Presidente do Senado age como se não tivesse mais nada a perder
Presidente da Câmara ainda tem perspectiva de poder e dialoga mais
Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), têm sido perfurocortantes em suas ações contra o Palácio do Planalto nos últimos meses. Mas são dois animais políticos diferentes e que, sobretudo, passam por momentos distintos em suas carreiras.
Por essa razão há hoje muito mais risco para o Palácio do Planalto nas ações de Renan do que nas de Cunha.
Para entender o que se passa vale a pena recapitular as qualificações básicas dos dois:
Renan Calheiros: tem 59 anos. Foi deputado estadual, deputado federal, líder do governo Fernando Collor, ministro da Justiça de Fernando Henrique, aliado de Lula e de Dilma Rousseff em momentos distintos.
Foi eleito presidente do Senado 4 vezes: 2005, 2007, 2013 e 2015. Forjou seus primeiros conhecimentos da política numa grande escola: o movimento estudantil, no final dos anos 70. Era simpatizante do PC do B. É um liberal nos costumes.
Foi eleito presidente do Senado 4 vezes: 2005, 2007, 2013 e 2015. Forjou seus primeiros conhecimentos da política numa grande escola: o movimento estudantil, no final dos anos 70. Era simpatizante do PC do B. É um liberal nos costumes.
Eduardo Cunha: tem 56 anos. Sua carreira como operador da política ganhou relevo no governo de Fernando Collor, quando presidiu a empresa estatal de telefones no Rio, a Telerj. A presidência da Câmara é sua maior vitória política até hoje. Evangélico, é um conservador nos costumes.
UM POUCO DE CONTEXTO
O primeiro grande revés político de Renan Calheiros foi o apoio inicial que deu à administração do então presidente Fernando Collor, no princípio dos anos 90. Depois, rompeu com os colloridos no processo de impeachment. Passou a reconstruir sua trajetória. Tudo andou bem até a eclosão de um escândalo em 2007, quando o político alagoano estava no início de seu segundo mandato como presidente do Senado.
O primeiro grande revés político de Renan Calheiros foi o apoio inicial que deu à administração do então presidente Fernando Collor, no princípio dos anos 90. Depois, rompeu com os colloridos no processo de impeachment. Passou a reconstruir sua trajetória. Tudo andou bem até a eclosão de um escândalo em 2007, quando o político alagoano estava no início de seu segundo mandato como presidente do Senado.
O segundo grande tombo de Renan se deu em maio de 2007. Ele foi acusado de pagar pensão a uma filha com dinheiro de uma empreiteira. Enrolou-se depois para justificar a origem do dinheiro, mostrando notas fiscais de venda de bois. Uma tragédia para sua carreira. Por meses o “Renangate” tornou-se o único escândalo em destaque na mídia. Renan renunciou ao cargo de presidente do Senado. Resiliente, venceu uma votação secreta e permaneceu com o seu mandato. Mas pagou um preço alto.
Até 2007, Renan Calheiros sonhava com muitas coisas: ser governador de Alagoas, candidato a vice-presidente da República numa aliança com o PT em 2010 ou até ele próprio concorrer ao Palácio do Planalto.
Passado o “Renangate”, as prioridades mudaram. Renan quis voltar a ser presidente do Senado. Conseguiu. Elegeu seu filho Renan Calheiros Filho governador de Alagoas – em outubro do ano passado (2014).
Quais são as perspectivas de poder para Renan Calheiros agora? Exíguas. Ele não quer mais ser governador de Alagoas –seu filho já é.
A função de ministro de Estado também não o atrai –ele já comandou a pasta da Justiça.
Renan quer cargos para apaniguados no governo? Pode ser, a julgar pelas informações vazadas diariamente pelo governo. Mas é esquisito que ele já tenha recebido alguns e não tenha sossegado. Mais curioso ainda é que ele no passado tenha sido o donatário de uma imensidão de indicações sem nunca ter precisado se comportar como agora.
No mínimo, está mal contada pelo Planalto essa versão de que “o Renan está magoado porque a presidente Dilma está sendo dura e não está dando todos os cargos que ele pede''.
Renan, isso com certeza, tem uma meta de fato muito clara. Deseja terminar inteiro seu mandato de presidente do Senado (em 31 de janeiro de 2017). Quer também que seu filho possa fazer um bom governo em Alagoas.
Embora governadores dependam do governo federal, Renan não demonstrou até agora que fará concessões ao Palácio do Planalto em troca de uma atitude simpática de Dilma Rousseff em relação a Renan Filho.
Tudo considerado, o presidente do Senado parece ter percebido uma dura realidade: ele é hoje uma pessoa que já tem mais passado do que futuro.
Renan está sem planos de longo prazo definidos. Falta a ele uma das forças motrizes mais vitais na política: perspectiva de poder futuro. Por essa razão ele exerce o poder que tem com tanta sofreguidão.
