sul do Rio de Janeiro – 28/10/2010 (Wilton Junior/Estadão Conteúdo)
Apesar de escândalos e denúncias de pagamento de propina diversos registrados ao longo da história, foi durante os governos do PT que surgiu um dos maiores casos de corrupção da história, o “petrolão”, nome dado aos desvios sistemáticos cometidos na Petrobras por diretores indicados por partidos políticos.
Ao se tornar presidente, Luiz Inácio Lula da Silva nomeou para o comando da estatal José Eduardo Dutra, senador e militante histórico do PT, sucedido por outro petista, José Sérgio Gabrielli. Nas direções, nomes indicados por petistas, pelo PP e pelo MDB – partidos aliados ao governo – tinham a finalidade de ser verdadeiros arrecadadores de propina, segundo as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Operação Lava Jato.
Indicado pelo PP, o então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, se reúne com o presidente da estatal, o petista Sérgio Gabrielli, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Ed Ferreira/Estadão Conteúdo)
Para além da roubalheira institucionalizada, os executivos deveriam ainda privilegiar os interesses políticos – isto é, os interesses comerciais do cartel de empreiteiras que repassava milhões para os partidos – aos objetivos de negócio da Petrobras, além de direcionar as licitações. Obras e investimentos desnecessários foram feitos em detrimento de outros e da remuneração dos acionistas.
Os preços X os políticos
O presidente Michel Temer e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, participam da divulgação do Plano de Negócios e Gestão 2018-2022 da Petrobras – 21/12/2017 (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
O congelamento dos preços do gás realizado por FHC em 2002 não foi o primeiro nem o único. Durante a ditadura militar, esse era um expediente comum do governo ditatorial, mas a baixa transparência não permite que se saiba exatamente quantas vezes nem em que grau.
No passado recente, no entanto, não se tem notícia de algo na mesma dimensão do que a política adotada durante o primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A fim de controlar a inflação que começava a demonstrar os sinais da explosão que viria em 2015, a petista impôs o controle dos preços aos custos dos cofres da estatal. A junção entre as descobertas de uma corrupção generalizada e a adoção de uma política suicida para seu caixa levou a Petrobras ao seu menor valor de mercado em março de 2016, quanto foi cotada a 126 bilhões de reais.
Apesar de reproduzir a política de partilha de cargos dos governos anteriores, o presidente Michel Temer(MDB) acabou poupando a Petrobras, diante da péssima imagem da companhia dentro e fora do Brasil. Nomeou um técnico, Pedro Parente (foto), para o comando e o liberou para adotar uma postura profissional no comando da empresa.
Na avaliação de Parente, a solução para o caixa da Petrobras passava por regular o preço dos combustíveis de acordo com critérios de mercado internacional. O saldo para a empresa foi positivo: dois anos depois, seu valor de mercado chegou a 293 bilhões. O efeito colateral foi uma disparada nos preços, que provocou a revolta dos caminhoneiros da última semana.
A desvalorização da estatal na Bolsa de Nova York com o anúncio de congelamento no preço do diesel foi o recado que refreou as intenções do governo em rever a política de preços da companhia. Sem saída, a gestão Temer trouxe os custos da redução de 0,46 centavos do preço do óleo para os cofres do governo e, até o momento, preservou a Petrobras.
A saída de Pedro Parente, apesar de motivada por uma decisão do próprio executivo, recoloca tudo novamente em estado de atenção. Caberá ao governo Temer escolher o novo presidente da companhia e, ao fazê-lo nesse momento de tensão, que vai dos funcionários da estatal ao mercado financeiro, deve dar os sinais definitivos de qual é a intenção do Palácio do Planalto em relação à política de preços dos combustíveis.
Com Guilherme Venáglia, Veja