Para emprestar uma terminologia da medicina ortomolecular, Renan Calheiros é hoje na política como um radical livre. Não há betacaroteno do Planalto que seja capaz de neutralizá-lo.
Por essa razão o presidente do Senado pode dar entrevistas como as de ontem (30.abr.2015), dizendo que “essa coisa de a presidente não poder falar no dia 1º de Maio porque não tem o que dizer é uma coisa ridícula. Ridícula”. E mais: “As panelas precisam se manifestar, vamos ouvir o que as panelas dizem”.
Para piorar, Renan completou atacando o presidente nacional do PMDB, Michel Temer, que é também vice-presidente da República e escolhido por Dilma Rousseff para ser o articulador político oficial do governo.
“O pior papel que o PMDB pode fazer é substituir o PT naquilo que o PT tem de pior, que é no aparelhamento do Estado. O PMDB não pode transformar a coordenação política, sua participação no governo, em uma articulação de RH [Recursos Humanos], para distribuir cargos e boquinhas”.
Temer tem hoje a função de operar a fisiologia miúda dentro do governo, repartindo cargos e outros benefícios para políticos no Congresso –em troca de apoio para projetos de lei de interesse do Planalto.
Renan é o chefe de um dos Poderes da República –como presidente do Senado, ele acumula a função de presidente do Congresso (quando deputados e senadores se reúnem em sessão conjunta). Numa só entrevista, em tom irônico, detonou a presidente Dilma e seu vice, Temer. Desqualificou também, ao mesmo tempo, o PMDB –partido ao qual é filiado, mas cujo poder é diluído entre cerca de uma dezena de caciques.
Eis aí o perigo que Renan Calheiros representa para Dilma Rousseff. A presidente teria de entregar o controle do governo quase inteiro para Renan em troca de apoio. A chance de ela sucumbir a essa possibilidade é zero. E a hipótese de Renan aquiescer e voltar a ser simpático ao Planalto no momento é igualmente zero.
EDUARDO CUNHA
E Eduardo Cunha? O candidato a presidente da Câmara mais combatido pelo Palácio do Planalto em muitos anos?
E Eduardo Cunha? O candidato a presidente da Câmara mais combatido pelo Palácio do Planalto em muitos anos?
Comparado a Renan, a atuação de Cunha é muito mais benigna para o governo. Por uma simples razão: o peemedebista tem planos, muitos planos para o futuro. Aceita negociar politicamente.
Eis aí um erro crasso de avaliação de Dilma Rousseff: deixou prosperar em dezembro e janeiro passados, dentro do Palácio do Planalto, uma bruxaria contra Eduardo Cunha e outra a favor de Renan Calheiros.
É a velha história. “Cría cuervos, y te sacarán los ojos”.
[“crie corvos e eles te sacarão os olhos”]
[“crie corvos e eles te sacarão os olhos”]
Qualquer político aprendiz que andasse pelos salões Verde (da Câmara) e Azul (do Senado) conseguia enxergar essa conjuntura em dezembro de 2014. Reportagens foram publicadas a respeito. Mas o Planalto apoiou Renan Calheiros para ser reeleito para presidente do Senado. E tentou dinamitar a candidatura de Eduardo Cunha para presidente da Câmara, lançando um candidato petista oficial (Arlindo Chinaglia), que recebeu apoio aberto em encontros com ministros de Estado. Uma lambança que Dilma Rousseff não faria nem quando era adolescente e militou no movimento estudantil.
Ocorre que Cunha, mesmo tendo sido destratado pela presidente da República, é um político que está “up for grabs”, como se diz em Washington sobre operadores do Congresso dispostos a conversar. Ele está disponível porque tem perspectiva (acha que tem) pela frente.
Eduardo Cunha sonha em fazer um bom mandato de presidente da Câmara. Quer apelar para os instintos mais primitivos da parcela do eleitorado conservador (“Aborto vai ter que passar por cima do meu cadáver para votar”, tem repetido). Pretende ser uma voz eloquente para esses brasileiros.
É bem verdade, o peemedebista do Rio está tão encrencado quanto Renan Calheiros por ter sido incluído na lista de políticos acusados de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato. Ainda assim, Eduardo Cunha sonha em ser prefeito do Rio, governador fluminense ou até presidente da República.
É claro que muitos analistas hoje classificam como inviáveis as chances de Cunha prosperar. Mas em política o que conta muito é o desejo que move o principal envolvido.
Eis aí a diferença entre Renan e Cunha.
O presidente da Câmara sonha ainda em ir longe.
O presidente do Senado, em conversas reservadas, dá entender que já chegou ao seu limite.
Por essa razão, Cunha hoje é muito mais acessível para futuros acordos com o Planalto.
Renan, não.
Dilma pode alterar essa realidade? Poder, pode. Mas até agora a presidente não demonstrou sequer ter entendido a atual conjuntura.